Acórdão Nº 08014597420208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 12-05-2020

Data de Julgamento12 Maio 2020
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08014597420208200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL - 0801459-74.2020.8.20.0000
Polo ativo
SOLIDARIEDADE - COMISSAO PROVISORIA ESTADUAL
Advogado(s): CAIO VITOR RIBEIRO BARBOSA
Polo passivo
COMANDANTE GERAL DA POLICIA MILITAR e outros
Advogado(s):

Habeas Corpus Coletivo 0801459-74.2020.8.20.0000

Impetrante: Partido Solidariedade do Rio Grande do Norte

Pacientes: Policiais e Bombeiros Militares do Estado

Aut. Coatora: Comandante/Sub Geral da PM e Outro

Amicus Curiae: 19ª Promotoria de Justiça

Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS COLETIVO IMPETRADO EM FAVOR DOS POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES. ÓBICE À PRISÃO DISCIPLINAR CASTRENSE. POTENCIAL INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DO INCISO VII DO ART. 18 DO DL 667/69, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.967/19. INDICATIVOS DE VÍCIOS DE ORDEM FORMAL E MATERIAL. CISÃO DO JULGAMENTO EM OBSERVÂNCIA À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. ACOLHIMENTO DA PROPOSIÇÃO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal, à unanimidade de votos e em consonância com o parecer oral do Dr. José Alves, 4º Procurador de Justiça, acolher a proposição de cisão do julgamento com a remessa da matéria ao Pleno do TJRN, a fim de ser examinada a arguição de inconstitucionalidade incidental suscitada pelo Impetrante, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Habeas Corpus Coletivo impetrado pelo Partido Solidariedade do Rio Grande do Norte em favor dos Policiais e Bombeiros Militares do Estado, apontando como autoridades coatoras o Comandante Geral da PM, Subcomandante e o Chefe do Estado-Maior Geral do RN, os quais editaram o Boletim Geral 23/2020, determinando “... aos Senhores Comandantes, Chefes e Diretores que mantenham a aplicação das reprimendas impostas em razão de Soluções de Processos Administrativos Disciplinares em suas OPMs ...”, a despeito da vigência da Lei 13.967/19.

2. Aduz (ID 5323903, págs. 1-20): i) o art. 18, VII, do DL 667/69, alterado pela Lei Federal 13.967/19, veda expressamente a prisão administrativa dos policiais militares, sendo, portanto, eficaz e autoaplicável, independentemente da regulamentação pelos Estados; ii) as autoridades coatoras, ao publicarem o BG 23/20, divergiram do posicionamento adotado pelos demais Órgãos Militares a nível nacional, a exemplo da Orientação 001/20, expedida pelo Corregedoria Geral da PM do Estado do Paraná no sentido de vedar a aplicação da medida privativa de liberdade.

3. Pugna, ao final, pela concessão da ordem, “[...] para determinar que as Autoridades Coatoras se abstenham de executar prisão administrativa disciplinar de Policiais Militares do RN. [...]”.

4. Junta os docs. constantes dos IDs 5323904/916.

5. Pedido liminar não apreciado diante do seu caráter satisfativo (ID 5335997).

6. Informações prestadas (ID 5487463, págs. 1-5).

7. Parecer pela denegação (ID 5518213).

8. Por meio do expediente de ID 5576771, a 19ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal (Controle Externo da Atividade Policial) pugnou pelo ingresso dos autos na qualidade de amicus curiae, tendo sido deferido o pleito (ID 5586558).

9. É o relatório.

VOTO

DA PRELIMINAR DE RESERVA DE PLENÁRIO ARGUIDA EX OFFICIO.

10. Em atenção à cláusula de reserva de plenário estabelecida no art. 97 da CF [1] e corroborada pela SV 10 [2], suscito de ofício a preliminar suso, a fim de submeter ao Plenário desta Corte a análise de eventual inconstitucionalidade do inc. VII do art. 18 do Decreto-Lei 667/69, com a redação dada Lei Federal 13.967/19:

“Art. 18. As polícias militares e os corpos de bombeiros militares serão regidos por Código de Ética e Disciplina, aprovado por lei estadual ou federal para o Distrito Federal, específica, que tem por finalidade definir, especificar e classificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a sanções disciplinares, conceitos, recursos, recompensas, bem como regulamentar o processo administrativo disciplinar e o funcionamento do Conselho de Ética e Disciplina Militares, observados, dentre outros, os seguintes princípios:

I - dignidade da pessoa humana;

II - legalidade;

III - presunção de inocência;

IV - devido processo legal;

V - contraditório e ampla defesa;

VI - razoabilidade e proporcionalidade;

VII - vedação de medida privativa e restritiva de liberdade.

11. Com efeito, no afã de “[...] extinguir a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal [...]”, o Diploma em destaque apresenta indicativos de afronta à CF, seja sob o ângulo formal, seja no aspecto material.

