Acórdão Nº 08015117720198205150 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 04-04-2023
Data de Julgamento | 04 Abril 2023 |
Classe processual | RECURSO INOMINADO CÍVEL |
Número do processo | 08015117720198205150 |
Órgão | 3ª Turma Recursal |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL
Processo: | RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801511-77.2019.8.20.5150 |
Polo ativo |
FRANCISCO ROZENDO NETO |
Advogado(s): | ANTONIO KELSON PEREIRA MELO |
Polo passivo |
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A. |
Advogado(s): | JOSE ALMIR DA ROCHA MENDES JUNIOR |
RECURSO INOMINADO CÍVEL N.º: 0801511-77.2019.8.20.5150
ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE PORTALEGRE
RECORRENTE: FRANCISCO ROZENDO NETO
ADVOGADO(A): ANTONIO KELSON PEREIRA MELO
RECORRIDO(A): BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
ADVOGADO(A): JOSE ALMIR DA ROCHA MENDES JUNIOR
RELATOR: JUIZ JUSSIER BARBALHO CAMPOS
EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES AUTORAIS NÃO DEMONSTRADA. REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO COMPROVADA PELO RÉU. CONTRATO A ROGO DEVIDAMENTE ASSINADO NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS ACOMPANHADO DOS DOCUMENTOS PESSOAIS E COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO. RAZÕES RECURSAIS. DEVIDA ANÁLISE DO MATERIAL PROBATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Decidem os Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença atacada pelos próprios fundamentos. Condenação do recorrente em custas e honorários advocatícios, estes no percentual de 10% (dez por cento), sobre o valor atribuído à causa, cuja exigibilidade restará suspensa, ante a gratuidade de justiça concedida, nos termos do art. 98, §3º do CPC.
Obs.: Esta súmula servirá de acórdão nos termos do art. 46 da Lei 9.099/95.
Natal, 21 de março de 2023.
Jussier Barbalho Campos
Juiz Relator
RELATÓRIO
Sentença proferida pelo Juiz EDILSON CHAVES DE FREITAS:
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95. No entanto, entendo indispensável fazer uma pequena síntese dos fatos.
Trata-se de pretensão reparatória de danos materiais e morais c/c repetição de indébito e pedido de tutela de urgência antecipatória proposta por FRANCISCO ROZENDO NETO em desfavor do BANCO ITAÚ CONSIGNADO S/A, objetivando que seja declarada a inexistência do débito referente ao contrato de empréstimo consignado de n. 582243017, com a consequente cessação dos descontos, restituição em dobro dos valores efetivamente descontados e condenação do réu na obrigação de pagar indenização por Danos Morais.
Para tanto, a parte autora alega que identificou os descontos em seu benefício que recebe do INSS. Sustenta tratar de empréstimos fraudulento ou realizado em desconformidade com a legislação vigente.
Citada, a parte demandada apresentou contestação no ID 53072329 oportunidade em que esclareceu que a parte autora contratou o consignado objeto da demandada e que a celebração do negócio jurídico atendeu a legislação em vigor, razão pela qual requereu a improcedência da demanda. Com a inicial foram juntados o(s) contrato(s) e TED(s) alegado(s).
Realizada Audiência Conciliatória sem acordo, conforme se extrai do termo de ID 53106671.
Na sequência, a parte autora apresentou réplica à contestação, oportunidade em que se limitou a trazer argumentos genéricos, não negando ter recebido os valores do(s) empréstimo(s) em sua conta.
Em seguida, vieram-me os autos conclusos.
Passo a fundamentar e DECIDIR.
Destaque-se que se encontra consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência.
Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demanda, pois o mérito será decidido em seu favor (parte a quem aproveite a decretação da nulidade), o que faço com fundamento no art. 282, §2º do CPC.
Quanto à situação fática não há divergência. A parte autora alega irregularidade na celebração do contrato em razão de ser analfabeta e, como consequência, requer a declaração de nulidade com a restituição em dobro dos valores descontados e condenação da demandada na obrigação de pagar danos morais.
