Acórdão Nº 08014008820208205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2ª Turma Recursal Temporária, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08014008820208205108
Órgão2ª Turma Recursal Temporária
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801400-88.2020.8.20.5108
Polo ativo
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
Advogado(s): NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO
Polo passivo
MARIA MARTINS ALVES
Advogado(s): RAUL VINNICCIUS DE MORAIS

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

2ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA – 2º GABINETE

RECURSO INOMINADO Nº 0801400-88.2020.8.20.5108

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, CRIMINAL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PAU DOS FERROS

PARTE RECORRENTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S/A

PARTE RECORRIDA: MARIA MARTINS ALVES

JUIZ RELATOR: GUILHERME MELO CORTEZ

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ANALFABETO. CONTRATAÇÃO NÃO RECONHECIDA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES, EM PARTE, OS PLEITOS AUTORAIS. COMPROVAÇÃO PELO RÉU DA CONTRATAÇÃO IMPUGNADA (ART. 373, II, DO CPC). JUNTADA AOS AUTOS DE CÓPIA DE CONTRATO CONTENDO APOSIÇÃO DE DIGITAL, ASSINATURA A ROGO E ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHA, ASSIM COMO COMPROVANTE DE DEPÓSITO DO VALOR NA CONTA DA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A TAIS DOCUMENTOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal Temporária do Sistema dos Juizados Especiais do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso, para julgar improcedentes os pedidos formulados pela Autora.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, ante o provimento do recurso.

Natal/RN, data da assinatura eletrônica.

GUILHERME MELO CORTEZ

Juiz Relator

RELATÓRIO

Recurso Inominado interposto por BANCO ITAÚ CONSIGNADO S/A contra sentença que julgou procedentes, em parte, os pleitos formulados por MARIA MARTINS ALVES, para:

a) DECLARAR a nulidade do contrato de empréstimo consignado de n. 582618995, DETERMINANDO que o banco promovido proceda à imediata exclusão dos descontos dele decorrentes no benefício da autora;

b) CONDENAR o requerido, a restituir de forma simples todos os valores que houver indevidamente descontados do benefício da parte autora relativos ao contrato ora declarado nulo;

c) CONDENAR o requerido, a pagar à parte autora, a título de indenização por danos morais, o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais);

d) INDEFERIR o pedido de devolução de eventuais valores depositados em favor da demandante.

Na sentença, o Magistrado rejeitou as preliminares e, no mérito, registrou que a tese autoral caminha no sentido de que jamais celebrou o contrato de empréstimo consignado, objeto desta demanda, embora esta venha promovendo descontos a esse título em seus proventos, enquanto, sustentando a legalidade dos descontos, a promovida juntou aos autos o instrumento contratual. Ao analisar o contrato juntado pelo banco, identificou, o juiz sentenciante, a irregularidade consistente no fato de a parte autora ser analfabeta, destacando que isso ficou evidenciado pelas cópias dos documentos pessoais da contratada bem como a assinatura a rogo no contrato celebrado. Anotou que um negócio jurídico celebrado por pessoa nesta condição deve ser revestido de forma pública, sob pena de incorrer-se na legitimação de diversos abusos, daqueles que se aproveitam da falta de instrução, além da factível vulnerabilidade que impõe o desconhecimento do vernáculo nas relações sociais, sobretudo numa relação consumerista. Com base nos fundamentos acima, entendeu ser de rigor a declaração de nulidade do contrato ora questionado com efeitos ex tunc, restituindo-se as partes ao status quo ante (art. 182 do Código Civil). Entendeu ser devida a mera restituição simples dos valores indevidamente descontados, de forma a evitar o enriquecimento sem causa. Em relação ao dano moral, destacou que o dever de a demandada indenizar a parte autora repousa na prática de ato ilícito (art. 927 c/c art.186 do CC) consistente em realizar empréstimo consignado vinculado à aposentadoria do consumidor sem a observância das normas aplicáveis ao contrato em espécie. Por fim, consignou que os serviços e os produtos enviados sem a solicitação do consumidor são considerados amostras grátis, nos termos do artigo 39, parágrafo único, do CDC.

