Acórdão Nº 08022732120208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 09-02-2021

Data de Julgamento09 Fevereiro 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08022732120208205001
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0802273-21.2020.8.20.5001
Polo ativo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):
Polo passivo
MANOEL PEREIRA CAMARA
Advogado(s): JAIME DE PAIVA FILHO



PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gabinete do Juiz Mádson Ottoni de Almeida Rodrigues


RECURSO CÍVEL VIRTUAL nº 0802273-21.2020.8.20.5001
PARTE RECORRENTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PROCURADOR(A):LUIS MARCELO CAVALCANTI DE SOUSA
PARTE RECORRIDA:MANOEL PEREIRA CAMARA
ADVOGADO(A):JAIME DE PAIVA FILHO
JUIZ RELATOR: MÁDSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES


EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADO. PLEITO DE CONVERSÃO DE FÉRIAS NÃO GOZADAS EM PECÚNIA. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. DIREITO À CONVERSÃO SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA A CONTAR DA CITAÇÃO VÁLIDA. INTELIGÊNCIA DO ART. 405 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE TERMO CERTO DA OBRIGAÇÃO. CONCESSÃO DE FÉRIAS QUE PASSA PELO CRIVO DA CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Comprovado o não usufruto de férias pelo servidor, é dever da administração pública cumprir a obrigação de efetuar os respectivos pagamentos em forma de conversão em pecúnia, sob pena de enriquecimento ilícito, sendo desnecessário prévio requerimento administrativo do interessado, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

A situação em apreço não comporta a aplicação do art. 397 do Código Civil, visto que não se trata de obrigação positiva e líquida com termo certo, já que, apesar de ser direito constitucional do servidor o gozo anual de férias, a sua concessão passa pelo crivo da conveniência e oportunidade da administração quanto à fixação da data para usufruto. Com isso, incide na espécie a previsão do art. 405 do Código Civil, computados os juros de mora a contar de citação.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso inominado acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.

A parte recorrente ficará isenta das custas do processo, mas pagará honorários advocatícios de sucumbência, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação atualizado, sopesados os critérios previstos no § 2º do art. 85 do CPC.

Natal/RN, data conforme registro do sistema.


MÁDSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES

Juiz Relator


RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Inominado interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em face de MANOEL PEREIRA CAMARA, ambas as partes qualificadas.

Segue sentença cujo relatório se adota, verbis (ID nº 7435762):

Dispensado o relatório na forma do art. 38 da Lei nº 9.099/95, aplicado por força do art. 27 da Lei nº 12.153/2009.

Trata-se de demanda ajuizada pela parte autora em face do Estado do Rio Grande do Norte, objetivando a conversão de 13 (treze) férias em pecúnia.

Pediu, ainda, o deferimento de justiça gratuita.

Devidamente citado, o réu suscitou que não houve o pedido administrativo, que não há provas que o autor deixou de gozar as férias em prol do interesse público, que os princípios constitucionais orçamentários devem ser observados.

Não restando a matéria versada nestes autos incluída no rol das hipóteses de intervenção ministerial (Portaria nº 002/2015-2JEFP, de 05/11/2015; Pedido de Providências nº 146/2015, da CGMP-RN; e Recomendação Conjunta nº 002/2015-MPRN, publicada no DOE/RN em 30/10/2015), vieram os autos conclusos.

Por versar sobre matéria unicamente de direito, sendo desnecessária a produção de prova em audiência, passo ao julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

Passo a decidir.

Avaliando o mérito, constato que o cerne desta ação consiste em saber se a parte autora faz jus ao percebimento de indenização relativa ao pagamento das férias por ela não gozadas.

De acordo com o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Estaduais, regido pela Lei Complementar n° 122, de 30 de junho de 1994, analisando as provas colacionadas, entendo que a parte autora tem direito ao recebimento de 03 (três) períodos de férias, referente aos anos de 2017, 2018 e o proporcional de 2019, ano de sua aposentadoria.

Necessário ressaltar que a declaração anexada sob o ID 52683054, emitida Coordenadoria de Recursos Humanos, é clara no sentido de apenas 03 períodos não gozados. Por outro lado, a documento de ID 52683055, emitido pelo Município de Olho D’Água dos Borges, apenas menciona que não foram encontrados registros do usufruto de férias dos períodos de 1988 a 1991 e de 1995 a 2000, o que não significa que não foram gozados.

