Acórdão Nº 08018074220168205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 15-05-2019

Data de Julgamento15 Maio 2019
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08018074220168205106
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801807-42.2016.8.20.5106
APELANTE: CAMILA KALIANY PEREIRA BEZERRA
Advogado(s): FELIPE EDUARDO SOARES PAIVA
APELADO: YMPACTUS COMERCIAL S/A
Advogado(s):

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA DE VALORES VERTIDOS POR DIVULGADORA EM ESQUEMA DE PIRÂMIDE FINANCEIRA. CASO TELEXFREE. PRELIMINAR: NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA SUSCITADA PELA RECORRENTE. PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACESSO AO BACK OFFICE DA EMPRESA REQUERIDA, ONDE CONSTAM OS DADOS SOBRE DA RELAÇÃO JURÍDICA HAVIDA ENTRE AS PARTES. PLEITO NÃO ANALISADO PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ERROR IN PROCEDENDO. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. PRECEDENTES. ACOLHIMENTO. RETORNO DO PROCESSO AO JUÍZO DE ORIGEM.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, acolher a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, nos termos do voto do relator.

Apelação Cível interposta por CAMILA KALIANY PEREIRA BEZERRA em face de sentença proferida pelo Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN, que, nos autos da Liquidação de Sentença pelo Procedimento Comum nº 0801807-42.2016.8.20.5106, movida pela recorrente em desfavor da YMPACTUS COMERCIAL LTDA – ME (TELEXFREE), julgou improcedente a pretensão e a condenou a pagar custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, suspendendo a exigibilidade em razão da gratuidade judiciária.

Irresignada, a promovente persegue reforma da decisão. Em suas razões (Id 2804872), agita preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, ao argumento de que o magistrado ignorou por completo o pedido de exibição de documentos, proferindo julgamento antecipado da lide, logo após certificada a revelia da promovida.

Ressalta que toda comunicação e documentação da existência do vínculo entre a apelante e a apelada estavam presentes em um escritório virtual chamado “BACK OFFICE”, que era acessado por meio do site telexfree.com. Porém, nos autos da Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001 (TJ-AC), a 2ª Vara Cível da comarca de Rio Branco deferiu liminar pleiteada pelo Ministério Público do Acre e determinou a suspensão das atividades da demandada, circunstância que tornou impossível acessar o BACK OFFICE, e consequentemente IMPOSSÍVEL a produção de provas em desfavor da empresa.

No mérito, afirma que lhe é devido o importe de R$ 2.850,00 a que fazia jus no dia em que a empresa foi bloqueada, a ser atualizado nos termos da sentença proferida na Ação Civil Pública n. 0800224-44.2013.8.01.0001 (Tribunal de Justiça do Acre).

Por fim, requer o provimento do recurso com acolhimento da preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa com retorno dos autos ao Juízo de origem e reabertura da fase de instrução processual ou declaração de procedência dos pedidos inaugurais.

Devidamente intimada, a recorrida deixou transcorrer o prazo para oferta de contrarrazões.

Sem opinamento Ministerial.

Preliminar: nulidade da sentença por cerceamento de defesa

O feito versa acerca de liquidação e cumprimento individual da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001, por meio do qual a apelante busca a satisfação do montante de R$ 2.850,00 relativo ao prejuízo que aduz ter sofrido em virtude de relação contratual travada com a empresa ré.

A sentença de 16 de setembro de 2015, nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Acre, que tramitou na 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco/AC sob n.º 0800224-44.2013.8.01.0001, declarou a nulidade de todos os contratos firmados entre a Ympactus Comercial Ltda (Telexfree) e seus divulgadores, e o restabelecimento das partes contratantes (divulgadores) ao estado em que se achavam antes da contratação, tendo decidido também que os valores referentes aos prejuízos suportados pelos divulgadores deverão ser apurados em liquidação de sentença, nos termos do art. 509 do Código de Processo Civil, a ser proposta por cada interessado, no foro de seu domicílio.

No caso em análise, afirmando ter adquirido cotas de investimento da empresa ré, a promovente intentou liquidação de sentença, objetivando ser ressarcida dos valores investidos, acrescidos dos encargos legais, ante a condenação da recorrida na Ação Civil Pública, tendo instruído a petição inicial, como forma de comprovação do vínculo, apenas printscreens do escritório virtual da apelada (IDs: 4794150 e 479415), documentação considerada insuficiente pelo juiz, que proferiu julgamento antecipado da lide logo após a certificação de revelia da apelada.

