Acórdão Nº 08025304020208205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 22-05-2023

Data de Julgamento22 Maio 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08025304020208205100
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0802530-40.2020.8.20.5100
Polo ativo
OTACILIO ANTAO DA SILVA
Advogado(s): ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, MANOEL PAIXAO NETO
Polo passivo
BANCO BMG SA
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

RECURSO INOMINADO CÍVEL Nº.: 0802530-40.2020.8.20.5100

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE ASSU

RECORRENTE: OTACILIO ANTAO DA SILVA

ADVOGADOS: ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE/MANOEL PAIXÃO NETO

RECORRIDO: BANCO BMG S/A

ADVOGADO: ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO

JUIZ RELATOR: CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE NULIDADE DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO AUTORAL. JUNTADA DE INSTRUMENTO QUE DEMONSTRA A CONTRATAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 21-A DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 100, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2018, QUE ALTEROU DISPOSITIVOS DA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 28, DE 16 DE MAIO DE 2008. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 36 DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - TUJ - DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO RIO GRANDE DO NORTE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, conhecer do recurso, deferindo a gratuidade judiciária requerida e, por unanimidade, negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos, com os acréscimos contidos no voto do Relator. Com condenação do recorrente vencido em custas processuais e em honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ante o não provimento recursal, suspendendo a cobrança em face da concessão dos benefícios da justiça gratuita, à luz do art. 98, §3º, do CPC.

Natal/RN, 15 de maio de 2023.

CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA:


Vistos, etc.

Trata-se de ação ajuizada com o objetivo de que seja declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, bem assim que a parte demandada seja condenada a restituir em dobro à parte autora os valores que foram descontados de seu benefício previdenciário em função de tal contrato; ao pagamento de uma indenização por danos morais, bem assim que seja declarada a inexistência do débito referente ao valor depositado na conta da autora em função de tal contrato, tendo sido pugnado para que seja reconhecido como amostra grátis.

Foi postulada ainda a suspensão dos descontos, bem assim que a parte demandada se abstenha de utilizar a margem consignável do(a) autor(a) para que seja utilizada em tal modalidade de contratação.

Para tanto, a parte autora argumentou que procurou o requerido para firmar contrato de empréstimo consignado, porém foi ludibriada com a realização de outra operação denominada de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). No entanto, sustentou que nunca usou tal cartão, nem este lhe foi enviado, mas vem sofrendo descontos em seu benefício previdenciário.

Argumentou que o requerido adotou prática abusiva, posto que vem obtendo vantagem manifestamente excessiva e onerosa para o consumidor e que não prestou todas as informações necessárias à parte autora no momento da contratação, sendo certo que esta buscava firmar contrato de empréstimo consignado e não de cartão de crédito, de modo que sustentou ter ocorrido violação ao princípio da livre manifestação de vontade.

Argumentou ainda que o demandado não observou os termos da Lei 10.820/03, que limita em 5% a margem consignável para descontos relativos a despesas com cartão de crédito, sendo que a parte autora sustentou nunca ter firmado tal modalidade de contratação, de modo a ser ilegal a cobrança de encargos do crédito rotativo em discussão.

Em função disso, argumentou ser nulo o contrato em apreço, devendo ser considerada como amostra grátis o valor depositado em sua conta decorrente de tal contratação.

Em sua defesa, a parte requerida arguiu preliminar da falta de interesse de agir.

No mérito, sustentou que o contrato firmado entre as partes é plenamente válido, além do que a parte autora efetivou um saque no cartão de crédito no valor de R$ 1.279,65, motivo pelo qual postulou pela improcedência da ação.

É o breve relatório. Decido.

Inicialmente, rejeito a preliminar da falta de interesse de agir, pois a parte autora comprovou a existência de débito, referente a cartão de crédito consignado, em seu benefício previdenciário, restando configurado o interesse na declaração de nulidade do negócio jurídico e consequente cancelamento em face da alegação de que foi ludibriada pelo demandado, devendo ser reconhecida a utilidade e necessidade da presente ação.

Quanto ao mérito, cumpre-se aferir se houve vício na manifestação da vontade da parte autora no momento da celebração do contrato em discussão, eis que o(a) requerente sustentou que buscou a parte demandada para firmar um contrato de empréstimo consignado comum, no entanto, alegou que foi ludibriado(a) e, na verdade, as partes acabaram por firmar um contrato de cartão de crédito consignado.

Como se sabe, no contrato de empréstimo consignado, o pagamento é efetivado pelo consumidor através de descontos em seu benefício previdenciário de parcelas previamente fixadas, sendo modalidade de crédito que se obtém com juros mais baixos em razão de uma maior garantia do pagamento da dívida.

Já no contrato de cartão de crédito consignado, o valor descontado do benefício previdenciário é apenas o do valor mínimo da fatura, de modo que, para o pagamento total desta, o consumidor deve pagar o valor remanescente através da própria fatura, caso contrário, haverá incidência de encargos do crédito rotativo do cartão de crédito, os quais são bastante elevados.

Nesse sentido, é de extrema importância que o consumidor seja devidamente informado da forma de pagamento integral da fatura e de que, em caso de pagamento apenas do valor mínimo consignado, haverá incidência de juros e correção sobre a quantia não paga, o que pode acarretar em dívida decorrente de encargos financeiros bem maiores de que outras modalidades de crédito, gerando um saldo devedor bem mais elevado.

Nesse caso, observa-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, motivo pelo qual deve incidir no caso as regras do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe o que segue sobre o tema:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

(...)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência

(...)

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

(...)

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

Da leitura de tais dispositivos legais, resta evidenciado ser direito básico do consumidor o de ser informado de forma clara acerca de todos os termos dos contratos relativos a oferecimento de produtos ou serviços, sendo que, inclusive, o art. 46 acima transcrito dispõe que os contratos que forem redigidos de modo a dificultar a compreensão do consumidor sobre o seu sentido e alcance não obrigação este ao seu cumprimento.

Tal dispositivo legal está em consonância com o princípio da autonomia da vontade que orienta o ordenamento jurídico acerca do direito contratual, sendo certo que, inclusive, são anuláveis os negócios jurídicos que decorrem de erro substancial, senão vejamos o que dispõe o art. 138 e 139 do Código Civil:

“Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 139. O erro é substancial quando:

I...

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