Acórdão Nº 08017622320208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 16-12-2022

Data de Julgamento16 Dezembro 2022
Número do processo08017622320208205001
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801762-23.2020.8.20.5001
Polo ativo
ANAMELIA FERNDES VIEIRA DE OLIVEIRA
Advogado(s): RAQUEL PALHANO GONZAGA
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

2ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO Nº 0801762-23.2020.8.20.5001

JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE: ANAMELIA FERNDES VIEIRA DE OLIVEIRA

ADVOGADO: RAQUEL PALHANO

RECORRIDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZ RELATOR: KENNEDI DE OLIVEIRA BRAGA

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PRETENSÃO DE CONVERSÃO DE FÉRIAS NÃO USUFRUÍDAS EM PECÚNIA. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO ENTENDENDO QUE O TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO SERIA A DATA DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA APOSENTADORIA. CONCLUSÕES QUE AFRONTAM A JURISPRUDÊNCIA VINCULANTE DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE O TEMA, MORMENTE O ENTENDIMENTO LANÇADO NO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO STF, POR OCASIÃO DE JULGAMENTO DO ARE Nº 721.001-RJ, SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL E DO STJ (STJ, RESP 1.254.456/PE E STJ, MS 17.406/DF). O PRAZO PRESCRICIONAL EM TAIS CASOS SOMENTE COMEÇA A CORRER COM O REGISTRO DA APOSENTADORIA PELO TRIBUNAL DE CONTAS. ATO COMPLEXO QUE SE APERFEIÇOA COM O REGISTRO PELO RESPECTIVO TRIBUNAL DE CONTAS. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os juízes que integram a segunda turma recursal provisória dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Rio Grande do Norte, à unanimidade, em conhecer e dar provimento ao recurso, reformando-se a sentença para julgar procedentes os pleitos autorais. Fixo os honorários sucumbenciais em 10% sobre o valor da condenação.

Natal/RN, 8 de novembro de 2022.

KENNEDI DE OLIVEIRA BRAGA

Juiz Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Ação ajuizada em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte, buscando a autora lhe seja concedido o direito à conversão em pecúnia de 4 (quatro) períodos de férias não gozadas durante o tempo de labor.

A sentença julgou improcedente o pedido autoral, reconhecendo ter sido ele alcançado pela prescrição quinquenal, já que teria ela se aposentado em 2014 e ingressado com a ação em 2020.

A autora, não satisfeita, interpôs Recurso Inominado, sustentando, em suma, a necessidade de reforma da sentença, com fundamento no argumento de que o termo a quo da prescrição tem sua contagem iniciada tão somente com a perfectibilização do ato de aposentadoria no Tribunal de Contas, o que ainda não teria ocorrido.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, necessário o conhecimento do recurso inominado interposto.

Constato que assiste razão à recorrente, merecendo reforma a sentença vergastada.

Inicialmente, insta frisar que a Constituição Federal assegura o direito a férias e o acréscimo correspondente a 1/3 (um terço) da remuneração a todos os trabalhadores e estende-o, igualmente, aos servidores públicos, nos arts. 7º, XVII, e 39, §3º.

Desse modo, o servidor público, assim como os demais trabalhadores brasileiros, possuem o inquestionável direito ao gozo e percepção dos valores correspondentes aos trinta dias de férias anuais acrescidos de 1/3, a aposentadoria ou a exoneração de servidor que detém o direito a férias não gozadas c/c o adicional de 1/3, deve converter-se em valores indenizatórios àquele, sob pena de configurar-se o famigerado enriquecimento ilícito, por parte da Administração Pública.

Destaco, neste ponto, restar devidamente comprovados os requisitos autorizadores para a concessão das férias, vez que constam documentos suficientes a tal convencimento, notadamente o documento ID 6512708, que encarta declaração do próprio ente público recorrido acerca do não gozo das férias no período pleiteado.

Sobre o tema afeto à conversão das férias em pecúnia, inobstante não haja dispositivo legal que autorize ou proíba o pagamento de indenização nesses termos, é assente o entendimento pela procedência do pleito autoral, tanto neste como nos Tribunais Superiores, em decorrência do princípio que veda o enriquecimento sem causa, disciplinado nos arts. 884 a 886 do Código Civil, com plena aplicabilidade ao Direito Administrativo, de modo que, verificando situação caracterizadora de violência ao princípio em referência, cabe ao magistrado tomar as providências para que aquele que se locupletou indevidamente restitua o valor auferido.

