Acórdão Nº 08025633620208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 14-05-2021

Data de Julgamento14 Maio 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08025633620208205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0802563-36.2020.8.20.5001
Polo ativo
AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A.
Advogado(s): HENRIQUE JOSÉ PARADA SIMÃO, FABIO DE MELO MARTINI
Polo passivo
PEDRO ALEXANDRE DA SILVA
Advogado(s): LINCON VICENTE DA SILVA

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Gab. Desª. Maria Zeneide Bezerra

Apelação Cível: 0802563-36.2020.8.20.5001

Apelante: Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A

Advogado: Henrique José Parada Simão

Apelada: Pedro Alexandre da Silva

Advogado: Lincon Vicente da Silva

Relatora: Maria Zeneide Bezerra

EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. APELAÇÃO CÍVEL. PLEITO DE REFORMA DO JULGADO. NÃO ACOLHIMENTO. CONSTATADA ABUSIVIDADE. ÍNDICE DA TAXA DE JUROS ACIMA DA MÉDIA PRATICADA NO MERCADO. PARÂMETRO QUE DEVE CONDUZIR O EXAME DO CASO CONCRETO. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer, mas negar provimento ao apelo, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

Apelação Cível interposta por Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Ação de Revisão de Contrato (Proc.0802563-36.2020.8.20.5001), ajuizada por Pedro Alexandre da Silva, julgou procedente em parte o pedido autoral nos seguintes termos (id. 8384802 - Pág. 8):

(….) Pelo exposto, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC/15, julgo parcialmente os pedidos formulados na inicial somente para (I) declarar abusivas procedentes as taxas de juros remuneratórios fixadas no contrato; (II) fixar novas taxas de juros remuneratórios nos seguintes patamares:1,48% a.m. e 19,29% a.a., conforme taxas indicadas pelo Banco Central do Brasil; e (III) condenar a parte ré a restituir à parte autora, de forma simples, o valor de R$ 600,25 (seiscentos reais e vinte e cinco centavos), cobrado a título de seguro prestamista (CDC protegido com desemprego), a ser atualizado pelo índice do ENCOGE desde a contratação (18/11/19) e acrescido de juros simples de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a citação da parte ré (07/02/20 – ID nº 53661479) (art. 405 do CC/02). (….)

condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais, a serem recolhidas via COJUD, e dos honorários sucumbenciais, os quais arbitro no percentual de 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido (diferença entre valor originário total do contrato e o valor final do contrato, após incidência das novas taxas de juros remuneratórios e diminuição da parcela do seguro prestamista), haja vista a complexidade jurídica da causa, o tempo de trabalho exigido nos autos e o local habitual de prestação dos serviços jurídicos, a teor do art. 85, § 2º, do CPC/15. Incidirão juros de mora de 1% (um por cento) ao mês sobre os honorários, a partir do trânsito em julgado da sentença (art. 85, § 16, do CPC/15)1. (...).

Em suas razões recursais (Id. 8384804 - Pág. 17) a instituição bancária alegou que:

a) A taxa média de juros apresentada pela tabela do Banco Central não pode ser utilizada de forma equânime entre todo e qualquer contrato envolvendo veículo, isso porque os veículos tomados como garantias das transações possuem características bastante variáveis;

b) Quando um banco avalia uma concessão de crédito ele precisa levar em conta inúmeros fatores, entre eles, qual o bem que está servindo de garantia para o contrato, pois no caso de inadimplemento a instituição buscará a retomada deste bem para cobrir o valor liberado ao cliente. Quanto mais novo o veículo, maior vai ser o seu valor de venda, apresentando assim um risco de perda menor, o que minimiza os riscos do contrato e consequentemente possibilita que as taxas de juros da contratação sejam menores”;

c) a taxa praticada não se mostrou abusiva em relação à taxa média praticada para o período e além do mais a parte autora estava ciente de todos os termos do contrato, bem como taxas e juros aplicados, para aquisição de um VEÍCULO USADO”;

d) a contratação do seguro não está atrelada a contratação do financiamento, sendo uma opção do cliente no momento da compra do veículo. A opção de contratação é realizada pelo cliente e formalizada através da assinatura do formulário CET (Custo Efetivo Total) e da Cédula de crédito Bancário (CCB) ou Contrato de Financiamento que especificam a escolha do cliente;

e) “não houve abusividade nas taxas praticadas, vez que perfeitamente aplicados de acordo com as diretrizes do banco central, não havendo que se falar em devolução de valores”.

