Acórdão Nº 08014170420188205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 13-06-2023

Data de Julgamento13 Junho 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08014170420188205106
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801417-04.2018.8.20.5106
Polo ativo
OLACYR LUIZ SCHERNER
Advogado(s): JOSE PATRIARCA BRANDAO SOUZA
Polo passivo
MARTA REGINA PEREIRA DE ARAUJO
Advogado(s): TELLES SANTOS JERONIMO

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO ARGUIDA COMO MATÉRIA DE DEFESA. POSSIBILIDADE. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS INSERTOS NO ARTIGO 1.238 DO CÓDIGO CIVIL. EXERCÍCIO DA POSSE MANSA E PACÍFICA SOBRE O IMÓVEL LITIGIOSO, POR MAIS DE 15 (QUINZE) ANOS, SEM OPOSIÇÃO E COM ANIMUS DOMINI. CONJUNTO PROBATÓRIO FAVORÁVEL À CONCESSÃO DA PRETENSÃO AQUISITIVA DO BEM USUCAPIENDO PELA PARTE RÉ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que compõem a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por OLACYR LUIZ SCHERNER em face de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN que, nos autos da Ação Reivindicatória com Pedido de Liminar nº 0801417-04.2018.8.20.5106, proposta em desfavor de MARTA REGINA PEREIRA DE ARAÚJO, julgou improcedente o pedido reinvidicatório, acolhendo a exceção de usucapião suscitada pela Demandada e condenando o Demandante ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa (id 18726717).

Em suas razões recursais (id 18726722), aduz o Apelante que adquiriu a propriedade dos lotes constastes na Matrícula nº 15.654 e 15.655 do Registro Geral de Imóveis da 6ª Zona de Mossoró/RN, e desde então pagou o IPTU dos mesmos, mantendo-os cercados e que, mesmo após deixar de residir naquela urbe, sempre visitava o terreno, tendo posteriormente tomava conhecimento de que a requerida invadira clandestinamente a posse dos lotes, edificando ali dois imóveis residencial.

Afirma que o Julgador a quo incorreu em equívoco ao reconhecer a procedência da exceção arguida em defesa, pois em nenhum momento ocorreu a posse mansa e pacífica pela Requerida, com ânimo de domínio, a qual não apresentou qualquer prova de que já ocupava o imóvel em 2003, complementando que “... o imóvel não se encontrava abandonado, assim como a Requerente Apelada não estabeleceu domicílio pelo prazo de 10 (anos) ou mesmo ingressou na posse do imóvel pelo prazo de 15 (quinze) anos, não há que se falar no instituto do usucapião extraordinário...”.

Sustenta, por sua vez, ter comprovado “... ser titular da referida propriedade desde a data de 30/01/2009, quando registrou a Escritura Publica de Compra e Venda dos lotes... restou comprovado por prova testemunhal que o imóvel foi registrado concomitante a ocupação ilegal do imóvel, visto que somente ao final de 2008 a promovida, ora, Apelada, passou a ocupar o imóvel, restando, assim, impossível de ser adquirida a propriedade pela via de usucapião extraordinário...”.

Requer ao final o conhecimento e provimento do apelo para reformar a sentença a quo e julgar procedente o pleito autoral, afastando o reconhecimento do usucapião e determinando a sua imediata imissão na posse do bem de sua propriedade.

Contrarrazões ofertadas ao id 18726728.

Instada a se pronunciar, a 14ª Procuradoria de Justiça declinou de sua intervenção no feito (id 18771604).

É o relatório.

VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da Apelação Cível.

Cinge-se a controvérsia em aferir o acerto da sentença que julgou improcedente o pedido reinvidicatório formulado pelo Recorrente em face da Recorrida e, por consectário, acolheu a exceção de usucapião arguida em sua defesa, rechaçando a tese de posse injusta.

Como cediço, a ação reivindicatória é de natureza real, fundada no direito de propriedade, e sequela inerente a ela, nos termos do art. 1.228 do Código Civil, que garante "ao proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha", tendo assim por finalidade a restituição da coisa que se encontra indevidamente nas mãos de terceiro.

Para tanto, imprescindível o preenchimento de três requisitos, quais sejam a comprovação da titularidade do domínio do bem reivindicado, que se faz por meio do registro imobiliário correspondente; a individualição da coisa pretendida, ou seja, a descrição atualizada do bem, com os corretos limites e confrontações, de modo a possibilitar sua exata localização; e a demonstração de que o réu está exercendo a posse sobre a coisa de forma injusta.

Assim, indispensável saber se a posse sobre o bem é injusta, de modo a ser possível deferir ao autor o direito de sequela, à luz do art. 1.200 do Código Civil Brasileiro, que diz ser justa a posse que não tenha sido obtida mediante violência, não seja clandestina, nem precária.

