Acórdão Nº 08026343220208205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 17-05-2022

Data de Julgamento17 Maio 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08026343220208205100
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0802634-32.2020.8.20.5100
Polo ativo
MARIA DOS SANTOS DE LIMA
Advogado(s): ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, MANOEL PAIXAO NETO
Polo passivo
BANCO BGN S/A
Advogado(s): MARIA DO PERPETUO SOCORRO MAIA GOMES

Recurso inominado cível nº 0802634-32.2020.8.20.5100

Origem: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL DA COMARCA DE ASSU

Recorrente: MARIA DOS SANTOS DE LIMA

Advogado: ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE

Recorrido: BANCO BGN S/A

Advogada: MARIA DO PERPETUO SOCORRO MAIA GOMES

Juíza Relatora/Redatora: SULAMITA BEZERRA PACHECO

EMENTA: CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATAÇÃO CUMULADA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO MEDIANTE CARTÃO DE CRÉDITO COM PAGAMENTO CONSIGNADO EM FOLHA. ALEGAÇÃO DE ERRO NA MODALIDADE DE CONTRATAÇÃO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A AUSÊNCIA DE CIÊNCIA INEQUÍVOCA DE QUE SE TRATAVA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OFENSA AO DIREITO DE INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE CONSTATADA. CONSUMIDOR FOI INDUZIDO A ERRO. DANO MORAL CARACTERIZADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.


ACÓRDÃO

DECIDEM os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Temporária dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e, por maioria, dar-lhe provimento parcial, para reconhecer a nulidade do contrato, condenar o réu/recorrido em indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00, (três mil reais), e extinguir o feito quanto à restituição das parcelas descontadas. Deve o recorrido no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado, adaptar o contrato da aurora/recorrente, à modalidade de consignado clássico, aplicando as taxas médias e as normas a ele relativas, e cancelar o respectivo cartão de crédito. Sem condenação em custas e honorários, face o provimento do recurso. Vencido o Juiz Relator que conhecia do recurso e negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.


Sulamita Bezerra Pacheco

Juíza Relatora

RELATÓRIO

Sentença que se adota:


SENTENÇA

Vistos, etc.

Trata-se de ação ajuizada com o objetivo de que seja declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, bem assim que a parte demandada seja condenada a restituir em dobro à parte autora os valores que foram descontados de seu benefício previdenciário em função de tal contrato; ao pagamento de uma indenização por danos morais, bem assim que seja declarada a inexistência do débito referente ao valor depositado na conta da autora em função de tal contrato, tendo sido pugnado para que seja reconhecido como amostra grátis.

Foi postulada ainda a suspensão dos descontos, bem assim que a parte demandada se abstenha de utilizar a margem consignável do(a) autor(a) para que seja utilizada em tal modalidade de contratação.

Para tanto, a parte autora argumentou que procurou o requerido para firmar contrato de empréstimo consignado, porém foi ludibriada com a realização de outra operação denominada de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). No entanto, sustentou que nunca usou tal cartão, nem este lhe foi enviado, mas vem sofrendo descontos em seu benefício previdenciário.

Argumentou que o requerido adotou prática abusiva, posto que vem obtendo vantagem manifestamente excessiva e onerosa para o consumidor e que não prestou todas as informações necessárias à parte autora no momento da contratação, sendo certo que esta buscava firmar contrato de empréstimo consignado e não de cartão de crédito, de modo que sustentou ter ocorrido violação ao princípio da livre manifestação de vontade.

Argumentou ainda que o demandado não observou os termos da Lei 10.820/03, que limita em 5% a margem consignável para descontos relativos a despesas com cartão de crédito, sendo que a parte autora sustentou nunca ter firmado tal modalidade de contratação, de modo a ser ilegal a cobrança de encargos do crédito rotativo em discussão.

Em função disso, argumentou ser nulo o contrato em apreço, devendo ser considerada como amostra grátis o valor depositado em sua conta decorrente de tal contratação.

Em sua defesa, a parte requerida arguiu preliminares da complexidade da causa, da decadência e da prescrição.

No mérito, sustentou que o contrato firmado entre as partes é plenamente válido, além do que a parte autora efetivou um saque no cartão de crédito no valor de R$ 862,40, motivo pelo qual postulou pela improcedência da ação.

É o breve relatório. Decido.

Inicialmente, rejeito a preliminar da prescrição, já que os descontos em apreço são decorrentes de obrigação de trato sucessivo, sendo que, de acordo com os documentos juntados, até o mês de junho de 2020 houve descontos no benefício previdenciário da parte autora em função do contrato em discussão.

Rejeito também a preliminar de incompetência da complexidade da causa. Com efeito, não será necessária a realização de perícia para a resolução da lide, mesmo porque a parte autora não nega que tenha firmado contrato com o requerido, mas sustenta a sua nulidade por falha do dever de informação. Além disso, este juízo entende pela possibilidade de realização de perícia grafotécnica simples no âmbito do Juizado.

Além disso, rejeito a preliminar da decadência, pois a ação que discute a validade de contrato para concessão de cartão de crédito não se aplica o prazo decadencial previsto no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, já que não se trata de reclamação por vício do produto ou serviço.

Quanto ao mérito, cumpre-se aferir se houve vício na manifestação da vontade da parte autora no momento da celebração do contrato em discussão, eis que o(a) requerente sustentou que buscou a parte demandada para firmar um contrato de empréstimo consignado comum, no entanto, alegou que foi ludibriado(a) e, na verdade, as partes acabaram por firmar um contrato de cartão de crédito consignado.

Como se sabe, no contrato de empréstimo consignado, o pagamento é efetivado pelo consumidor através de descontos em seu benefício previdenciário de parcelas previamente fixadas, sendo modalidade de crédito que se obtém com juros mais baixos em razão de uma maior garantia do pagamento da dívida.

Já no contrato de cartão de crédito consignado, o valor descontado do benefício previdenciário é apenas o do valor mínimo da fatura, de modo que, para o pagamento total desta, o consumidor deve pagar o valor remanescente através da própria fatura, caso contrário, haverá incidência de encargos do crédito rotativo do cartão de crédito, os quais são bastante elevados.

Nesse sentido, é de extrema importância que o consumidor seja devidamente informado da forma de pagamento integral da fatura e de que, em caso de pagamento apenas do valor mínimo consignado, haverá incidência de juros e correção sobre a quantia não paga, o que pode acarretar em dívida decorrente de encargos financeiros bem maiores de que outras modalidades de crédito, gerando um saldo devedor bem mais elevado.

Nesse caso, observa-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, motivo pelo qual deve incidir no caso as regras do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe o que segue sobre o tema:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

(...)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência

(...)

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

(...)

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

Da leitura de tais dispositivos legais, resta evidenciado ser direito básico do consumidor o de ser informado de forma clara acerca de todos os termos dos contratos relativos a oferecimento de produtos ou serviços,...

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