Com estes argumentos, requer que o apelo seja recebido e “no mérito, dar-lhe PROVIMENTO para reformar integralmente a r. sentença, nos termos da fundamentação, ora explanada, conforme foi devidamente fundamentado”.

Intimada a parte apelada apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento (id 8757974 - Pág. 9)

Com vista dos autos, o 9º Procurador de Justiça, José Braz Paulo Neto, em substituição legal na 8ª Procuradoria de Justiça, deixou de opinar por ausência de interesse público no feito (ID. 9073300 - Pág. 1).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A questão trazida ao debate nos autos concerne à revisão de contrato bancário firmado entre as partes, especificamente quanto aos juros remuneratórios aplicados e ao seguro de proteção financeira.

Sobre a matéria, consigno, desde logo, que à hipótese aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, com subsunção à previsão contida em seu art. 3º, § 2º, pois se trata de relação de consumo em que a instituição financeira é fornecedora de serviços atinente ao crédito e a outra parte é a destinatária final desses serviços (TJRN, AC n° 2013.006584-8, Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, 3ª Câmara Cível, j. 27/06/2013; e AC n° 2013.005381-2, Relª. Desª. Judite Nunes, 2ª Câmara Cível, j. 30/07/2013).

Ainda a respeito da incidência do Código de Defesa do Consumidor no caso concreto, dispõe a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Pois bem. No que se refere à taxa de juros remuneratórios, registro que o artigo 192, §3º, da Constituição Federal, que estabelecia um limite máximo da taxa de juros ao patamar de 12% a.a., foi revogado pela EC n° 40/03, e, deste modo, o percentual deve ser analisado caso a caso, para se aferir a existência ou não de abusividade.

Com efeito, o percentual de juros remuneratórios deve ser razoável a ponto de preservar o equilíbrio econômico financeiro entre os contratantes, garantindo a justa compensação do credor pelo valor disponibilizado e impedindo, por outro lado, a onerosidade excessiva para o devedor.

Tem-se considerado razoável a cobrança de taxa de juros que não ultrapasse em 50% (cinquenta por cento) da taxa média de mercado praticada na data da assinatura do contrato, conforme divulgado pelo Banco Central para esse tipo de operação de crédito, tendo como limite a taxa fixada no contrato.

Além do que, diferente do que sustenta o Apelante, inexiste supedâneo legal quanto a aplicação da taxa de juros diferenciada, no caso, tarifa superior para aquisição de veículo usado, mesmo porque a taxa é aplicada sobre o valor financiado; ou seja, independe se é veículo novo ou usado.

No caso concreto, vejo que a taxa de juros mensal aplicada (id. 8384777 - Pág. 1) foi de 2,77% e a anual de 38,82%, enquanto que a taxa média de juros (pessoa física para aquisição de automóvel) praticada pelo mercado época (18/11/2019) era de 1,48% a.m. e 19,29% a.a., consoante informações obtidas no site do BACEN (Sistema Gerenciador de Séries Temporais).

Deste modo, constato que a taxa contratual celebrada entre as partes ultrapassou o percentual da taxa média de mercado para a respectiva operação, evidenciando, sim, a abusividade, conforme entendimento do STJ:



AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS LIMITADOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.

1.- Mantém-se a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado quando comprovada, no caso concreto, a significativa discrepância entre a taxa pactuada e a taxa de mercado para operações da espécie.

2.- O agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, o qual se mantém por seus próprios fundamentos.

3.- Agravo Regimental improvido.

(AgRg no AREsp 504021 / RS
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2014/0089812-6, Rel.
Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, Julgado em 27.05.2014, DJe em 09.06.2014).



DIREITO BANCÁRIO E COMERCIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. ADMINISTRADORA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADA. ABUSIVIDADE. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO PARA OPERAÇÕES DA ESPÉCIE.

1. Recurso especial, concluso ao Gabinete em 09/06/2011, no qual se discute a utilização da taxa média de mercado do "cheque especial" divulgada pelo Banco Central do Brasil para limitação da taxa de juros remuneratórios contratada em operação de cartão de crédito.

Ação de cobrança ajuizada em 2008.

2. Reconhecida a abusividade da cláusula contratual de taxa de juros remuneratórios, limitam-se os juros praticados à taxa média do mercado em operações da espécie.

3. A ausência de divulgação pelo Banco Central do Brasil de taxas médias para a operação de cartão de crédito não é suficiente para fundamentar a transposição das taxas médias apuradas...

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