Acórdão Nº 08013921920198205150 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 03-03-2021

Data de Julgamento03 Março 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08013921920198205150
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801392-19.2019.8.20.5150
Polo ativo
ANTONIO FRANKLIM DA COSTA
Advogado(s): ALIATA PEREIRA PINTO JUNIOR
Polo passivo
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
Advogado(s): NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO ENTABULADO POR PESSOA ANALFABETA. INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS EXIGIDAS PARA A VALIDADE DO ATO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA AVENÇA QUE SE IMPÕE. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO APELO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em turma, à unanimidade, em harmonia com o parecer do Ministério Público, em conhecer e dar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por ANTONIO FRANKLIM DA COSTA contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da Comarca de Portalegre que, nos autos da ação ordinária, julgou improcedente o pleito autoral.

Alegou, em suma, que: a) está sofrendo descontos indevidos em seus proventos, em virtude de empréstimo consignado que não contratou; b) nenhum dos documentos juntados pela instituição financeira comprova a contratação, motivo pelo qual deve ser reconhecida a nulidade da avença, que não preenche os requisitos formais para a sua validade; c) restaram violados os princípios da vulnerabilidade do consumidor, da boa-fé objetiva, da informação, da confiança e do combate ao abuso.

Após citar jurisprudência em abono à sua pretensão, requereu, ao final, o provimento do seu apelo no sentido de que seja reformada a sentença recorrida, condenando-se o banco ao pagamento de indenização por danos morais, além da repetição do indébito.

Contrarrazões pela parte apelada.

A Procuradoria de Justiça manifestou desinteresse no feito.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.

Cabe, nesta instância, examinar o acerto ou não da sentença que julgou improcedente a pretensão do autor, que objetivava o reconhecimento da nulidade do contrato de empréstimo consignado apresentado pelo banco demandado, bem como a condenação da instituição financeira à restituição das parcelas descontadas de seus proventos e ao pagamento de indenização por danos morais.

Compulsando os autos, concluo que assiste razão ao apelante.

Isso porque, embora a instituição financeira tenha apresentado o contrato bancário com a suposta digital do contratante (id Num. 8449654 - Pág. 1), verifica-se que tal relação negocial não tem validade.

É que os pactos entabulados por pessoas analfabetas devem ser necessariamente realizados por instrumento público, ou ainda, com assinatura a rogo de procurador com poderes outorgados mediante procuração pública.

E, no caso em apreço, o contrato juntado pelo banco contém apenas a suposta digital do contratante, a assinatura a rogo de outra pessoa e a firma de duas testemunhas, porém, tal documento não veio acompanhado da procuração pública necessária ao reconhecimento da sua validade.

Resta, assim, evidente a nulidade do negócio jurídico que serviu de respaldo para os descontos efetuados no benefício previdenciário do autor, uma vez que não foram atendidas as formalidades mínimas necessárias à regularidade da avença, que, portanto, deve ser reputada inválida, conforme diversos precedentes a respeito da matéria.

Nesse sentido:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. AUTOR IDOSO E ANALFABETO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE LAUDO DE EXAME PAPILOSCÓPICO. E DE PROCURAÇÃO PÚBLICA. DESCONSTITUIÇÃO DOS DÉBITOS. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATOS ANULADOS. FORTUITO INTERNO. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESSARCIMENTO, DE MANEIRA SIMPLES, DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS QUE SE IMPÕE. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. JUROS DE MORA. SÚMULA 54 DO STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. SÚMULA 362 DO STJ. CONDENAÇÃO DO BANCO DEMANDADO NA TOTALIDADE DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJRN. APELAÇÃO CÍVEL 0100140-98.2016.8.20.0147, Rel. Des. Vivaldo Pinheiro, j. 19/05/2020). (Sem os grifos).