Na hipótese, para subsidiar seu pleito reinvidicatório, o Apelante alegou ter adquirido a propriedade de terreno urbano, com área total de 720 m2, correspondente aos lotes 04 e 05, da quadra 10, do Loteamento denominado “Cidade Nova”, na cidade de Mossoró, por compra feita a Empreendimentos São João em 25/01/1991 (id 18726762 – p 21/24), e Escritura Pública de Compra e Venda lavrada em 29/09/2008 (id 18726763 – p 28/30), junto ao Cartório do 6º Ofício daquela cidade, regularizando a situação fiscal dos imóveis junto à Prefeitura Municipal de Mossoró.

Afirmou que, após registrar a escritura e vir regularmente recolhendo IPTU, tomou conhecimento da ocupação irregular do local pela Recorrida, que ali edificou imóvel residencial, buscando com a demanda o exercício do seu direito de propriedade e posse, com a desocupação do imóvel, e pagamentos dos aluguéis durante o período em que ocupado.

Por seu turno, a Recorrida refutou a alegativa de haver se instalado no bem de forma injusta, explicitando ter celebrado Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda em 20/03/2002, pelo qual adquiriu os ditos lotes do mesmo promitente vendedor, o EMPREENDIMENTO SÃO JOÃO (id 18726783 – p 64/66).

Argumentou ser a legítima possuidora do terreno desde então, tendo erguido um imóvel residencial e passado ali a residir em 2003, suscitando a oposição de usucapião, conforme Súmula 237 do STF, o que constitui modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais.

Todavia, embora seja possível a arguição como matéria de defesa na reivindicatória, é certo que para que se configure o direito devem estar presentes os requisitos previstos em lei, como a posse com intenção de dono, ininterrupta, mansa e pacífica sobre determinado bem, pelo prazo previsto na legislação.

Verifica-se dos elementos probatórios que a requerida apelada, no ano em que manejada a reinvidicatória, detinha a posse da área litigiosa por prazo superior a 15 (quinze) anos, sem oposição e com animus domini.

In casu, designada instrução e julgamento, compareceram as partes e as testemunhas ouvidas corroboraram a tese arguida em defesa, sobretudo no respeitante à posse mansa, pacífica, contínua e de boa-fé exercida pela Recorrida sobre o imóvel, afastando a soerguida detenção injusta.

A propósito, ao se debruçar sobre as provas amealhadas, destacou o Magistrado Sentenciante (id 18726817 – p 143):

“... Como podemos ver, a única testemunha arrolada pelo autor nada disse que nos permita inferir que o demandante realmente chegou a exercer a posse dos lotes por ele adquiridos no ano de 1990.
Referida testemunha, no entanto, confirmou que foram realizadas construções no terreno de propriedade do autor, no seu dizer, no ano de 2008.

Enquanto isso, as duas testemunhas arroladas pela ré foram uníssonas nas informações de que a promovida adquiriu o terreno no ano de 2002, onde construiu sua residência, ali passando a residir desde o ano de 2003.

Além da prova oral, encontro também um Certificado de propriedade de veículo automotor, no nome da promovida, emitido em 10/05/2005, onde consta o endereço da proprietária na Rua Lidinha Falcão, nº 214, Loteamento Cidade Nova, nesta cidade, o que corresponde ao local onde o imóvel objeto desta demanda está encravado.

Por isso, a meu juízo, comprovado está que a promovida exerce a posse mansa, pacífica ininterrupta, e com animus domini, do imóvel litigioso, desde o ano de 2003, perfazendo, assim, o lapso temporal necessário para a aquisição da propriedade pela via da usucapião, seja através de usucapião extraordinária, que exige prazo de 15 anos (Código Civil, art. 1.238, caput), ou até mesmo com base no Parágrafo único do referido artigo, que reduz para 10 (dez) anos, o lapso temporal, tendo em vista que a demanda fixou sua residência no imóvel; bem como através da usucapião ordinária, também com prazo de 10 (dez) anos, uma vez que a posse exercida pela autora tem suporte em justo título (CC/2002, art. 1.242).

Por fim, ressalto que aquele que figura como réu em ação reivindicatória, sendo o efetivo possuidor do imóvel, mas não proprietário, poderá se utilizar em sua defesa da exceção de usucapião, visando evitar a reivindicação do bem em litígio.

Sobre a exceção de usucapião, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento consolidado na Súmula de nº 237, assim dispondo: "O usucapião pode ser arguido em defesa”.

Todavia, o acolhimento da exceção de usucapião não dispensa o possuidor de ajuizar a competente ação de usucapião, tendo em vista que a ação reivindicatória não exige todas as formalidades próprias da ação de usucapião, tais como: citação pessoal dos confinantes; citação por edital dos possíveis interessados incertos e desconhecidos;...

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