Diante de tais circunstâncias, a recorrente pretende obter a nulidade da sentença com o reconhecimento de cerceamento ao argumento de que se faz necessária a exibição da documentação requerida na inicial.

No curso da Ação Civil Pública de nº 0800224-44.2013.8.01.0001, a 2ª Vara Cível da comarca de Rio Branco deferiu liminar pleiteada pelo Ministério Público do Acre e determinou a suspensão das atividades da apelada, oportunidade na qual a empresa ré bloqueou o acesso dos investidores a seu sítio eletrônico, em que constavam todas as informações referentes a valores investidos, quantias descontadas e demais transações envolvendo o montante a ser ressarcido.

Tal óbice está sendo enfrentando pelos que perseguem, em liquidação da sentença prolatada na ACP, a devolução dos valores investidos, eis que todas as informações a eles inerentes estão de posse da empresa, que possuía o domínio do site e detém todas as informações necessárias para a devida comprovação do vínculo e do dano.

A esse respeito, o Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco, nos autos da própria Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001, determinou que a Telexfree reabrisse seu endereço eletrônico (www.telexfree.com), para que todos os divulgadores tivessem acesso, nos seguintes termos:

Verifico não apenas nestes autos, mas também nas centenas de ações individuais de liquidação provisória de sentença e exibição de documentos já distribuídas a este juízo, que os divulgadores, interessados em liquidar a sentença antes do trânsito em julgado, estão tendo dificuldade para demonstrar a existência e o valor de seus créditos, haja vista que tais informações estariam disponibilizadas em seus respectivos back offices, atualmente de impossível acesso, já que tudo está indicando que a empresa ré retirou sua página da internet, pois quando consultei visualizei mensagem que o endereço www.telexfree.com.br não existe. O mesmo ocorre em consulta à página www.telexfree.com. Destarte, pautada no poder geral de cautela do julgador e como forma de viabilizar o acesso dos divulgadores às informações necessárias à liquidação de seus créditos, determino à empresa ré que, no prazo de dez dias, volte a disponibilizar o acesso dos divulgadores aos seus escritórios virtuais, apenas para consulta, mantendo-se vedada qualquer movimentação de valores ou novas inclusões na rede. Determino que os réus façam inserir em sua página virtual um “pop up” com a redação a seguir, em substituição à redação determinada nos autos da ação cautelar em apenso: “Por força de decisão judicial proferida em 11 de fevereiro de 2016, pela Juíza de Direito Thais Queiroz B. De Oliveira Abou Khalil, nos autos de Ação Civil Pública nº 0800224-44.2013.8.01.0001, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Acre, em trâmite na 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco-AC, fica permitido o acesso dos divulgadores aos seus escritórios virtuais apenas para fins de consulta, permanecendo proibidas novas adesões ou qualquer tipo de pagamento ou movimentação referente à rede Telexfree.” Imponho multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais) para o caso de descumprimento desta decisão. Intimem-se.

Embora publicada aos 12/02/2016, referida decisão ainda não foi cumprida, afirmação comprovada mediante simples pesquisa aos sítios www.telexfree.com.br e www.telexfree.com, fato que imputa aos divulgadores, impossibilidade de ter acesso aos extratos para utilizar como prova na ação judicial de devolução dos valores investidos.

Em outros termos, a liberação do acesso aos históricos e extratos é providência necessária para que os divulgadores possam comprovar, em liquidação de sentença, os dados exigidos, tais como valores investidos, valores recebidos e retidos, data de ingresso, quantidade de contas ativas, assim como a memória de cálculo adequada.

No direito processual civil brasileiro, a prova é o meio utilizado para demonstrar a veracidade dos fatos controvertidos, pertencendo ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos e ao réu, os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito daquele, nos termos do artigo 373 do CPC:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Noutro pórtico, em determinadas hipóteses, permite-se a modificação desse comportamento quando verificada forte dificuldade probatória relacionada a algumas das partes em detrimento da outra, afastando a rigidez da distribuição estática do ônus legal da prova, adotando critério mais flexível, atribuindo-o à parte que realmente esteja em condições de melhor esclarecer os fatos relevantes da causa (CPC/2015, art. 373, § 1º), especialmente quando incidem as normas da legislação consumerista (artigos , e 14 do Código de Defesa do Consumidor), sendo esta a hipótese dos autos.

Em brevíssima síntese, a apresentação da documentação necessária para o divulgador fazer prova do vínculo negocial e, por conseguinte, dos valores a serem devolvidos,...

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