Acórdão Nº 08020299420198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 30-10-2019

Data de Julgamento30 Outubro 2019
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08020299420198200000
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0802029-94.2019.8.20.0000
Polo ativo
BANCO DO BRASIL SA
Advogado(s): SERVIO TULIO DE BARCELOS
Polo passivo
ANTÔNIA ALVES DE SOUZA BEZERRA
Advogado(s): THIAGO JOFRE DANTAS DE FARIA

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PARA DETERMINAR A SUSPENSÃO DOS DÉBITOS NOS PROVENTOS DA AGRAVADA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE A DÍVIDA É LÍCITA E AUTORIZADA PELA AUTORA. DESCONTOS SOBRE VERBA DE EVIDENTE CARÁTER ALIMENTAR. CONFIGURADOS PRESSUPOSTOS DA TUTELA DE URGÊNCIA, NOS TERMOS DO ART. 300 DO CPC. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo Banco do Brasil S.A. em face de decisão exarada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de São Paulo do Potengi que, nos autos da Ação de nº 0800063-26.2019.8.20.5132, contra si movida por Antônia Alves de Souza Bezerra, deferiu a medida liminar ali pleiteada nos seguintes termos:

“Diante do exposto, DEFIRO o pedido liminar, determinando que o réu proceda, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a suspensão da cobrança da parcela no valor de R$ 20,57 (vinte reais e cinquenta e sete centavos), sob pena de multa diária de R$ 300,00 (trezentos reais). Em atenção aos arts. 98 e 99 do CPC e art. 5° da Lei n°1.060/50, DEFIRO a gratuidade judiciária requerida nos autos. Designe-se audiência de conciliação a ser aprazada em data oportuna pela Secretaria Judiciaria. Cite-se o réu, com antecedência mínima de vinte dias da data designada, bem como intime a parte autora.”

Irresignado com o decisum supra, o banco Réu dela agravou, aduzindo, em síntese, que: a) “a parte autora não demonstrou, de forma ou modo algum, os requisitos para a concessão da medida cautelar que buscou e que lhe fora, ao assombro da lei, concedida”; b) não praticou qualquer irregularidade, visto que “AS FORMAS E CONDIÇÕES FORAM ACORDADAS NO MOMENTO DA CONTRATAÇÃO” do empréstimo questionado, sendo sua conduta pautada no exercício regular de um direito reconhecido; c) a liminar deferida viola os arts. 313 e 314 do CC; d) “a multa fixada e o prazo para cumprimento não são compatíveis com a obrigação instituída, estando o prazo breve e a multa totalmente elevada e desproporcional a determinação imposta”.

Ao final, requereu a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, determinando a cassação da liminar. Caso não seja esse o entendimento, pugnou que “seja revista a multa diária aplicada, sendo seu excessivo valor revogado ou reduzido, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa, bem como mudar o foco principal da demanda.”

Juntou documentos.

Pedido de efeito suspensivo indeferido por este Relator (ID 3182578).

Regularmente intimada, a Agravada não apresentou contrarrazões (ID 3572309).

Instado a se pronunciar, o Ministério Público, por sua a 9ª Procuradoria de Justiça, não emitiu parecer de mérito (3613420).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Cinge-se o mérito em aferir o acerto da decisão interlocutória que deferiu o pedido de tutela antecipada pleiteado pela Autora, no sentido de suspender os descontos supostamente indevidos em sua conta, haja vista serem desconhecidos e, portanto, não autorizados.

Nos termos do art. 300 do Código Processual Civil (CPC), vê-se plenamente possível o deferimento da tutela de urgência requerida pelo Recorrido, uma vez presente a probabilidade do direito, assim como a existência do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, pelas razões que abaixo se expõe.

Em sua irresignação recursal, defende o banco Agravante que “a parte autora não demonstrou, de forma ou modo algum, os requisitos para a concessão da medida cautelar que buscou e que lhe fora, ao assombro da lei, concedida”, sobretudo ao considerar os termos da Resolução nº 4.549/2017 do BACEN, cujo teor prevê o parcelamento automático de fatura.

Ainda, afirmar a instituição financeira Ré, verbis (3122315, pág. 04):

“A fatura do cartão OUROCARD VISA INTERNATIONAL com vencimento em 20/07/2018 foi paga somente em 08/08/2018 (valor pago: R$ 152,61), dezenove dias após o vencimento, quando a fatura seguinte (com vencimento em 20/08/2018) já estava fechada, motivo pelo qual o crédito do pagamento foi lançado na fatura com vencimento em 20/09/2018. Como não houve parcelamento contratado pela cliente até o quinto dia útil após o vencimento (contado a partir de 20/07/2018), o sistema realizou o parcelamento automático, cuja primeira parcela foi lançada na fatura com vencimento em 20/09/2018.”