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AUTOR IDOSO E ANALFABETO. DESCONTOS INDEVIDOS EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÃO DA PARTE AUTORA QUE NÃO ADERIU AO CARTÃO DE CRÉDITO. BANCO DEMANDADO QUE JUNTOU O CONTRATO AOS AUTOS, NO ENTANTO, FIRMADO POR ANALFABETO DESACOMPANHADO DE INSTRUMENTO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DE VONTADE DE FORMA VÁLIDA. PRETENSÃO DO APELANTE PARA QUE A RESTITUIÇÃO DOS DESCONTOS OCORRA NA FORMA DOBRADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO BANCO APELADO. APELANTE QUE BUSCA A CONDENAÇÃO DO BANCO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. VIABILIDADE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. PRECEDENTES.(TJRN. APELAÇÃO CÍVEL n.º 0818172-64.2017.8.20.5001, Rel. Juiz Convocado EDUARDO PINHEIRO, j. 24/10/2019). (Sem os destaques).

“CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO, BEM COMO DETERMINOU A DEVOLUÇÃO, NA FORMA SIMPLES, DOS VALORES PAGOS PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO E DE ASSINATURA A ROGO, COM APOSIÇÃO DE IMPRESSÃO DIGITAL. NULIDADE. ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES COBRADOS. DESCONSTITUIÇÃO DOS DÉBITOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS NO CASO CONCRETO RESPONSABILIDADE DA FINANCEIRA. DANO IN RE IPSA. EXEGESE DOS ARTIGOS , 39, INCISO IV, E 14, § 3º, TODOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL. QUANTUM FIXADO NO JULGAMENTO A QUO QUE OBSERVA OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRN, Apelação Cível n° 2017.014422-5, Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho, 24/04/2018, 3ª Câmara Cível). (Grifei).

CONTRATOS BANCÁRIOS - Ação de obrigação de fazer c/c danos morais e repetição de indébito - Parcial procedência - Cartão de crédito consignado com autorização para desconto em benefício previdenciário (RMC) - Alegação de abusividade na contratação por ausência de informação - Pretensão de empréstimo consignado, e não utilização de crédito rotativo de cartão de crédito - Contrato sem observância das formalidades necessárias dada a condição de analfabeta da autora - Contrato firmado por impressão digital, sem aferição por escritura pública ou por procurador nomeado pela apelante através de instrumento público - Invalidade reconhecida - Retorno das partes ao "status quo ante" - Restituição e compensação de valores - Danos morais não caracterizados - Sentença modificada - Decaimento recíproco - Adequação dos ônus - Recurso parcialmente provido.
(TJSP; Apelação Cível 1001507-39.2018.8.26.0651; Relator: Des.
José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, j. 01/10/2020). (Destaques acrescidos).


“APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C CANCELAMENTO DE CONTRATO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CELEBRADO POR ANALFABETO SEM AS DEVIDAS FORMALIDADES LEGAIS. CONTRATO NULO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO.
- É nula a contratação de empréstimo consignado por analfabeto quando não formalizado por escritura pública ou, quando realizado por instrumento particular, não contiver assinatura a rogo de procurador regularmente constituído por instrumento público de mandato.

- Na fixação do valor do dano moral prevalecerá o prudente arbítrio do Julgador, levando-se em conta as circunstâncias do caso, evitando que a condenação se traduza em captação de vantagem indevida, mas também que seja fixada em valor irrisório.
- Para ser devida a repetição do indébito é necessária a prova da má-fé do fornecedor.(TJMG - Apelação Cível 1.0570.19.000388-1/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/08/2020, publicação da súmula em 25/08/2020). (Destaquei).

Nesse contexto, reconhecida a nulidade do negócio jurídico, impõe-se a devolução do que foi indevidamente descontado, a título de repetição de indébito, nos termos do art. 42 do CDC, permitida eventual compensação com valor comprovadamente depositado na conta bancária do autor, não sendo suficiente o documento produzido unilateralmente pelo demandado.

De outro lado, os danos morais são patentes na espécie, porquanto a falha na prestação de serviço por parte da instituição financeira ao efetivar o contrato sem as formalidades legais implicou em descontos indevidos nos proventos da parte demandante.

Outrossim, ressalte-se que, na situação posta à apreciação nestes autos, o dano moral independe de prova, sendo presumido, ou seja, IN RE IPSA.

No ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho, tem-se a compreensão da desnecessidade de prova quando se trata de dano moral puro (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., 2ª tiragem, 2004, p. 100):

(...) por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Nesse ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que decorre da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT