Acórdão Nº 08023382620198205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 30-07-2021

Data de Julgamento30 Julho 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08023382620198205106
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0802338-26.2019.8.20.5106
Polo ativo
MARIA EDUARDA ESTRELA PIRES
Advogado(s): EDUARDO JERONIMO DE SOUZA
Polo passivo
MILENA FREIRE DE MEDEIROS
Advogado(s): JOSE WELLINGTON BARRETO

EMENTA: PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ALEGADA POSSE DE IMÓVEL AMPARADA EM CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PROCURAÇÃO OUTORGADA PELA PROPRIETÁRIA PARA ADMINISTRAÇÃO DO IMÓVEL. NEGÓCIO JURÍDICO FIRMADO PELO MANDATÁRIO COM TERCEIRO QUE EXORBITOU DOS PODERES QUE LHES FORAM CONFERIDOS. ALIENAÇÃO QUE DEPENDERIA DE PODERES ESPECIAIS E EXPRESSOS NO INSTRUMENTO DE MANDATO. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO EM RELAÇÃO À OUTORGANTE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 661, § 1º, E 662, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. POSSE INJUSTA DA DEMANDADA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA EDUARDA ESTRELA PIRES, por seu advogado, contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN, que, nos autos da Ação de Reintegração de Posse (Proc. nº 0802338-26.2019.8.20.5106) ajuizada por si em desfavor de MILENA FREIRE DE MEDEIROS, julgou improcedente o pedido.

Nas razões recursais (ID 8264234), a apelante relatou que tomou conhecimento de que o imóvel descrito na exordial (Rua Mossoró, nº 1065, loteamento Cidade Oeste, registrado na matrícula 24.311, livro 2-247, no Primeiro Cartório de Registro de Imóveis na Comarca de Mossoró) de sua propriedade haviam sido invadidos.

Afirmou que seu genitor, “ao questionar os moradores sobre quem teria autorizado a habitação nos imóveis de propriedade de sua filha, tomou conhecimento de que as casas foram vendidas pelo arquiteto, Sr. CLÉLIO JOSÉ DE SENA FILHO, a quem a apelante outorgou, através de procuração pública, poderes para administrar os imóveis que lhe pertencem e resolver todas as questões burocráticas alusivas ao Projeto Minha Casa Minha Vida”.

Alegou que “a compra do imóvel se tratava, na verdade, de uma grande fraude”, e que o “Sr. CLÉLIO JOSÉ DE SENA FILHO, tinha sido preso e estava sendo acusado de estelionato por aplicar golpes no mercado imobiliário nas cidades de Natal, Fortaleza e Mossoró”.

Defendeu que a procuração outorgada ao sr. Clécio não lhe conferia poderes para alienar o referido imóvel, ao contrário do entendimento firmado na sentença, aduzindo que “para que a alienação discutida fosse válida, o mandato em questão necessitaria de poderes especiais –e não gerais, como vimos –e expressos, com redação precisa –e não genérica”.

Asseverou “a necessidade de reforma na sentença em comento quando esta reputa ser justa a posse da apelada, com base em instrumento de mandato que não teve seus poderes lidos e interpretados, no corpo da decisão, a partir dos parâmetros da legislação atinente à matéria”.

Enfatizou não haver provas quanto à alegação da demandada de que “pagou o valor R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), além de ter arcado com uma reforma supostamente orçada em R$ 18.000,00 (dezoito mil reais)”.

Por fim, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso, para anular a alienação e reconhecer a ineficácia dos atos praticados por aquele que extrapolou os poderes do mandato.

A parte apelada apresentou contrarrazões (ID 8264240), requerendo o desprovimento do recurso.


Com vista dos autos, a 8ª Procuradoria de Justiça (ID 8680315) deixou de opinar, por ausência de interesse público no feito.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

A presente apelação cível objetiva reformar a sentença proferida pelo juízo a quo, que julgou improcedente o pedido autoral de reintegração de posse.

In casu, verifica-se que a autora/apelante ajuizou ação de reintegração de posse alegando que fora surpreendida com a notícia de que imóvel de sua propriedade havia sido invadido por Milena Freire Medeiros.

A demandada, por sua vez, afirmou na contestação que exercia a posse do imóvel amparada no negócio jurídico firmado com o sr. Clécio José de Sena Filho, através de procuração pública outorgada pela autora.

A autora/apelante defendeu que a procuração pública não conferia poderes ao sr. Clécio para alienar o referido imóvel, não sendo válido o referido negócio jurídico e que a posse do imóvel é injusta.

