Acórdão Nº 08015043020148206001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 03-03-2020

Data de Julgamento03 Março 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08015043020148206001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801504-30.2014.8.20.6001
Polo ativo
M. M. FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA - ME
Advogado(s): EDWARD MITCHEL DUARTE AMARAL
Polo passivo
SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE
Advogado(s): CARLOS ANTONIO HARTEN FILHO

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR. 1. APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO DA PARTE AUTORA. HIPOSSUFICIÊNCIA. INVERSÃO DOS ÔNUS DA PROVA. 2. RESCISÃO UNILATERAL POR INADIMPLEMENTO. OBRIGAÇÃO QUESÍVEL. NÃO ENVIO DOS BOLETOS DE COBRANÇA. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. AUSÊNCIA DE MORA. RESTABELECIMENTO DO VÍNCULO CONTRATUAL. 3. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DA PARTE NO SERASA. DANO IN RE IPSA. 4. VALOR DA REPARAÇÃO. MONTANTE FIXADO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA EM OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PATAMAR CONFORME PRECEDENTES DESTA CORTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, sem o parecer da Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator que integra o presente acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pela SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE contra sentença prolatada pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN nos autos da Ação Ordinária nº 0801504-85.2014.8.20.0001, promovida pela M. M. FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA - ME, ora apelada.

A sentença foi lavrada nos seguintes termos (id 4793614 - parte dispositiva):

"(...)

Ante o exposto, com base na legislação apontada, rejeito o pedido de id 21993128 e julgo procedente o pedido autoral para, confirmando a antecipação de tutela, declarar a quitação das duas mensalidades consignadas no id 1594016, determinar a manutenção do contrato firmado entre as partes, com o envio dos cartões aos contratantes; e condenar a parte ré no pagamento de indenização moral no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigido monetariamente pelo IPCA a partir da publicação desta sentença (Súmula 362 do STJ) e com incidência de juros de mora simples de 1% (um por cento) ao mês a contar da data da inscrição indevida.

Condeno a requerida também no das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, consoante art. 85, § 2º, do CPC. Com o trânsito em julgado, expeça-se alvará para liberação dos valores depositados em prol da parte ré e arquive-se. P.R.I. NATAL /RN, 13 de junho de 2019.

Em suas razões (id 4793616), a SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE relata que a apelada ajuizou a presente lide buscando o restabelecimento do contrato, a consignação em pagamento dos valores devidos, a exclusão do seu nome do SERASA, o envio dos cartões do plano e boletos das cobranças e também a reparação por danos morais.

Assevera que o fato de não receber os boletos não justifica o inadimplemento da apelada, pois a segunda via pode ser retirada na internet.

Defende a impossibilidade de restabelecer o contrato de seguro que foi cancelado por inadimplemento da apelada.

Acrescenta que a fixação do valor para reparar o dano moral suportado deve observar o princípio da razoabilidade.

Ao final, requer o conhecimento e provimento do apelo.

A parte apelada, em sede de contrarrazões, pede o desprovimento do recurso (id 4793621).

Com vista dos autos, a Procuradoria de Justiça declina da sua intervenção no feito (id 4815412).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

A apelação cível foi interposta contra sentença que julgou procedente o pedido autoral para, confirmando a antecipação de tutela, declarar a quitação das duas mensalidades consignadas no id 1594016, determinar a manutenção do contrato firmado entre as partes, com o envio dos cartões aos contratantes; e condenar a parte ré no pagamento de indenização moral no valor de R$ 5.000,00, bem como das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação.

De início, é importante registrar que a relação jurídica entre as partes é de consumo, enquadrando-se a parte autora no conceito de consumidor, definido no artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, e a ré, no de fornecedora de serviços, na forma do artigo 3º, do referido diploma legal.

Ainda, deve-se ressaltar a hipossuficiência da autora, na condição de consumidora, na instrução da presente demanda com elementos que revelam a verossimilhança das suas alegações, frente à ré que detêm situação mais favorável.

Compulsando os autos, observa-se que a pretensão recursal não prospera, pelas razões seguintes.

