Acórdão Nº 08021283820208205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 11-08-2021

Data de Julgamento11 Agosto 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08021283820208205106
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0802128-38.2020.8.20.5106
Polo ativo
MANOEL ANTONIO PINHEIRO ALVES e outros
Advogado(s):
Polo passivo
BANCO DO BRASIL SA e outros
Advogado(s): SERVIO TULIO DE BARCELOS, JOSE ARNALDO JANSSEN NOGUEIRA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. PREJUDICIAL DE NULIDADE PROCESSUAL, SUSCITADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. INTERESSE DE INCAPAZ. INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA. NULIDADE DO FEITO A PARTIR DO MOMENTO EM QUE SE TORNOU OBRIGATÓRIA A PARTICIPAÇÃO DO PARQUET NA DEMANDA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 178, II E 279, DO CPC. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO COM A NECESSÁRIA INTERVENÇÃO MINISTERIAL. APELO PREJUDICADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em acolher a prejudicialidade de nulidade processual, suscitada por Dr. Fernando Batista de Vasconcelos, 12º Procurador de Justiça, anulando todos os atos decisórios praticados no processo desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado para intervir nos autos e determinando que o feito retorne à origem para que sejam retomadas as fases processuais, agora com a participação do Ministério Público, restando prejudicada a apelação manejada pela parte autora, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por MANOEL ANTÔNIO PINHEIRO ALVES, incapaz, representado neste ato por sua curadora MARIA GEONIDES DO CARMO contra a sentença proferida pela Juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de Mossoró que, nos autos da ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos extrapatrimoniais, julgou improcedentes os pleitos autorais.

Alegou, em suma, que faz jus a uma compensação moral em razão de conduta discriminatória na contratação de seguro.

Requereu, ao final: a) Conheça do presente Recurso de Apelação, para no mérito dar-lhe provimento, de modo a reformar a sentença e julgar totalmente procedente a demanda, nos termos requeridos na petição inicial, buscando: “a.1) A condenação do apelado em obrigação de fazer, com a determinação de que providencie a realização e envio de simulações (vários cenários possíveis de cobertura) na forma de oferta de produtos de Seguros de Vida, com todas as discriminações de valores e condições, para que o Autor possa aderir àquele que lhe seja oportuno ou adequado às suas finanças; a.2) A condenação do apelado em indenização por Danos Extrapatrimoniais, por todos os transtornos suportados pelo demandante, preteritamente delineados, compelindo o requerido ao pagamento de indenização de cunho punitiva e pedagógica no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)”. b) Confirme a Gratuidade Judiciária em favor do Apelante; c) Condene o apelado ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor atualizado da causa, conforme disposto no art. 85, CPC, bem como a condenação às custas processuais. d) O acatamento da juntada de substabelecimento, documento em anexo”.

Contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça opinou pela nulidade da sentença de primeiro grau, e, bem assim, todos os atos praticados a partir do momento em que se tornou obrigatória a participação do Ministério Público no feito, devendo ser determinada o retorno ao juízo originário para os devidos fins, restando prejudicada a análise do mérito recursal. Caso alcançada a análise do mérito, opina pelo conhecimento e provimento parcial da apelação cível, para determinar ao apelado que proceda o encaminhamento ao apelante de carta proposta com as modalidades de seguro de que dispõe e que, após análise de proposta por ele eventualmente apresentada e não aceita, seja informado os motivos da recusa, de modo a se assegurar a completa e clara informação dos motivos pelo qual não é apto à contratação do seguro de vida junto ao Banco apelado”.

Apesar de intimadas as partes para falar sobre a nulidade suscitada pela Procuradoria de Justiça, não houve resposta, conforme certidão.

É o relatório.

VOTO

Compulsando os autos, observo que a alegação de nulidade suscitada pela Procuradoria de Justiça deve prosperar.

Com efeito, apesar da lide envolver interesse de pessoa incapaz, não houve no primeiro grau de jurisdição a necessária intervenção do Ministério Publico, nos termos do art. 178, II, do Código de Processo Civi[1]l.

Além da ausência de intervenção do Ministério Público, houve efetivamente prejuízo ao incapaz, autor da ação, como bem fundamentou a Procuradoria de Justiça:

É de se registrar que o Superior Tribunal de Justiça entende que, embora obrigatória a intervenção do Ministério Público nas ações em que haja interesses de incapazes, o reconhecimento da nulidade do ato por ausência de intimação do Parquet exige a demonstração de prejuízos aos incapazes.

