Acórdão Nº 08015844420208205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 13-07-2023

Data de Julgamento13 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08015844420208205108
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801584-44.2020.8.20.5108
Polo ativo
JOAO BOSCO DE LIMA
Advogado(s): RAUL VINNICCIUS DE MORAIS
Polo passivo
BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
Advogado(s): WILSON SALES BELCHIOR registrado(a) civilmente como WILSON SALES BELCHIOR

PODER JUDICIÁRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

PRIMEIRA TURMA RECURSAL



RECURSO CÍVEL Nº 0801584-44.2020.8.20.5108

RECORRENTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTO S.A.

ADVOGADO: DR. WILSON SALES BELCHIOR

RECORRIDO: JOÃO BOSCO DE LIMA

ADVOGADO: DR. RAUL VINNICCIUS DE MORAIS

RELATORA: JUÍZA SANDRA SIMÕES DE SOUZA DANTAS ELALI



EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS". DESCONTOS INDEVIDOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO INOMINADO INTERPOSTO PELO BANCO DEMANDADO. DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO QUE INDEPENDE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE COBROU VALOR INDEVIDO, REVELANDO-SE CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA (STJ. CORTE ESPECIAL. EAREsp. 76608/RS, RELATOR MINISTRO OG FERNANDES, JULGADO EM 21/10/2020). TEMA 929 STJ. IMPOSSIBILIDADE DE SE REFORMAR A RESTITUIÇÃO DE FORMA SIMPLES, UMA VEZ QUE O RECURSO FOI INTERPOSTO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM COMPENSATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, HAVENDO SIDO VERIFICADAS AS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora, parte integrante deste acórdão. Condenação em custas processuais e em honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso inominado interposto pelo BANCO BRADESCO FINANCIAMENTO S/A. contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial da ação ajuizada em seu desfavor por JOÃO BOSCO DE LIMA para declarar a nulidade do contrato de empréstimo consignado nº 811500203, determinando a exclusão dos descontos dele decorrentes, a restituição simples dos valores descontados e condenando-o ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com juros e correção monetária.

Por outro lado, foi julgado improcedente o pedido formulado pela referida instituição financeira, quanto à devolução/compensação de eventuais valores depositados em favor da parte demandante.

Na sentença, o Juízo a quo afirmou que “em sua contestação o banco demandado apresenta alegações genéricas, no sentido da regularidade do pacto firmado entre as partes”, não procedendo à juntada do instrumento contratual e não apresentando fato impeditivo ou modificativo do direito alegado pelo autor.

Registre-se que o valor mensal descontado do benefício previdenciário do recorrido consistia em R$ 49,88 (quarenta e nove reais e oitenta e oito centavos), tendo início em abril de 2019 e previsão de 72 (setenta e duas) parcelas (ID 8737359). E a demanda foi proposta em 29 de abril de 2020.

Em suas razões, o banco recorrente requereu, inicialmente, o recebimento do recurso também no efeito suspensivo.

Afirmou que, “apesar das alegações da autora referentes ao seu analfabetismo, o mesmo não deve prosperar”, uma vez que não gera nulidade absoluta do contrato.

Alegou que “não cometeu nenhum ato ilícito, abusivo ou motivador de responsabilidade na órbita da responsabilidade civil”, tendo agido em exercício regular de direito.

Asseverou que, “no presente caso, o que se supõe é que tanto a promovente quanto a instituição financeira foram vítimas de criminosos, os quais se mostram cada vez mais especializados em fraudar documentos e em conseguir a assinatura de pessoas, fazendo-se passar por estas, de forma fraudulenta, para locupletar-se à custa destas e das instituições financeiras”.

Ressaltou que, “no caso em comento, não restam dúvidas de que o promovente pagou espontaneamente os valores oriundos do contrato e, neste caso, nos exatos termos do previsto no artigo 877 do Código Civil, para pleitear a devolução do que pagou, deve comprovar que efetuou tais pagamentos por erro”.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso para que a sentença seja reformada, julgando-se improcedentes os pedidos iniciais. Subsidiariamente, pediu que seja reduzido o valor do quantum compensatório, fixado a título de dano moral para patamar proporcional e razoável.

