Acórdão Nº 08019224820208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 11-10-2023

Data de Julgamento11 Outubro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08019224820208205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801922-48.2020.8.20.5001
Polo ativo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO
Polo passivo
SERGIO HENRIQUE CABRAL GALVAO
Advogado(s): EDUARDO JENNER CABRAL XAVIER

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM REPARAÇÃO DE DANOS. PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO. APELAÇÃO CÍVEL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. RESISTÊNCIA À PRETENSÃO AUTORAL. REJEIÇÃO. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CONTRATAÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 5.000,00). MANUTENÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em desprover o recurso, nos termos do voto do relator.

Apelação cível interposta pelo Banco Bradesco S/A, em face de sentença que julgou procedente a pretensão para declarar indevida a inscrição do nome do autor no SERASA; determinar que a parte ré se abstenha de inserir novamente o nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito com relação aos débitos discutidos no feito; condenar a parte ré a pagar R$ 5.000,00 a título de indenização por danos morais, custas e honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação.

Alega falta de interesse de agir, pois “não restou comprovada ou ao menos demonstrada pela parte ora recorrida que a pretensão deduzida foi resistida pelo réu, sendo esta condição essencial para formação da lide”. Destaca que “o débito que gerou a negativação do nome da parte autora nos órgãos de proteção ao crédito foi referente a dívida de cartão de crédito”. Pondera que agiu no exercício regular de um direito, a afastar o alegado ilícito. Impugna o quantum indenizatório. Pugna, ao final, pelo o provimento do apelo.

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso.

O Código de Defesa do Consumidor aplica-se às relações de consumo envolvendo instituições financeiras, conforme entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores: no Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 297; no Supremo Tribunal Federal, pelo julgamento da ADI n° 2591/DF (“ADI dos Bancos”).

Sendo assim, há plena possibilidade de revisão judicial das cláusulas contratuais consideradas abusivas previstas em contratos bancários, incompatíveis com a boa-fé ou equidade, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V e art. 51, IV do CDC). E isso não importa em afronta aos princípios da autonomia da vontade e muito menos da pacta sunt servanda, pois a correção de possíveis abusividades visam ao equilíbrio da relação contratual.

Sobre a alegação da instituição financeira acerca da ausência de interesse de agir, a própria parte demandada negou a possibilidade de acolhimento da pretensão autoral, na medida em que os fatos e fundamentos da pretensão de direito material soerguida na inicial encontraram resistência na peça defensiva, pela negativa dos pedidos autorais. Esse fato processual é suficiente para atestar a existência de interesse de agir na propositura da ação em defesa do direito material da parte autora.

A parte autora alegou que foi surpreendida com a informação de anotação restritiva em seu nome perante os cadastros de restrição crédito, pelas quantias de R$ 6.431,82 com data de inscrição em 21/02/2017 e R$ 42.036,29 com data de inscrição em 03/11/2016, pela suposta condição de avalista (pendência bancária – REFIN) junto ao banco réu. Pediu exclusão do seu nome do SERASA e condenação da parte ré a pagar indenização por danos morais.

Apesar de a instituição financeira anexar cópias de telas de sistema e de proposta de abertura de conta corrente (pág. 120-141), estes documentos não possuem relação com a lide e não são suficientes para comprovar a relação jurídica supostamente existente entre os litigantes. Nas razões recursais, o Banco Bradesco S/A alega que a dívida é decorrente de faturas de cartão de crédito, mas se limita a juntar os mesmos documentos apresentados com a contestação.

A fraude perpetrada por terceiro não constitui causa excludente de responsabilidade, sendo caso fortuito interno, de modo que a instituição financeira deve arcar com os prejuízos decorrentes da exploração de seu ramo de negócio. Sobre o tema, é o posicionamento do professor Sérgio Cavalieri Filho:

O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas consequências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.

Ao oferecer seus serviços no mercado, a demandada não pode transferir para o consumidor os riscos inerentes à atividade econômica que desenvolve. Diante de contrato sem a ciência ou anuência da parte autora, incontroversa a necessidade de a parte requerida reparar os possíveis prejuízos suportados pela parte consumidora. Isso porque é dever do fornecedor zelar pela segurança das contratações, devendo se certificar da veracidade das informações a ele apresentadas, de modo a não prejudicar terceiros.

Sob a ótica da responsabilidade objetiva, cabe à parte ré responder, independentemente de culpa, pelos danos causados à parte autora. Basta à parte lesada comprovar o defeito no produto ou serviço e o nexo de causalidade entre a atividade da empresa e o dano produzido, para surgir à obrigação de indenizar.

O dano moral indenizável é aquele que pressupõe dor física ou moral e se configura sempre que alguém aflige outrem injustamente, em seu íntimo, causando-lhe dor, constrangimento, incômodo, tristeza, angústia. Alcança valores essencialmente ideais, embora simultaneamente possam estar acompanhados de danos materiais.

Demonstrado o prejuízo extrapatrimonial em face do ato praticado pela parte ré. A constatação de que houve inscrição indevida do nome da parte autora dos cadastros de restrição ao crédito traduz a necessidade de o banco recorrido indenizar a parte lesada.

O valor fixado a título de indenização tem o escopo de compensar a vítima pelo dano sofrido, bem como punir e educar o causador do dano, para que novas condutas lesivas sejam evitadas. O montante determinado deve ser razoável e proporcional ao prejuízo sofrido pela vítima e à conduta do recorrente, bem como deve ser levada em consideração a situação econômica de cada uma das partes, de modo a compensar os danos extrapatrimoniais sem gerar o enriquecimento ilícito ou injustificado.

Diante das circunstâncias presentes no caderno processual, observo que o valor fixado a título de condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais (R$ 5.000,00) é proporcional e razoável quanto à situação descrita, bem como está em consonância com os valores fixados por este Colegiado em casos assemelhados, a exemplo dos seguintes precedentes: AC nº 0100019-87.2018.8.20.0151, Des. Ibanez Monteiro, assinado em 06/03/2023; AC nº 0800022-67.2020.8.20.5118, Des. Virgílio Macêdo, assinado em 27/01/2023.

Ante o exposto, voto por desprover os recursos e majorar os honorários advocatícios em 2% (CPC, art. 85, § 11).

Consideram-se prequestionados todos os dispositivos apontados pelas partes em suas respectivas razões. Será manifestamente protelatória eventual oposição de embargos de declaração com o propósito exclusivo de rediscutir a decisão da Câmara (art. 1.026, § 2º do CPC).

Data do registro do sistema.

Des. Ibanez Monteiro

Relator



Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras."
"EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. (...)" (Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU. Julgamento: 07/06/2006. Publicação: DJ 29/09/06)
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

[...]

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Natal/RN, 9 de Outubro de 2023.

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