Assim, entendo que o ônus probante apenas foi cumprido com relação aos anos de 2017, 2018 e 2019, sendo este último proporcional a 5/12 avos.

Apesar de não haver dispositivo legal que autorize ou proíba o pagamento de indenização por férias não gozadas, entendo como procedente o pleito autoral, em decorrência do princípio que veda o enriquecimento sem causa, disciplinado nos arts. 884 a 886 do Código Civil, ou seja, aquele obtido sem justa causa. Verificando a situação caracterizadora do princípio em referência, cabe ao magistrado tomar as providências para que aquele que se locupletou indevidamente restitua o valor auferido.

Impende registrar que, embora regulado pelo Código Civil, o princípio que proíbe o enriquecimento sem causa tem aplicação no âmbito do Direito Administrativo. Com efeito, a ninguém é dado o direito de obter vantagem indevida. Quando aquele que se locupleta ilicitamente é o Poder Público, a situação ganha contornos ainda mais gravosos, pois incumbe a este zelar pelos interesses e bem-estar dos administrados, aí incluindo os próprios servidores públicos.

Sobre a possibilidade de haver enriquecimento sem causa pela Administração Pública, no caso desta não proceder à indenização por férias não gozadas a servidor aposentado, já se manifestaram o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, conforme se vê, respectivamente, a seguir:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. EXPRESSA. PERÍODO NÃO GOZADO EM FACE DA NECESSIDADE DE SERVIÇO. PREVISÃO LEGAL. REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Este Superior Tribunal, em diversos julgados, consolidou a orientação de que é cabível a conversão em pecúnia da licença-prêmio e/ou férias não gozadas, em razão do serviço público, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração. 2. Agravo regimental não provido" (STJ. AgRg no RECURSO ESPECIAL nº 1.360.642/RS. Órgão Julgador: 2ª Turma; Rel.: Min. Mauro Campbell Marques. data do julgamento: 16.05.2013) - grifos nossos.

“RECURSO. EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. FÉRIAS E LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADAS NA ATIVIDADE. INDENIZAÇÃO. DIREITO RECONHECIDO. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS INFRACONSTITUCIONAIS. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. PRECEDENTES. A questão de indenização, na aposentadoria de servidor público, por férias e licença-prêmio não gozadas na atividade, fundada na proibição do enriquecimento sem causa da Administração e na responsabilidade civil do Estado, é matéria infraconstitucional, insuscetível de conhecimento em recurso extraordinário” (STF; RE-AgR nº 239552/RJ, Órgão Julgador: 1ª Turma; Rel.: Min. Cezar Peluso; data do julgamento: 31.08.2004) - grifos nossos.

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte tem entendido:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. FÉRIAS NÃO GOZADAS DURANTE O PERÍODO DE ATIVIDADE. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. MARCO INICIAL. DATA DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. INDENIZAÇÃO EQUIVALENTE À CONVERSÃO EM PECÚNIA DE FÉRIAS NÃO GOZADAS. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. SENTENÇA MANTIDA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO" (Apelação Cível n° 2017.019657-8. 1ª Câmara Cível. TJRN. Relator: Des. Cláudio Santos. Julgamento: 04.10.2018).

Tendo ficado comprovado que a parte autora, ao se aposentar, não havia gozado as férias a que fazia jus, consubstancia-se a vantagem indevida obtida pela Administração Pública, na medida em que esta se beneficiou do trabalho do servidor quando o mesmo deveria estar usufruindo o direito que lhe é assegurado pela legislação.

Com efeito, uma vez estabelecido que as férias são um direito do servidor, como o próprio demandado admite, cabe à Administração tomar as providências para a satisfação plena desse direito, sob pena de locupletamento que agride os princípios que regem nosso ordenamento jurídico.

Cumpre ressaltar, também, que a ausência de requerimento administrativo para o gozo das férias, não obsta o direito do servidor de obter a indenização aqui requerida, conforme já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, de acordo com os julgados mencionados nesta sentença.

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