O recorrido apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença, reiterando que “o banco, ora recorrente, não apresentou qualquer documento que pudesse justificar os descontos na conta do recorrido; não apresentou cópia de contrato, extrato de contato, nem mesmo as filmagens do caixa eletrônico onde alega ter sido realizado o empréstimo”.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, o entendimento proposto é o de que há de ser indeferido o pedido de concessão de efeito suspensivo formulado pelo Banco Bradesco Financiamentos S.A., tendo em vista a inexistência de dano irreparável a ser evitado, nos termos do art. 43 da Lei nº 9.099/95.

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso, a proposição é no sentido do seu conhecimento. Com efeito, evidencia-se o cabimento do recurso, a legitimação para recorrer, o interesse recursal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, bem como a tempestividade e a regularidade formal, havendo sido recolhido o preparo recursal (ID 8737643).

Examinando-se o que dos autos consta, verifica-se que da sentença recorrida consta o seguinte:

[...] Em sede de preliminar, a demandada suscitou a ausência de documentos indispensáveis a propositura da ação, com base no artigo 320, do CPC. Todavia, entendo que a preliminar se confunde com o mérito da questão, que por sua vez será discutido em momento oportuno. Mas, registro que a mera deficiência de documentos essenciais a prova do direito alegado não impede a análise do mérito da causa, podendo ser suprido no curso do feito, inclusive.

A parte demandada impugnou o benefício da justiça gratuita. Contudo, registro que o acesso aos Juizados Especiais, no primeiro grau de jurisdição, independe do pagamento de custas, conforme dispõe o art. 54 da Lei n. 9.099/95, exigindo-se a apreciação do pedido de gratuidade apenas na fase recursal.

No tocante a preliminar de falta de interesse de agir, percebo igualmente que a mesma não merece acolhimento, visto que não se impõe a parte autora a obrigatoriedade de tentar resolver extrajudicialmente a controvérsia, diante do direito de acesso à justiça e a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da CF/88), mesmo porque a experiência demonstra o insucesso dessas tentativas.

Igualmente, não há que se falar em conexão do presente feito em relação aos autos n.º 08019334720208205108, uma vez que os contratos discutidos são diversos.

Afasto a preliminar de incompetência do Juizado Especial, posto que, em que pese seja sabido que, a teor do art. 3º da Lei n.º 9.099/95, os juizados especiais cíveis detêm competência para processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, de modo que a realização de prova pericial acaba por afastar-se de sua alçada, no caso dos autos, conforme se verá no mérito, o instrumento contratual padece de vício formal que já o contamina de pronto, dispensando qualquer averiguação pericial.

Não havendo outras preliminares ou questões processuais para analisar, passo ao exame do mérito.

De início, em que pese tenha a parte promovida pugnado pela realização de audiência de instrução e julgamento, entendo que esta resta desnecessária diante da natureza da controvérsia posta nos autos, especialmente em razão de já ter este juízo entendimento firmado acerca da matéria, art. 370, parágrafo único, do NCPC. Aliás, segundo jurisprudência do STJ, ao juiz, como destinatário da prova, cabe indeferir as que entender impertinentes, sem que tal implique cerceamento de defesa. Verifico, pois, que o presente feito encontra-se pronto para julgamento, nos termos do artigo 355, I, do NCPC, por ser desnecessária a produção de novas provas.

A situação narrada na inicial enseja a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois no negócio jurídico celebrado pelas partes a autora se encaixa no conceito de consumidor (art. 2º da Lei n.º 8.078/90) e o demandado no de fornecedor (art. 3º da Lei n.º 8.078/90). E por constatar a hipossuficiência do consumidor no que tange à produção de provas, é que deveria a demandada se desencumbir do ônus da prova, com escopo no art. 6º, VIII, do CDC.

No mérito, entendo que assiste razão à parte autora.

Conforme consignado na petição inicial, a parte autora alega que não celebrou o contrato, objeto desta demanda, com o banco demandado. Como consequência, caberia ao banco demandado provar que o contrato ora questionado era válido.

Em sua contestação o banco demandado apresenta alegações genéricas, no sentido da regularidade do pacto firmado entre as partes. Contudo, ignorando totalmente o ônus da prova, seja pela regra...

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