Acórdão Nº 08018805420208205112 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 27-03-2023

Data de Julgamento27 Março 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08018805420208205112
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0801880-54.2020.8.20.5112
Polo ativo
RAIMUNDA VARELA FARIAS
Advogado(s): ALIATA PEREIRA PINTO JUNIOR
Polo passivo
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
Advogado(s): NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO

RECURSO CÍVEL INOMINADO N 0801880-54.2020.8.20.5112

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL DA COMARCA DE APODI

RECORRENTE: RAIMUNDA VARELA FARIAS

ADVOGADA: ALIATA PEREIRA PINTO JUNIOR

RECORRIDO: BANCO ITAÚ CONSIGNADO

ADVOGADO: NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO

RELATOR: JUIZ CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

EMENTA: DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS "IN RE IPSA"C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. VALIDADE DA CONTRATAÇÃO QUE DISPENSA INSTRUMENTO PÚBLICO. RECURSO INOMINADO. CONTRATO FIRMADO POR PESSOA ANALFABETA. PRESENÇA DE DIGITAL DA PARTE AUTORA, ASSINATURA A ROGO PELA FILHA DA PARTE AUTORA E SUBSCRITO POR DUAS TESTEMUNHAS. DOCUMENTOS NÃO IMPUGNADOS PELA RECORRENTE. VALIDADE DO CONTRATO FIRMADO POR PESSOA QUE NÃO SAIBA LER OU ESCREVER NÃO DEPENDE DE INSTRUMENTO PÚBLICO. LEGALIDADE DOS DESCONTOS. RECURSO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA EM SEUS FUNDAMENTOS E COM ACRÉSCIMOS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhes provimento, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos e com os acréscimos do relator. Condenação da parte recorrente em custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor do da causa, ficando suspensa a exigibilidade em face do disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.

Natal/RN, 13 de março de 2023.

CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

Juiz Relator

RECURSO CÍVEL INOMINADO N 0801880-54.2020.8.20.5112

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL DA COMARCA DE APODI

RECORRENTE: RAIMUNDA VARELA FARIAS

ADVOGADA: ALIATA PEREIRA PINTO JUNIOR

RECORRIDO: BANCO ITAÚ CONSIGNADO

ADVOGADO: NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO

RELATOR: JUIZ CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

RELATÓRIO

Sentença que se adota:

SENTENÇA

Dispenso o relatório por permissivo do art. 38, da Lei nº 9.099/95.

Destaque-se que se encontra consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência.

Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demanda, pois o mérito será decidido em seu favor (parte a quem aproveite a decretação da nulidade), o que faço com fundamento no art. 282, §2º do CPC.

Quanto à situação fática não há divergência. A parte autora alega irregularidade na celebração do contrato em razão de ser analfabeta e, como consequência, requer a declaração de nulidade com a restituição em dobro dos valores descontados e condenação da demandada na obrigação de pagar danos morais.

Quanto às provas, está provado que a parte autora é analfabeta. Inclusive a procuração passada ao advogado foi assinada a rogo. No(s) ID(s) 59473634 foi juntado(s) o(s) contrato(s) de empréstimo(s) consignado(s) com assinatura mediante aposição da digital e acompanhada de duas testemunhas. Por sua vez, no(s) ID(s) 59473630 foi juntado(s) o(s) comprovante(s) de TED a qual aponta que o dinheiro foi transferido para a conta da parte autora. Ademais, a parte autora afirma que recebeu os valores referentes ao contrato discutido nos autos. Não há controvérsia a respeito.

A única discussão diz respeito à validade do negócio jurídico e as consequências decorrentes.

Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado tem previsão na Lei n. 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores, a qual foi regulamentada pelo INSS por meio da Instrução Normativa n. 28, de 16 de maio de 2008 (publicada no DOU de 19/05/2008).

Quanto aos contratos de empréstimos consignados, este juízo fixou entendimento inicial no sentido de que para a validade do negócio jurídico se fazia necessário que a contratação fosse realizada mediante escritura pública ou através de procurador constituído.

Essa interpretação inicial decorreu da antiga leitura do art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 que diz que as pessoas que não sabem ou não podem assinar deve fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo ser colhida a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo.

A partir do artigo acima e da leitura conjunta do art. 104, III c/c art. 166, IV, ambos do Código Civil, em razão do não atendimento do requisito de validade do negócio (forma prescrita ou não defesa em lei), este juízo declarava a nulidade do negócio jurídico.

