Acórdão Nº 08016768520218205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 17-11-2023

Data de Julgamento17 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08016768520218205108
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801676-85.2021.8.20.5108
Polo ativo
MUNICIPIO DE FRANCISCO DANTAS
Advogado(s): RODRIGO MEDEIROS DE PAIVA LOPES
Polo passivo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

EMENTA: PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONDENADO O MUNICÍPIO DE FRANCISCO DANTAS EM OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSORTES PASSIVO NECESSÁRIOS. MÉRITO. MEDIDAS IMPRESCINDÍVEIS À CONCESSÃO DE USO ONEROSA DOS BOXES DO MERCADO PÚBLICO MUNICIPAL. ATENDIMENTO AOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.




ACÓRDÃO


Acordam os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.

RELATÓRIO



Trata-se de Apelação Cível interposta pelo MUNICÍPIO DE FRANCISCO DANTAS contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Pau dos Ferros/RN, que nos autos da Ação Civil Pública (proc. nº 0801676-85.2021.8.20.5108) ajuizada em seu desfavor pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE, julgou procedente o pedido para condenar o Município na obrigação de fazer consistente em:

“a) Enviar, no prazo de 30 (trinta) dias, projeto de lei à Câmara Municipal de Francisco Dantas/RN, autorizando o Executivo Municipal a realizar concessão de uso onerosa, através de licitação dos boxes do Mercado Público Municipal, contendo a identificação do imóvel a ser delegado para uso (localização e descrição exata), fixação da utilidade a ser dada ao bem (funcionamento do Mercado Público municipal, especificando os tipos de produtos a serem comercializados - in natura, agroindustrializados, artesanato rural etc.), descrição da forma de seleção dos concessionários, nomeação do órgão público responsável pela fiscalização e administração do prédio público, enumeração das hipóteses de reversão do imóvel ao patrimônio público, dentre outras especificações;

b) Efetivar, no prazo de 06 (seis) meses (contados a partir da entrada em vigor da mencionada lei, todo procedimento administrativo (edital, propostas, julgamentos, adjudicações, homologações e contratações), pertinentes à ocupação dos boxes do Mercado Público de Francisco Dantas/RN;

c) Abster-se de realizar novas concessões ou permissões de uso, ou qualquer outra modalidade de delegação dos boxes do Mercado Público de Francisco Dantas/RN, antes do cumprimento dos itens “a” e “b”

d) Anular todos os contratos/delegações vigentes, eivados de vícios que os tornam ilegais, após o cumprimento dos itens “a” e “b”.”


Nas razões recursais (ID 19806794) o Município apelante relatou que “ foi instaurado Inquérito Civil por parte do Ministério Público Estadual para apurar um eventual ato de improbidade atribuído ao prefeito de Francisco Dantas/RN, em razão da suposta autorização do uso do Mercado Público da cidade para benefício particular de terceiros”.


Preliminarmente defendeu a anulação da sentença decorrente da falta de citação dos litisconsortes passivos necessários.



No mérito, esclareceu que “apesar do objeto da ação se tratar do Mercado Público do Município Demandado, após a construção do imóvel nunca houve qualquer regulamentação documental que viesse a delimitar o que seria de propriedade pública e o que viria a ser propriedade privada, um dos motivos que impediu o cumprimento da recomendação inicial dada pelo Parquet”.



Afirmou que “cada um dos ocupantes dos boxes, possuindo alguns deles, inclusive, alegam que possuem escritura pública do referido local que ocupam, documento este que lhes dão todo o direito legal de disporem do espaço, reforçando a presunção de propriedade sob o bem”.



Aduziu que “ R. sentença guerreada, afeta não só Município, mas todos aqueles que dispõe do bem, importando em necessária e imprescindível formação de litisconsorte passivo, para que os Munícipes que dispõe dos box, sendo para muito o local de onde tiram o seus sustento e do suas famílias, possam ter seus direitos constitucionalmente assegurados.



Defendeu que “a sentença prolatada pelo Juízo de 1º grau é nula, aliás, todo o processo, sobretudo porque os ocupantes do Mercado Público, em nenhum momento fizeram parte do processo, e na condição de utilizadores e presumidamente proprietários serão atingidos diretamente pelos efeitos da sentença, o que viola o princípio do devido processo legal e seu direito à defesa e ao contraditório”.



