Acórdão Nº 08017005520198205150 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 13-07-2023

Data de Julgamento13 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08017005520198205150
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801700-55.2019.8.20.5150
Polo ativo
DAMIAO ALVES DIAS
Advogado(s): ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, ALENILTON FERREIRA DE ANDRADE, FERNANDA CLEONICE CAMINHA PINHEIRO, ADENILTON FERREIRA DE ANDRADE
Polo passivo
BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA
Advogado(s): FLAIDA BEATRIZ NUNES DE CARVALHO, GIOVANNA MORILLO VIGIL DIAS COSTA


PODER JUDICIÁRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

PRIMEIRA TURMA RECURSAL



RECURSO CÍVEL VIRTUAL Nº 0801700-55.2019.8.20.5150

RECORRENTE: DAMIÃO ALVES DIAS

ADVOGADOS: ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, ALENILTON FERREIRA DE ANDRADE, FERNANDA CLEONICE CAMINHA PINHEIRO e ADENILTON FERREIRA DE ANDRADE

RECORRIDO: BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A

ADVOGADA: FLAIDA BEATRIZ NUNES DE CARVALHO

RELATORA: JUÍZA SANDRA SIMÕES DE SOUZA DANTAS ELALI





EMENTA: CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CRÉDITO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECONHECIMENTO DA VALIDADE DA CONTRATAÇÃO. RECURSO INOMINADO. PREJUDICIAL DE MÉRITO SUSCITADA NAS CONTRARRAZÕES RECURSAIS. PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATANTE ANALFABETA, QUE PODE EXERCER A SUA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE POR QUAISQUER MEIOS ADMITIDOS EM DIREITO, NÃO SENDO NECESSÁRIA A UTILIZAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA OU DE PROCURAÇÃO PÚBLICA PARA A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONDIÇÃO QUE NÃO RETIRA DA PESSOA A CAPACIDADE CONTRATUAL, IMPONDO, CONTUDO, A OBSERVÂNCIA AOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. CONTRATO SEM ASSINATURA A ROGO E SEM ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. CONTRATO INVÁLIDO. DESCONTOS INDEVIDOS. HIPÓTESE DE ENGANO JUSTIFICÁVEL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONSUMIDOR QUE TEM DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NA FORMA SIMPLES, ACRESCIDO DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS LEGAIS. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. COMPENSAÇÃO DOS VALORES DEPOSITADOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso, rejeitar a arguição de prescrição, e dar provimento parcial ao recurso, nos termos do voto da relatora, parte integrante deste acórdão. Sem condenação em custas processuais e em honorários advocatícios em face do disposto no art. 55, caput, da Lei nº 9.099/95.



RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por DAMIÃO ALVES DIAS, já qualificado, contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais da ação que ajuizou em desfavor de BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A.

Ao julgar improcedentes os pedidos iniciais, o Juízo a quo referendou os documentos acostados aos autos, afirmando existir contrato assinado a rogo (ID 15565097), além de ter sido comprovada a transferência via TED, em favor da parte autora, aduzindo, ainda, que não é necessária a escritura pública para o analfabeto firmar negócio jurídico, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Em suas razões recursais, o recorrente, inicialmente, pleiteou a concessão da gratuidade judiciária.

Afirmou que o contrato, objeto destes autos, é nulo e que “o recorrente é analfabeto, sendo obrigatório que a sua assinatura seja acompanhada de instrumento público, o que não se verifica nos documentos anexos pelo(a) recorrido(a). Assim sendo, para a suposta contração seria necessário instrumento público, nos termos do art. 37 da Lei 6.015 de 1973, sob pena de total nulidade do negócio jurídico”.

Pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso, para que, reformando-se a sentença recorrida, sejam julgados procedentes os pedidos contidos na inicial.

Nas suas contrarrazões, o recorrido arguiu a prescrição, e, no mérito propriamente dito, alegou que “a parte autora se beneficiou diretamente dos recursos aprovados pelo Requerido, evidenciando, ainda mais, todo o seu interesse e vontade na formação do contrato sub examine”.

Narrou que os comprovantes anexados aos autos demonstram, "de modo inequívoco, não somente a plena utilização dos recursos pela parte autora, mas, principalmente, que o Requerido se desincumbiu integralmente de todas as suas obrigações estabelecidas no contrato”.