Por conta de tal entendimento, que era encampado pelas Turmas Recursais, este juizado passo a ser o mais demandado do estado do Rio Grande do Norte por uma enxurrada de ações temerárias. Tem-se notícia até de que alguns correspondentes escritórios de advocacia estariam recomendando que analfabetos celebrassem contratos de empréstimos para que depois consigam anulação e ainda ganhassem um “extra” por conta das indenizações. Uma pena o Poder Judiciário tenha sido utilizado indevidamente para ações como essa. Fato é que este juizado especial hoje possui a maior entrada processual do estado, tudo por conta desse tipo de ação.

Ocorre que atualmente, após refletir bastante sobre a matéria e em razão de atualizações legislativas (inclusive da Instrução Normativa n. 28 de 19/05/2008 que foi atualizada em 2019), estou convencido de que os fundamentos da interpretação anterior não subsistem mais.

Primeiro porque o art. 37, §1 da Lei n. 6.015/73 está inserido no capítulo II (Da Escrituração e Ordem de Serviço) do Título II que trata do Registro de Pessoas Naturais. Como se sabe, a Lei n. 6.015/73 dispõe sobre os registros públicos. Ademais, o que o art. 37 determina é que, quando a parte não souber assinar, será coletada assinatura a rogo. No entanto, essa exigência é para os contratos de natureza pública, o que não é o caso do contrato de empréstimo consignado. Não subsiste razão para aplicação subsidiária do art. 37 da Lei n. 6.015/73 a esse tipo de contrato que possui normatização específica na Lei n. 10.820/2003 e na IN n. 28/2008. Senão vejamos.

Conforme se extra do art. 3º, III da IN n. 28/2008, não há qualquer exigência no sentido de que a autorização para a consignação do empréstimo e a celebração do contrato por analfabeto se dê mediante escritura pública. Pelo contrário, a IN autoriza inclusive que a autorização se dê por meio eletrônico. Eis a redação do art. 3, III e 5º:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

...

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.

...

Art. 5º A instituição financeira, independentemente da modalidade de crédito adotada, somente encaminhará o arquivo para averbação de crédito após a devida assinatura do contrato por parte do beneficiário contratante, ainda que realizada por meio eletrônico.

Sendo assim, não há amparo legal para este juízo declarar a nulidade de contrato de empréstimo consignado com base exclusivamente no fato de não ter sido firmado mediante “escritura pública”.

Como se sabe, o contrato de empréstimo consignado nada mais é do que uma modalidade de contrato de empréstimo intitulado pela legislação civil de mútuo oneroso, pois existe reciprocidade de ônus e de vantagens para as partes contraentes, em razão das obrigações assumidas que mutuamente. A matéria é tratada nos artigos 586 a 592 do Código Civil.

Nas lições da doutrina de Álvaro Villaça Azevedo, verbis:

O contrato de mútuo, como o de comodato, é real, só se perfaz com a entrega da coisa mutuada; ele é informal, não solene, e deve provar-se por escrito, para atender ao disposto no art. 227 do CC. (Azevedo, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e atípicos. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.)

O art. 227 mencionado pelo doutrinador a qual exigia a forma escrita dizia respeito aos contratos que ultrapassem 10 vezes salário-mínimo vigente no País os quais não poderiam ser provados apenas por prova testemunhal, o que demandaria a forma escrita. No entanto, o artigo foi revogado pela Lei n º 13.105/2015. Dessa forma, mesmo os contratos com valor superior a 10 vezes o maior salário-mínimo vigente no País não mais exige forma escrita. No entanto, a forma escrita do contrato de empréstimo consignado decorre da Lei n. 10.820/2003 que regulamenta o empréstimo consignado e exige que a instituição consignatária remeta os documentos do empréstimo consignado para a pessoa jurídica responsável pelo pagamento promova a averbação da consignação em folha. No entanto, a exigência é que a forma seja escrita, mas não solene.

Aliás, esse entendimento a respeito da prova do contrato mediante apenas instrumento particular é antiga no direito comparado. Como exemplo, é a redação do Artigo único do Decreto-Lei n.º 32.765/1943 de Portugal, verbis:

Os contratos de mútuo ou usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, PODEM PROVAR-SE POR ESCRITO PARTICULAR, ainda mesmo que a...

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