12. Ora, como cediço, a inconstitucionalidade nomodinâmica ocorre quando a lei ou ato normativo possui mácula na sua forma, isto é, no processo de elaboração, podendo alcançar tanto o requisito da competência (dita orgânica), quanto o procedimento legislativo em si (de ordem subjetiva ou objetiva).

13. Sobre o tema, oportuna a lição extraída da doutrina do constitucionalista de Pedro Lenza[3]:

“[...] a inconstitucionalidade formal, também conhecida como nomodinâmica, verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contiver algum vício em sua ‘forma’, ou seja, em seu processo de formação, vale dizer, no processo legislativo de sua elaboração, ou, ainda, em razão de sua elaboração por autoridade incompetente. Podemos, então, falar em inconstitucionalidade formal orgânica, em inconstitucionalidade formal propriamente dita e em inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato. A inconstitucionalidade formal orgânica decorre da inobservância da competência legislativa para a elaboração do ato. Para se ter um exemplo, o STF entende inconstitucional lei municipal que discipline o uso do cinto de segurança, já que se trata de competência da União, nos termos do art. 22, XI, legislar sobre trânsito e transporte. Por sua vez, a inconstitucionalidade formal propriamente dita decorre da inobservância do devido processo legislativo. Podemos falar, então, além de vício de competência legislativa (inconstitucionalidade orgânica), em vício no procedimento de elaboração da norma, verificado em momentos distintos: na fase de iniciativa ou nas fases posteriores. Tomemos um exemplo: algumas leis são de iniciativa exclusiva (reservada) do Presidente da República, como as que fixam ou modificam os efetivos das Forças Armadas, conforme o art. 61, § 1.o, I, da CF/88. Iniciativa privativa, ou melhor, exclusiva ou reservada, significa, no exemplo, ser o Presidente da República o único responsável por deflagrar, dar início ao processo legislativo da referida matéria. Em hipótese contrária (ex.: um Deputado Federal dando início), estaremos diante de um vício formal subjetivo insanável, e a lei será inconstitucional. [...] Por seu turno, o vício formal objetivo será verificado nas demais fases do processo legislativo, posteriores à fase de iniciativa. Como exemplo citamos uma lei complementar sendo votada por um quorum de maioria relativa.[...]”.

14. Nesse cenário, tem-se aparente a inconstitucionalidade formal orgânica do dispositivo em comento (inc. VII do art. 18 do Decreto-Lei 667/69, com a redação dada Lei 13.967/19), porquanto o comando extraído da Lex Mater é deveras límpido ao outorgar à União a competência para legislar, por normas gerais, a estrutura organizacional e as garantias dos policiais e bombeiros militares (art. 22, XXI, da CF[4]).

15. Melhor dizendo, as normas sob exame possuem nítida natureza jurídica de princípios gerais, com alto nível de generalidade e abstração, se imiscuindo de minúcias normativas, consoante leciona André Luiz Borges Netto[5]:

“... as normas gerais a que buscamos um conceito constituem-se em típico exemplo de leis nacionais, pois não se tratam de comandos normativos simplesmente referentes à União ou disciplinadores de relações dessa pessoa política com jurisdicionados e administrados seus, mas sim de normas que têm aplicação à totalidade do Estado Federal, sem exclusão de nenhuma parcela do território pátrio. Não se esqueça, porém, que a União, no âmbito da competência legislativa concorrente, além de editar normas gerais como produto legislativo do Estado nacional, também edita normas especificas, descendo a pormenores de para tratar de assuntos relacionados à administração federal (serviços e agentes federais), vinculando somente a conduta daqueles que se submetem às regras do Governo Federal.

16. Nessa linha de raciocínio, merece destaque o voto do Min. Carlos Velloso, na ADI 927-MC/MS, o qual, com precisão jurídica, traz a lume o conceito de legi generali:

“... A formulação do conceito de ‘normas gerais’ é tanto mais complexa quando se tem presente o conceito de lei em sentido material – norma geral, abstrata. Ora, se a lei, em sentido material, é norma geral, como seria a lei de ‘normas gerais’ referida na constituição? Penso que essas ‘normas gerais’ devem apresentar generalidade maior do que apresentam, de regra, as leis. Penso que ‘norma geral’, tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências. Com propriedade, registra a professora Alice Gonzalez Borges que as ‘normas gerais’, leis nacioanis, ‘são necessariamente de caráter mais genérico e abstrato do que as normas locais. Constituem normas de leis, direito sobre direito, determinam parâmetros, com maior nível de generalidade e abstração, estabelecidos para que sejam desenvolvidos pela ação normativa subseqüente das ordens federais’, pelo que ‘não são normas gerais as que se ocupem de detalhamentos, pormenores, minúcias, de modo que nada deixam à criação própria do legislador a quem se destinam, exaurindo o assunto de que tratam’. Depois de considerações outras, no sentido da caracterização de ‘norma geral’, conclui:...

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