Na exordial, a apelada M. M. FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA – ME noticia ter firmado, no dia de 30/01/2014, com a ré contrato de plano de saúde e odontológico, quando, na mesma data, foram efetuados os pagamentos das primeiras mensalidades, ficando a contratada comprometida a enviar para o endereço da contratante, ora demandante, a via do contrato, os cartões do plano e mensalmente os boletos para pagamento das faturas, afirma, porém, nada lhe foi enviado. Relata, em seguida, que com a demora, a demandante realizou diversos contatos, via e-mail, na tentativa de que fossem enviados os cartões do plano bem como o contrato assinado e os boletos para pagamento. Acrescenta que a ré inseriu o seu nome no SERASA por inadimplemento de mensalidades do plano contratado e jamais utilizado pela ausência do envio dos cartões e demais documentos.

Vale destacar, que a demanda deve ser observada à luz das regras do Código Civil, dentre as quais estabelece no seu artigo 113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme o princípio da boa-fé objetiva, o qual estabelece um padrão ético para a conduta das partes nas relações obrigacionais.

Ora, é sabido ser vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o associado seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência, conforme dispõe o inciso II, do artigo 13 da Lei 9.656/1998.

Na hipótese sob análise, a autora justifica a inadimplência no fato de não ter recebido os boletos para pagamentos das mensalidades do plano de saúde, assertiva corroborada pelo fato da mesma nunca ter utilizado os serviços de saúde porque também não lhe foram entregues os respectivos cartões do seguro saúde.

Desse modo, considerando a inversão do ônus da prova, caberia à ré, ora apelante elidir a natureza quesível da obrigação contratada pela autora, o que não o fez, afastando, assim, a mora necessária a autorização da rescisão contratual, como bem exarou o magistrado. Confira dos seguintes argumentos que ora extraio da sentença recorrida:

“Mister ainda destacar que a configuração da mora depende de fato ou omissão imputável ao devedor, como flui do art. 396 do Código Civil, inexistindo mora quando a falta de pagamento decorrer de conduta do credor.

No caso em tela, é incontroversa a existência de parcelas contratuais em aberto, divergindo as partes acerca da responsabilidade pela ausência de pagamento, uma vez que a autora aduz jamais ter recebido os boletos de cobrança que a ré se comprometeu a enviar, enquanto a seguradora defende a obrigatoriedade de quitação, mesmo sem o recebimento dos boletos.

Segundo o art. 327 do Diploma Civil, o pagamento é feito no domicílio do devedor, de sorte que cabe ao credor, em regra, buscar o devedor para obter a quitação (obrigação quesível), salvo se o contrário resultar do contrato, da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.

A decisão saneadora de id 14516736 fixou como ponto controverso da lide a obrigação de a autora pagar ou não as mensalidades do contrato de seguro de saúde e odontológico mesmo sem o envio dos boletos pela ré.

Tendo em vista a inversão do ônus da prova expressamente decretada na mesma decisão, cabe à ré o ônus de atestar a pactuação de tal obrigação, ônus do qual não se desincumbiu, pois não cumpriu a exibição do contrato determinada.

Com efeito, a seguradora trouxe aos autos apenas proposta contendo os dados dos consumidores, acompanhada de declaração de saúde, porém, não apresentou as condições gerais da contratação, para fins de verificar se as mensalidades ajustadas constituem obrigação quesível ou portável.

Diante da inércia da requerida em atestar a natureza portável da obrigação, assim como não cumpriu a exibição determinada, conclui-se ser verdadeira a alegação autoral de caber à seguradora o envio dos boletos de cobrança para o endereço da empresa demandante.

É incontroverso que tais boletos não foram recebidos pela demandante, de sorte que a ausência de pagamento resultou de ato da própria credora, inexistindo, portanto, mora imputável à parte autora.”

No sentido da necessidade de afastar a inadimplência nos casos em que o credor não envia os boletos de cobrança para pagamento das dívidas, transcrevo os julgados seguintes:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - PAGAMENTO QUESÍVEL - MORA AFASTADA - ALONGAMENTO DA DÍVIDA - REALIZAÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA. Em se tratando de empréstimo consignado, compete ao banco diligenciar para receber a quitação das parcelas, por se tratar de modalidade em que o pagamento é quesível (art. 327, do CC). Não tendo sido realizado o desconto integral das parcelas do financiamento, deveria o autor ter realizado a cobrança dos valores remanescentes pelas vias ordinárias, ou seja, providenciando o envio de boletos de cobrança para quitação da parcela. Tem-se que a inadimplência das parcelas pela ré se deu por culpa...

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