Isto porque a ninguém é dado o direito de obter vantagem indevida. E, quando aquele que se locupleta ilicitamente é o Poder Público, a situação ganha contornos ainda mais gravosos, pois incumbe a este zelar pelos interesses e pelo bem estar dos administrados, aí incluídos os próprios servidores públicos.

Sobre a possibilidade de haver enriquecimento sem causa pela Administração Pública, no caso desta não proceder à indenização por férias não gozada a servidor aposentado, assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, conforme se vê, a seguir, por analogia:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. EXPRESSA. PERÍODO NÃO GOZADO EM FACE DA NECESSIDADE DE SERVIÇO. PREVISÃO LEGAL. REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Este Superior Tribunal, em diversos julgados, consolidou a orientação de que é cabível a conversão em pecúnia da licença-prêmio e/ou férias não gozadas, em razão do serviço público, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração.

2. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no RECURSO ESPECIAL n.º 1.360.642/RS. Órgão Julgador: 2ª Turma; Rel.: Min. Mauro Campbell Marques. data do julgamento: 16.05.2013) -grifos nossos.

Tendo ficado demonstrado que a recorrente, ao se aposentar, não havia gozado as licenças-prêmio a que fazia jus, consubstancia-se a vantagem indevida obtida pela Administração Pública, à medida em que esta se beneficiou do trabalho da servidora quando esta deveria estar usufruindo o direito que lhe é assegurado pela legislação.

Inclusive, impende destacar que a ausência de requerimento administrativo para o gozo das férias não obsta o direito do servidor de obter a indenização aqui requerida, conforme já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do excerto abaixo transcrito, por analogia:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. INTERPRETAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. CONVERSÃO EM PECÚNIA. REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. CARACTERIZAÇÃO.

1. A indigitada violação do artigo 884 do CC não é passível de ser conhecida, porquanto envolve interpretação de direito local (Lei Complementar Estadual n. 10.098/94), atraindo a incidência da Súmula 280/STF, segundo a qual por ofensa à direito local não cabe recurso extraordinário, entendido aqui em sentido amplo.

2. Este Superior Tribunal, em diversos julgados, consolidou a orientação de que é cabível a conversão em pecúnia da licença- prêmio e/ou férias não gozadas, independentemente de requerimento administrativo, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração. Precedentes.

3. Agravo regimental não provido.

(STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 434816/RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0384774-3, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 18/02/2014)

Nestes moldes, havendo férias vencidas e não gozadas, cabe ao servidor interessado ser indenizado em pecúnia.

É, portanto, a hipótese dos autos, na qual a recorrente, servidora pública aposentada deste Estado, entrou para a inatividade com 4 (quatro) férias vencidas e não gozadas.

Acerca da prescrição do direito pleiteado, importa destacar a sua inocorrência, tendo, neste ponto, a sentença ora reformada se equivocado de modo a ferir frontalmente o entendimento já consolidado no âmbito dos Tribunais Superiores e até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal.

Vê-se do decisum vergastado que o magistrado a quo entendeu pela prescrição do direito tomando por base que o termo a quo para o início da contagem do prazo prescricional seria a data da concessão da aposentadoria pela Administração Pública, ocorrida em 28/02/2014, pelo que, sob seu entendimento, restaria configurado o transcurso do prazo prescricional antes do ajuizamento da presente demanda, que se deu em 21/01/2020.

Ocorre que assiste razão o pleito recursal da autora, quanto traz à baila que este não é o cálculo devido.

Isto porque, inobstante o ato de concessão de sua aposentadoria tenha sido publicado no Diário Oficial em 28/02/2014, tal ato, que é um ato complexo por sua própria natureza, não se perfectibiliza por si só, dependendo de um ato complementar do Tribunal de Contas, de sorte que o prazo prescricional deve ter seu início deflagrado tão somente a partir do dia posterior ao qual o ato de aposentadoria ganhou eficácia com o registro de vontade da Corte de Contas.

Referido entendimento, em conformidade com o ARE Nº 721.001-RJ, sob a sistemática da repercussão geral, bem como o Tema 635 do STF, já é o adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. SERVIDORA PÚBLICA APOSENTADA DO MUNICÍPIO DE LUÍS GOMES/RN. INSURGÊNCIA CONTRA A SENTENÇA NA PARTE QUE DETERMINOU A CONVERSÃO EM PECÚNIA DA LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA E NEM UTILIZADA COMO TEMPO PARA APOSENTADORIA. TERMO INICIAL PARA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DO REGISTRO DO JULGAMENTO DO ATO DE APOSENTADORIA PELO...

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