Em suas razões recursais, o Recorrente arguiu a preliminar de incompetência do Juizado Especial por necessidade de realização de perícia e, no mérito, sustentou a regularidade da contratação, considerando a assinatura a rogo aposta pela filha da Recorrida e o cumprimento de todos requisitos exigidos pelo art. 595 do Código Civil. Defendeu o efetivo proveito econômico pela Autora. Pugnou pela reforma da sentença, para que os pedidos sejam julgados improcedentes e, subsidiariamente, pela compensação do valor creditado em favor do Demandante e pela redução da condenação.

A Recorrida, em contrarrazões, requereu, em suma, o desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

De início, rejeito a preliminar arguida, tendo em vista não haver necessidade de prova pericial, uma veza que a parte Autora, mesmo após intimada para apresentar réplica (ID 9366039 - Pág. 1) não impugnou os documentos acostados pela parte Ré, motivo pelo qual são considerados legítimos.

Após análise da prova documental, em cotejo com os argumentos articulados pela parte, tenho que a sentença recorrida merece reparo. Passo a explicar.

Temos que a natureza jurídica do vínculo entre as partes configura uma clara relação de consumo, sendo indispensável uma análise do feito à luz da Lei 8.078/90.

Compulsando os autos, verifico que o Requerido acostou instrumento contratual (ID 9366031) que contém a digital da contratante, a assinatura a rogo aposta por sua filha, Sra. Mariza Martins Alves (ID 9366031 - Pág. 10), e a assinatura de duas testemunhas, todas as partes identificadas por meio de documentos pessoais.

Ademais, foi juntado o TED (ID 9366031 - Pág. 14), comprovando o recebimento do valor objeto do contrato, o qual coincide com o valor questionado, conforme demonstrado em contestação.

Ressalto que a parte Autora deixou de apresentar impugnação aos documentos juntados com a contestação, mesmo diante da intimação para apresentação de réplica, de modo que podem ser considerados válidos os documentos juntados pelo Demandado.

Vale ser ressaltada, também, a impossibilidade de dinheiro ser considerado amostra grátis para fins do disposto no art. 39, parágrafo único do CDC, pois dinheiro não é produto, não é mercadoria, mas moeda de pagamento.

No caso em questão, o envio do numerário à conta de titularidade da Recorrida foi feito com base em contrato. Desse modo, ainda que tal contrato fosse fraudulento – o que não ocorreu no presente caso – a remessa do dinheiro não teria se dado por liberalidade do fornecedor, mas por conduta de terceiro.

Por todo o exposto, noto que foram respeitadas as formalidades exigidas pelo art. 595 do Código Civil, mostrando-se forçoso o reconhecimento da validade do contrato firmado entre a parte Autora e o Banco Réu.

Cumpre esclarecer, por fim, que, conforme se extrai do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no sentido de que a autorização para a consignação do empréstimo e a celebração do contrato por analfabeto se dê mediante escritura pública. Pelo contrário, a IN autoriza inclusive que a autorização se dê por meio eletrônico, de forma que não há amparo legal para que seja declarada a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante “escritura pública”.

Dessa forma, proponho o voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para julgar improcedentes os pedidos formulados pela Autora.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, ante o provimento do recurso.

É o voto.

Submeto, nos termos do art. 40 da Lei n. 9.099/95, o presente projeto de Acórdão para fins de homologação por parte do Juízo de Direito. Após, publique-se, registre-se e intimem-se.

Natal/RN, data da assinatura eletrônica.

Raissa Lucia Cruz Batista

Juíza Leiga

HOMOLOGAÇÃO

Com arrimo no art. 40 da Lei nº 9.099/95, bem como por nada ter a acrescentar ao entendimento acima exposto, HOMOLOGO na íntegra o projeto de acórdão para que surta seus jurídicos e legais efeitos.

Natal/RN, data da assinatura eletrônica.

GUILHERME MELO CORTEZ

Juiz Relator

Natal/RN, 8 de Março de 2022.

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