Com efeito, tal tese não se apresenta suficiente para refutar as alegações autorais, principalmente em razão da inexistência de autorização expressa da Demandante de parcelamento da fatura supostamente não paga.

Ainda, a instituição financeira Ré aduz a legalidade do negócio jurídico firmado, argumento que a Autora adquiriu os seus serviços, tendo pleno conhecimento de todas as cláusulas e condições contratuais.

In casu, em que pese o argumento de inexistir nos autos provas capazes de supedanear o aduzido pela Requerente, atinente ao desconhecimento dos motivos ensejadores das deduções (que acarreta, em consequência, a própria ausência da relação negocial), tem-se que tal prova é inexigível, sendo pacífico na jurisprudência o entendimento de que, em se tratando de afirmação de inexistência de débito, não se pode exigir que a parte traga aos autos prova de seu direito.

Com efeito, a supradita prova tem sido denominada pela doutrina e jurisprudência como diabólica, podendo ser assim definida como aquela excessivamente difícil ou impossível de ser exigida.

Por oportuno, cumpre registrar que a argumentação ora tecida não difere do que vem sendo decidido pelos Tribunais Pátrios, inclusive por esta Corte de Justiça, conforme julgados colacionados:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS BANCÁRIOS. SUSPENSÃO DOS DESCONTOS EM CONTA CORRENTE. Com a presença dos requisitos previstos nos artigos 294 e 300 do Novo Código de Processo Civil, resta deferir a suspensão dos descontos em conta corrente. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.” (TJRS - AI: 70076757830, Relator: Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos, Data de Julgamento: 29.08.18, 11ª Câmara Cível).

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU AO AGRAVANTE ABSTER-SE DE REALIZAR OS DESCONTOS MENSAIS REFERENTES AO EMPRÉSTIMO QUE A AGRAVADA ALEGA NÃO TER CELEBRADO. POSSIBILIDADE DE FRAUDE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA QUE SE IMPÕE. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Havendo fundado receio de que o contrato de empréstimo celebrado entre as partes seja decorrente de fraude, não há como manter os descontos mensais na conta corrente da parte recorrida. 2. Afigura-se ausente o periculum in mora inverso da medida judicial deferida em favor da agravada, considerando a capacidade financeira da instituição bancária e a possibilidade de efetuar, posteriormente, em caso de eventual improcedência da ação, a cobrança de todos os valores devidos pela parte recorrida, pelos meios admitidos em direito. [...] 4. Agravo conhecido e desprovido.” (TJRN - AI: 2016.006057-9, Relator: Des. Virgílio Macêdo Jr, Data de Julgamento: 18.04.17, 2ª Câmara Cível).

Ademais, uma vez que se trata de desconto sobre os proventos recebidos a título de aposentadoria, verba de evidente caráter alimentar, a sua manutenção poderá prejudicar a própria subsistência da Agravada, de modo que impera permanecer suspenso.

De igual modo, não há que se falar em irreversibilidade da tutela concedida, dado que o provimento antecipado não tem caráter inconversível, na medida em que, acaso o banco obtenha sucesso ao final da demanda, este poderá retomar normalmente os descontos que lhe serão devidos.

Ademais, não é despiciendo esclarecer que, com esta decisão, não se está declarando a nulidade do negócio jurídico, o que somente poderá ser determinado com o aprofundamento da instrução processual, quando serão esclarecidas as circunstâncias em que os empréstimos foram contraídos.

Por fim, entendo que não merece prosperar o pleito de redução da astreinte arbitrada na decisão vergastada, estipulada em R$300,00 (trezentos reais) por dia de descumprimento.

Isto porque, na condição de instrumento processual apto a coibir eventual desacato ao comando judicial, o valor da multa visa garantir o cumprimento da decisão proferida, não podendo ser excessiva, sob pena de propiciar eventual enriquecimento ilícito, tampouco insuficiente, ocasião em que se tornaria inócua ao fim a que se presta.

De fato, acerca da matéria similar, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que a multa decorrente de desatendimento à proibição judicial de inscrição do nome do devedor em órgão de proteção ao crédito, enquanto pendente discussão acerca do real valor da dívida, quando exorbitante ou insuficiente pode, conforme o caso, ser reduzida ou aumentada, garantindo-se, outrossim, prazo razoável ao cumprimento do comando, o qual também se amolda à hipótese em apreciação.

Na hipótese dos autos, tratando-se de decisão interlocutória que deferiu a antecipação da tutela para que o Agravante se abstenha de proceder com descontos na conta corrente da Autora, e considerando a capacidade econômica do banco Réu, tem-se que a astreinte se encontra em consonância com os parâmetros da Razoabilidade e Proporcionalidade, de modo que sua manutenção é medida que se impõe.

Registre-se, por oportuno, que a multa há de ser...

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