Sobre a questão, o Código Civil disciplina o seguinte:

“Art. 660. O mandato pode ser especial a um ou mais negócios determinadamente, ou geral a todos os do mandante.

Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1 o Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

§ 2 o O poder de transigir não importa o de firmar compromisso.

Art. 662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar”.

Da análise dos autos, verifica-se que a procuração pública outorgada por MARIA EDUARDA ESTRELA PIRES em favor de CLÉCIO JOSÉ DE SENA FILHO constitui um mandato em termos gerais, pois tão somente confere poderes de administração, sendo expressa nesse sentido. Senão vejamos a transcrição de seu conteúdo:

“(...) a quem confere amplos e gerais PODERES para resolver todo e qualquer assunto referente aos seguintes imóveis: 03 Casas Residenciais Unifamiliar com pavimentos únicos, devidamente Registradas do Cartório de Registro de Imóveis de 2ª Zona, Mossoró – RN, matriculas nºs 24.311; 24.312 e 24.314, podendo o referido procurador vistoriar o imóvel, assinar termo de vistoria de entrega e recebimento de chaves, representar junto à companhia de eletricidade, Prefeituras e Administrações Regionais, fazenda municipal, Receita Federal, Prefeitura, podendo resolver qualquer assunto referente a IPTU, Companhia Telefônica, representá-la perante repartições públicas em geral, Cartório do tabelião de Notas, cartório do Oficial de registro de imóveis, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, podendo resolver todo e qualquer assunto referente PROJETO MINHA CASA MINHA VIDA, assinar e receber todo e qualquer documentação necessária ao devido fim, bem como fazer aditamento do referido contrato, prestar declarações e informações, preencher e assinar requerimentos e formulários, concordar e discordar, requerer tudo que for necessário e relativamente ao feito, prestar declarações de estilos, resolver todo e qualquer assunto em qualquer repartição pública Municipal, Estadual e Federal, enfim praticar todos os atos necessários e exigidos ao fiel cumprimento do presente mandato, mesmo que aqui não expressamente nomeados que o outorgante dará tudo por bom firme".

Conforme se vê, a referida procuração não outorgou poderes especiais e expressos para alienar o imóvel ou praticar quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, de sorte que, o negócio jurídico amparado neste mandato mostra-se ineficaz em relação à Maria Eduarda Estrela Pires, ora apelante.

Prova de que o sr. Clécio agiu exorbitando dos poderes que lhe foram conferidos na procuração pública é o fato de que este foi preso acusado de estelionato (ID 8264207).

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de justiça:


DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROCURAÇÃO. OUTORGA DE PODERES EXPRESSOS PARA ALIENAÇÃO DE TODOS OS BENS DO OUTORGANTE. NECESSIDADE DE OUTORGA DE PODERES ESPECIAIS. 1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de compra e venda de imóvel cumulada com cancelamento de registro, tendo em vista suposta extrapolação de poderes por parte do mandatário. 2. Ação ajuizada em 16/07/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 10/09/2019. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal é definir se a procuração que estabeleceu ao causídico poderes “amplos, gerais e ilimitados (...) para 'vender, permutar, doar, hipotecar ou por qualquer forma alienar o(s) bens do(a)(s) outorgante(s)'” atende aos requisitos do art. 661, § 1º, do CC/02, que exige poderes especiais e expressos para tal desiderato. 4. Nos termos do art. 661, § 1º, do CC/02, para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos. 5. Os poderes expressos identificam, de forma explícita (não implícita ou tácita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender). Já os poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender talou qual imóvel). 6. No particular, de acordo com o delineamento fático feito pela instância de origem, embora expresso o mandato –quanto aos poderes de alienar os bens do outorgante –não se conferiu ao mandatário poderes especiais para alienar aquele determinado imóvel.7. A outorga de poderes de alienação de todos os bens do outorgante não supre o requisito de especialidade exigido por lei que prevê referência e determinação dos bens concretamente mencionados na procuração. 8. Recurso especial conhecido e provido. (STJREsp 1.836.584/MG. DJe: 13/02/2020).

Em conclusão, tem-se que o negócio jurídico firmado entre o sr. Clécio e a sr. Milena mostra-se ineficaz em relação à proprietária do imóvel, a sra. Maria Eduarda Estrela Pires, que detinha a posse jurídica, de modo que a posse exercida pela...

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