Quanto às provas, está provado que a parte autora é analfabeta. Inclusive a procuração passada ao advogado foi assinada a rogo. No(s) ID(s) 53072330 foi juntado(s) o(s) contrato(s) de empréstimo(s) consignado(s) com assinatura a rogo da parte autora. Por sua vez, no(s) ID(s) 53072338 foi juntado(s) o(s) comprovante(s) de TED a qual aponta que o dinheiro foi transferido para a conta da parte autora. Não há controvérsia a respeito.
A única discussão diz respeito à validade do negócio jurídico e as consequências decorrentes.
Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado tem previsão na Lei n. 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores, a qual foi regulamentada pelo INSS por meio da Instrução Normativa n. 28, de 16 de maio de 2008 (publicada no DOU de 19/05/2008).
Quanto aos contratos de empréstimos consignados, este juízo fixou entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.
Essa interpretação inicial decorreu da antiga leitura do art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 que diz que as pessoas que não sabem ou não podem assinar deve fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo ser colhida a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo.
A partir do artigo acima e da leitura conjunta do art. 104, III c/c art. 166, IV, ambos do Código Civil, em razão do não atendimento do requisito de validade do negócio (forma prescrita ou não defesa em lei), este juízo declarava a nulidade do negócio jurídico.
Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.
Primeiro porque o art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 está inserido no capítulo II (Da Escrituração e Ordem de Serviço) do Título II que trata do Registro de Pessoas Naturais. Como se sabe, a Lei n. 6.015/73 dispõe sobre os registros públicos. Ademais, o que o art. 37 determina é que, quando a parte não souber assinar, será coletada assinatura a rogo. No entanto, essa exigência é para os contratos de natureza pública, o que não é o caso do contrato de empréstimo consignado. Não subsiste razão para aplicação subsidiária do art. 37 da Lei n. 6.015/73 a esse tipo de contrato que possui normatização específica na Lei n. 10.820/2003 e na IN n. 28/2008. Senão vejamos.
Conforme se extra do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no sentido de que a autorização para a consignação do empréstimo e a celebração do contrato por analfabeto se dê mediante escritura pública. Pelo contrário, a IN autoriza inclusive que a autorização se dê por meio eletrônico. Eis a redação do art. 3, III e 5º:
Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:
...
III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.
...
Art. 5º A instituição financeira, independentemente da modalidade de crédito adotada, somente encaminhará o arquivo para averbação de crédito após a devida assinatura do contrato por parte do beneficiário contratante, ainda que realizada por meio eletrônico.
Sendo assim, não há amparo legal para este juízo declarar a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante “escritura pública”.
Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado nada mais é do que uma modalidade de contrato de empréstimo intitulado pela legislação civil de mútuo oneroso, pois existe reciprocidade de ônus e de vantagens para as partes contraentes, em razão das obrigações assumidas que mutuamente. A matéria é tratada nos artigos 586 a 592 do Código Civil.
Nas lições da doutrina de Álvaro Villaça Azevedo, verbis:
O contrato de mútuo, como o de comodato, é real, só se perfaz com a entrega da coisa mutuada; ele é informal, não solene, e deve provar-se por escrito, para atender ao disposto no art. 227 do CC. (Azevedo, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e atípicos. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.)
O art. 227 mencionado pelo doutrinador a qual exigia a forma escrita dizia respeito aos contratos que ultrapassem 10 vezes salário mínimo vigente no País os quais não poderiam ser provados apenas por prova testemunhal, o que demandaria a forma escrita. No entanto, o artigo foi revogado pela Lei n º 13.105/2015. Dessa forma, mesmo os contratos com valor superior a 10 vezes o maior salário mínimo vigente no País não mais exige forma escrita. No entanto, a forma escrita do contrato de empréstimo consignado decorre da Lei n. 10.820/2003 que regulamenta o empréstimo consignado e exige que a instituição consignatária remeta os documentos do empréstimo consignado para a pessoa jurídica responsável pelo pagamento promova a averbação da consignação em folha. No entanto, a exigência é que a forma seja escrita, mas não solene.
Aliás, esse entendimento a respeito da prova do contrato mediante apenas instrumento particular é antiga no direito comparado. Como exemplo, é a...
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