Asseverou que “os titulares dos box ocuparam o espaço do imóvel de boa-fé, daí a necessidade de serem partes no processo de origem e legítimos para sejam feitas as devidas considerações, afim de que se possa regulamentar legalmente o uso e propriedade do imóvel”.



Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso, para anular a sentença por falta e a citação dos litisconsorte. E, não sendo esse o entendimento, pela reforma da sentença, julgando improcedente o pedido autoral.



A parte apelada apresentou contrarrazões (ID 19806797) defendendo, em suma, o desprovimento do recurso.



Com vista dos autos, a 14ª Procuradoria de Justiça (ID 20251976) opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.




VOTO



Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.



Inicialmente, o município apelante suscitou a preliminar de nulidade da sentença, argumentando que não houve a citação dos litisconsortes passivos, quais sejam, os possuidores de pequenos comércios, que ocupavam anteriormente o local no qual foi construído o Mercado, e que detém, “inclusive, escritura pública, que comprova essa propriedade, o que lhe dá o direito de posse e propriedade do local, podendo eles ocuparem e disfrutarem do espaço”.



Consta dos autos, o Ofício nº 009/2017 do Município de Francisco Dantas, com as seguintes informações:


não foram encontrados quaisquer documentos referentes ao referido prédio público.


Contudo, por informações de servidores de vínculo vintenário, nos foi relatado que anteriormente à construção do mercado público existiam no local barracos, nos quais o Município à época teria feito a permuta com espaços do mercado público, e que também no período da construção, ano de 1982, foram entregues os espaços remanescentes à cidadãos outros. Tudo contudo sem a devida comprovação documental”.



Do exame dos autos, não se verifica qualquer comprovação quanto à alegação do município apelante, segundo o qual, o Mercado Público do Município de Francisco Dantas não constitui propriedade pública, mas espaços privados, pertencente à terceiros.



Em conclusão, não subsiste a tese de nulidade da sentença por ausência de citação de litisconsortes passivos.



No tocante ao mérito recursal, o município apelante alega que “para que haja qualquer disposição acerca do bem imóvel, bem como alguma regulamentação no que tange a sua utilização, se faz necessário comprovar a real propriedade do bem por parte do órgão público, o que até o momento não se mostra possível, haja vista que, como já destacado anteriormente, o imóvel, apesar de ser considerado um bem público, foi construído mediante cessão do espaço de alguns pequenos comerciantes que possuíam barracas, mercearias e/ou cigarreiras no local, frente a promessa de que iriam possuir o direito de usufruir de um box depois de construído o imóvel, pairando sobre eles a presunção de propriedade sob o lugar ocupado”.




Em que pese tal alegação, esta não prospera.



Isto porque, a permissão de uso de bem público constitui ato unilateral, precário e discricionário quanto a sua outorga ao particular, como leciona o administrativista Hely Lopes Meirelles:

Permissão de uso: permissão de uso é ato negocial, unilateral, discricionário e precário, através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público. A revogação faz-se, em geral, sem indenização, salvo se em contrário se dispuser, pois a regra é a revogabilidade sem ônus para a Administração. O ato da revogação deve ser idêntico ao do deferimento da permissão a atender às condições nele previstas"(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 527-529).


Para sua utilização pelo particular a Constituição Federal dispõe o seguinte:


Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.


Logo, considerando que no Mercado Público do Município de Francisco Dantas não há qualquer regulamentação administrativa para o uso dos box pelos particulares, mostra-se acertada a sentença proferida pelo juízo a quo, que impôs ao ente público municipal medidas necessárias e indispensável, não apenas à adequada utilização desses espaços, mas, especialmente, ao atendimento dos princípios administrativos que norteiam este tipo de utilização de bem público pelo particular, quais sejam, a impessoalidade, isonomia e moralidade.


Nesse sentido é o seguinte julgado:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. QUIOSQUE CONSTRUÍDO PELA MUNICIPALIDADE EM PRAÇA PÚBLICA PARA FUNCIONAMENTO ESPECÍFICO DE LANCHONETE. OUTORGA À ADMINISTRADO POR PRAZO DE DOIS ANOS POR MEIO DE DECRETO DE PERMISSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA LICITAÇÃO OU PROCESSO SIMPLIFICADO DE...

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