No caso em exame, é nítido o prejuízo para o incapaz, ora apelante, visto que o processo lhe foi julgado desfavoravelmente, sem que o Ministério Público fosse intimado para intervir no processo, momento em que poderia requerer a produção de provas, recorrer, enfim, cumprir o seu mister legal e constitucional, podendo tal intervenção ter dado outro rumo ao feito.

Além disso, a necessidade de intervenção do Ministério Público na primeira instância resta claramente evidenciada diante de que a própria parte apelante trouxe à colação documentação comprobatória da instauração de procedimentos extrajudiciais perante a Promotoria de Justiça do Ministério Público Estadual, bem como perante a Procuradoria da República (MPF), na forma do que consta dos documentos de ID´s 9741159 / 9741160, instaurado para investigar os fatos aqui trazidos, na ótica de possível descriminação contra pessoa com deficiência.

Dessa maneira, resta nitidamente demonstrado o prejuízo, o que enseja a nulidade processual supracitada por, pelo menos, três motivos: 1) A ação foi julgada desfavorável a parte incapaz; 2) o Ministério Público não foi intimado para intervir no feito, não tendo assim oportunidade de ter vista dos autos depois das partes, nem de produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes ou recorrer, na forma do artigo 179, I e II, do Código de Processo Civil; 3) existe procedimento instaurado no âmbito do Ministério Público, com base nos fatos objeto desta ação, para apurar a ocorrência de eventual discriminação contra pessoas com deficiência por parte da instituição financeira apelada.”

Desse modo, ausente a intervenção do Ministério Público, aliada à demonstração de prejuízo ao incapaz, encontra-se evidenciada a nulidade dos atos processuais praticados após o momento que a intervenção deveria ter sido viabilizada, consoante especifica o artigo 279 do Código de Processo Civil:

“Art. 279. É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.

§ 1º Se o processo tiver tramitado sem conhecimento do membro do Ministério Público, o juiz invalidará os atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado.

§ 2º A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo.”

Nesse sentido:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA AJUIZADA POR AUTOR/INTERDITADO REPRESENTADO POR SUA CURADORA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A LIDE. PREJUDICIAL DE NULIDADE DO JULGAMENTO A QUO SUSCITADA PELO RECORRENTE. DEMANDA QUE ENVOLVE INTERESSE DE INCAPAZ. INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE DO FEITO A PARTIR DO MOMENTO EM QUE SE TORNOU OBRIGATÓRIA A PARTICIPAÇÃO DO PARQUET NA AÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 82, INCISO I (ATUAL ARTIGO 178, INCISO II DO NCPC/2015), 83 C/C 84 E 246, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 (EM VIGOR À ÉPOCA DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA). NULIDADE TAMBÉM ARGUIDA QUANDO DA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SEGUNDA INSTÂNCIA EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO AUTOR/INCAPAZ DIANTE DA IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. ACOLHIMENTO DA PREJUDICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE.” (TJ-RN - AC: 20150209934 RN, Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho, Data de Julgamento:06/03/2018, 3ª Câmara Cível) – [Grifei]

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE SEGURO DPVAT. INTERESSE DE INCAPAZ. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXEGESE DO ART. 178, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO PARQUET. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PREJUÍZO CONSTATADO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTE. - A ausência de intimação do Ministério Público para intervir no feito em que há interesse de incapaz, consoante regra do art. 178, II, do CPC, gera a nulidade do processo a partir do momento em que o Órgão Ministerial deveria ter sido intimado. (TJ/RN – Apelação Cível nº 2016.017703-2 – Relator: Des. João Rebouças, Julgado em 21/03/2017, 3ª Câmara Cível) – [Grifei]

Ante o exposto, acolho a prejudicial de nulidade processual, suscitada por Dr. Fernando Batista de Vasconcelos, 12º Procurador de Justiça, e anulo todos os atos decisórios praticados no processo desde o momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado para intervir nos autos e determino que o feito retorne ao juízo de origem para que sejam retomadas as fases processuais, agora com a participação do Ministério Público, restando prejudicada a apelação manejada pela parte autora.

É como voto.



[1]Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: (...) II - interesse de incapaz;”

Natal/RN, 10 de Agosto de 2021.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT