Acórdão Nº 08023659020218205121 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 27-05-2022

Data de Julgamento27 Maio 2022
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo08023659020218205121
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO - 0802365-90.2021.8.20.5121
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO ESTADUAL
Advogado(s):
Polo passivo
MARCEL BRUNO GUEDES PEREIRA
Advogado(s): JOSE ARTHUR ALVES DE ARCANJO

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gabinete do Desembargador Gilson Barbosa

Recurso em Sentido Estrito n.º 0802365-90.2021.8.20.5121

Recorrente: Ministério Público

Recorrido: Marcel Bruno Guedes Pereira

Advogado: Dr José Arthur Alves de Arcanjo – OAB/RN 16.627

Relator: Desembargador Gilson Barbosa

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. SUPOSTA PRÁTICA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, IV DO CÓDIGO PENAL). LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA, SOB A IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO (ART. 319, I, DO CPP). PRETENSA MODIFICAÇÃO DO DECISUM QUE NEGOU A PRISÃO PREVENTIVA DO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE APONTEM A NECESSIDADE DA RESTAURAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA NÃO DEMONSTRADA ANTE A AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DISSONÂNCIA COM O PARECER DA 2ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, em dissonância com o parecer da 2ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento ao Recurso em Sentido Estrito, mantendo inalteradas os termos da decisão recorrida, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público, ID 8685890, contra decisão, ID 12187299, oriunda da 3ª Vara da Comarca de Macaíba/RN, que indeferiu o pedido de prisão em desfavor de Marcel Bruno Guedes Pereira.

Nas razões, sustentou o recorrente, em síntese, que Marcel Bruno Guedes Pereira responde por homicídio qualificado na Ação Penal nº 0100211-42.2020.8.20.0121, já tendo sido pronunciado.

Aduziu que a partir das informações extraídas do relatório final da DEICOR referente ao Inquérito Policial nº 0100064-80.2020.8.20.0132 e do prontuário da COAPE, tornaram-se conhecidos fatos que, aliados aos apurados na referida ação penal, reclamam a decretação de sua prisão preventiva.

Afirmou que, por ocasião das investigações acima mencionadas, evidenciou-se que o recorrente integra e lidera complexa organização criminosa denominada “Sindicato do crime”, prosseguindo no desenvolvimento de atividades criminosas, evidenciando, com isso, o risco de reiteração delitiva.

Alegou ser premente a necessidade da segregação cautelar para garantia da ordem pública, ante a gravidade concreta do delito associada à periculosidade do réu.

Com isso, defendeu que o magistrado a quo não avaliou corretamente a situação factual contida na demanda penal, ao asseverar que a falta de contemporaneidade do delito imputado ao acusado, por si só, não afasta a necessidade de decretação da prisão preventiva, mormente, quando se encontram presentes os requisitos autorizadores da medida cautelar, como ocorre no caso em comento”.

Ao final, requereu a reforma da decisão a fim de que fosse decretada a prisão preventiva do recorrido.

Em contrarrazões, ID 12187304, o recorrido pugnou pelo desprovimento do recurso, mantendo inalterada a decisão que negou pedido de prisão preventiva.

Em juízo de retratação, o magistrado de primeiro grau manteve a decisão recorrida, ID 12187310.

Instada a se pronunciar, a 2ª Procuradoria de Justiça apresentou parecer, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso, ID 12640535.

É o relatório.


VOTO

O recurso deve ser conhecido, por estarem presentes os seus requisitos de admissibilidade.

O Ministério Público insurge-se contra decisão que indeferiu a prisão cautelar do recorrido, argumentando que tal medida se encontra em desconformidade com as disposições legais, tendo em vista a necessidade de se resguardar a ordem pública.

Razão não assiste ao recorrente.

Conforme se extrai dos autos, foi proposta Ação Penal n. 0100211-42.2020.8.20.0121, na qual é atribuída ao recorrido a prática do delito previsto no art. 121, § 2º, IV do Código Penal, sobrevindo investigações que descobriram a ligação do recorrido à liderança de organização criminosa “Sindicato do Crime”.

O recorrido teve a prisão preventiva decretada em 30/10/2019, nos autos da Ação Cautelar n. 0101239-79.2019.8.20.0121, sendo mantida a prisão até 09/10/2020, quando sobreveio sentença de pronúncia revogando a segregação cautelar, por entender o juízo a quo que não mais existiam os requisitos autorizadores da preventiva, sendo suficientes e adequadas as medidas cautelares, consoante fundamentação abaixo:

“No caso em análise, a prisão preventiva foi decretada sob o fundamento da presença dos pressupostos processuais para concessão da custódia cautelar e consequente garantia da ordem pública, necessários e suficientes naquele momento processual.
Não obstante, constata-se no caso em apreço deverá ainda ser submetido a júri popular, podendo, contudo, a medida cautelar máxima ser substituída por uso de tornozeleira eletrônica para fins de monitoramento, com proibição do acusado de se aproximar de familiares da vítima ou mesmo de se ausentar do âmbito da comarca onde apresentar residência, devendo se recolher em sua casa diariamente entre 18h e 6h, bem assim manter atualizado o juízo com relação a seu endereço residencial.

Portanto, é cabível a substituição do decreto de prisão preventiva, nos moldes acima, até que sobrevenha decisão do Tribunal do Júri Popular.”

O juízo a quo negou o pedido de prisão preventiva de Marcel Bruno por ausência de contemporaneidade dos fatos justificadores e por não restar evidenciados os riscos que se pretende evitar com a prisão sob os seguintes fundamentos:

“[...] Nesse passo, pela sistemática processual penal constitucional, havendo prova da materialidade do crime e indícios suficientes da autoria (fumus comissi delicti), o juiz poderá decretar a prisão preventiva quando não for cabível a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.

Analisando-se os autos, em que pese seja indiscutível a gravidade concreta do crime, não se vislumbra razões que justifiquem a urgência da segregação cautelar do representado.

Ressalte-se que os fatos referentes ao Inquérito Policial nº 0100064-80.2020.8.20.0132 datam de 17/02/2020, ou seja, já se passaram mais de 18 meses, bem como houve o relaxamento da prisão dos investigados.

Por outro lado, recentemente, nos autos do pedido de substituição de medida cautelar nº 0802125-04.2021, este juízo analisou a situação do representado, substituindo a cautelar de monitoramento eletrônico por comparecimento semanal em juízo.

Importa destacar, nesse palmilhar, que, para o Superior Tribunal de Justiça, a falta de contemporaneidade do delito imputado ao acusado, associada à não ocorrência de fatos novos a justiçar risco à instrução processual ou à aplicação da lei penal, tornam a prisão preventiva desnecessária, porquanto ausente se acha a urgência, requisitos essencial de toda medida cautelar. Confira-se: [...]” (com destaques)

Como se sabe, a liberdade antes da sentença penal condenatória definitiva é a regra, por força do princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, sendo a segregação provisória, ou a restrição da liberdade, a exceção. Nessa interpretação, tem-se o previsto no art. 282 do Código de Processo Penal:

"Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado."

Sobre os requisitos, possibilidade de revogação e restabelecimento da prisão preventiva, oportuno destacar os ensinamentos de Renato Brasileiro[1][1]:


“[...] a decisão que decreta uma medida cautelar sujeita-se à cláusula rebus sic stantibus, pois está sempre sujeita à nova verificação de seu cabimento, seja para eventual revogação, quando cessada a causa que a justificou, seja para nova decretação, diante do surgimento de hipótese que a autorize (CPP, art. 282, § 5º, c/c art. 316). Enfim, como toda e qualquer espécie de medida cautelar, sujeita-se a decisão que decreta as cautelares de natureza pessoal, inclusive a própria prisão cautelar, à cláusula da imprevisão, podendo ser revogada quando não mais presentes os motivos que a ensejaram, ou renovada se acaso sobrevierem razões que a justifiquem.” Destaques acrescidos.

In casu, busca o Ministério Público a reforma da decisão que negou o pedido de prisão preventiva em desfavor de Marcel Bruno Guedes Pereira, destacando em suas alegações a necessidade de resguardar a ordem pública.

Em que pese os argumentos do MP, razão não lhe assiste, uma vez que não se encontram presentes os requisitos autorizadores para decretar a restrição a liberdade do recorrido, em especial a necessidade da cautelar, nos termos dos arts. 312 e 313, ambos do Código de Processo Penal.

Cumpre destacar que a revogação da prisão preventiva do recorrido ocorreu em 09/10/2020, ou seja, há mais de 1 (um) ano, não havendo nos autos, ou nos sistemas SAJ e PJe, notícia de que nesse ínterim o acusado tenha descumprido as medidas cautelares impostas ou posto, de qualquer forma, em risco a ordem pública ou aplicação da lei penal.

Inclusive, quando realizado o juízo de retratação exigido pelo art. 589 CPP, ID 12187310, o magistrado reafirmou a decisão recorrida, o que demonstra que o encarceramento cautelar, pelo menos até o momento, mostra-se desnecessário.

Além disso, como bem analisou o juiz, o recorrido vem...

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