Ressaltou que “não merece prosperar a informação de que a parte autora desconhecia os valores da contratação. O contrato possui sua digital do polegar direito e as assinaturas das testemunhas. Ademais, apresenta todas as especificações do produto, como valor total, valor da parcela e número de parcelas. Assim o autor teve ciência de todas as cláusulas contratuais”.

Ao final, pugnou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.


VOTO


Inicialmente, o entendimento proposto é o de que há de ser deferido o pedido de gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98, §1º, inciso VIII, e 99, § 7º, todos do Código de Processo Civil.

A gratuidade da justiça é corolário do princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República. E o colendo Supremo Tribuna Federal já consolidou o entendimento de que, para a obtenção da justiça, é prescindível a declaração formal de hipossuficiência, tendo em vista que a simples alegação do interessado de que não dispõe de recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas processuais é suficiente para comprová-la.

Ademais, há de se observar que, para a concessão do benefício, não se exige o estado de penúria ou de miserabilidade, mas tão somente a pobreza na acepção jurídica do termo, a carência de recursos suficientes para suportar o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, não se admitindo que as custas processuais constituam óbice ao direito de ação, nem ao acesso ao Judiciário. E somente se admite o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça na hipótese prevista no art. 99, § 2º do Código de Processo Civil.

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso, a proposição é no sentido do seu conhecimento. Com efeito, evidencia-se o cabimento do recurso, a legitimação para recorrer, o interesse recursal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, bem como a tempestividade e a regularidade formal, tratando-se de recorrente beneficiário da gratuidade da justiça.

Pelo exame dos autos verifica-se que da sentença recorrida constou o seguinte:



[... ] Destaque-se que se encontra consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência.

Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demanda, pois o mérito será decidido em seu favor (parte a quem aproveite a decretação da nulidade), o que faço com fundamento no art. 282, §2º do CPC.

Quanto à situação fática não há divergência. A parte autora alega irregularidade na celebração do contrato em razão de ser analfabeta e, como consequência, requer a declaração de nulidade com a restituição em dobro dos valores descontados e condenação da demandada na obrigação de pagar danos morais.

Quanto às provas, está provado que a parte autora é analfabeta. Inclusive a procuração passada ao advogado foi assinada a rogo. No ID 69600470 foi juntado o contrato de empréstimo consignado com assinatura a rogo da parte autora. Por sua vez, no ID 69600475 foi juntado o comprovante de TED a qual aponta que o dinheiro foi transferido para a conta da parte autora. Não há controvérsia a respeito.

A única discussão diz respeito à validade do negócio jurídico e as consequências decorrentes.

Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado tem previsão na Lei n. 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores, a qual foi regulamentada pelo INSS por meio da Instrução Normativa n. 28, de 16 de maio de 2008 (publicada no DOU de 19/05/2008).

Quanto aos contratos de empréstimos consignados, este juízo fixou entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.

Essa interpretação inicial decorreu da antiga leitura do art. 37, §1º da Lei n. 6.015/73 que diz que as pessoas que não sabem ou não podem assinar devem fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo ser colhida a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo.

A partir do artigo acima e da leitura conjunta do art. 104, III c/c art. 166, IV, ambos do Código Civil, em razão do não atendimento do requisito de validade do negócio (forma prescrita ou não defesa em lei), este juízo declarava a nulidade do negócio jurídico.

Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.

Primeiro porque o art. 37, §º1 da Lei n. 6.015/73 está inserido no capítulo II (Da Escrituração e Ordem de Serviço) do Título II que trata do Registro de Pessoas Naturais. Como se sabe, a Lei n. 6.015/73 dispõe sobre os registros públicos. Ademais, o que o art. 37 determina é que, quando a parte não souber assinar, será coletada assinatura a rogo. No entanto, essa exigência é para os contratos de natureza pública, o que não é o caso do contrato de empréstimo consignado. Não subsiste razão para aplicação subsidiária do art. 37 da Lei n. 6.015/73 a esse tipo de contrato que possui normatização específica na Lei n. 10.820/2003 e na IN n. 28/2008. Senão vejamos.

Conforme se extra do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no...

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