Acórdão Nº 08026459020228205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08026459020228205100
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0802645-90.2022.8.20.5100
Polo ativo
MARIA ALDENORA DE SALES DA SILVA
Advogado(s): FABIO NASCIMENTO MOURA
Polo passivo
BANCO BRADESCO SA e outros
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. DESCONTO TARIFÁRIO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À HIPÓTESE VERTENTE. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. VEDAÇÃO IMPOSTA PELO BACEN. “TARIFA BANCÁRIA CESTA B. EXPRESSO 01”. DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇO ONEROSO NÃO AVENÇADO. AMOSTRA GRÁTIS. APLICAÇÃO DO ART. 39, § ÚNICO DO CDC. COBRANÇA DESCABIDA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL IN RE IPSA. REPETIÇÃO, EM DOBRO, DO INDÉBITO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO



Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, conhecer e prover, em parte, a apelação interposta, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


Trata-se de apelação cível interposta por Maria Aldenora de Sales da Silva em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Assú/RN que, nos autos deste processo, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (ID. 17509799):

“[…] Às vistas de tais considerações, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na petição inicial, apenas para determinar o cancelamento dos descontos realizados a título da tarifa denominada “TARIFA BANCARIA” em desfavor da autora, a contar do trânsito em julgado desta sentença.

Em razão da sucumbência em parte mínima do pedido pela instituição financeira (art. 86, parágrafo único do CPC), condeno a parte autora no pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em função da gratuidade judiciária concedida, conforme art. 98 do CPC. [...]”.

Irresignada com o resultado, a autora dele apelou, argumentando, em suas razões recursais: a) a existência de falha na prestação do serviço pela instituição financeira, sustentando que a ausência de contratação torna ilícita e abusiva a conduta; b) a violação dos parâmetros de boa fé e lealdade, agindo a apelada a margem das diretrizes protetivas do CDC ao impor unilateralmente a cobrança de tarifa por serviços disponibilizados, mas não contratados; c) que a prática ensejaria compensação e reparação patrimonial em face da violação, in re ipsa.

Sob esses fundamentos, pugnou pela reforma da decisão a quo para condenar a parte adversa no pagamento de compensação extrapatrimonial, bem assim, na repetição, em dobro, do indébito (ID. 17509801).

Contrarrazões apresentadas ao ID. 17509804.

Desnecessidade de intervenção do Órgão Ministerial, nos termos do art. 127 da CF/88, dos arts. 176 e 178 do CPC, da Recomendação Conjunta nº 001/2021-PGJ/CGMP, das Recomendações nº 34/2016 e nº 57/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Recomendação nº 001/2021-CGMP.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, intrínseco e extrínseco, conheço do apelo.

O cerne da questão cinge-se em saber se o desconto tarifário realizado em conta pertencente à autora, cuja contratação é por ele negada, ensejaria a ocorrência de dano moral e material, ainda que o serviço tenha sido disponibilizado pela instituição financeira e efetivamente utilizado.

De início, tenho que a relação jurídico-material estabelecida entre as partes litigantes é dotada de caráter de consumo, fazendo subsumir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, consoante traduz o artigo 3º, § 2º, do referido Código.

Em se tratando de relação consumerista, a responsabilidade do fornecedor independe da investigação da sua conduta, elemento anímico dos agentes, bastando para sua configuração apenas a existência de defeitos relativos à prestação dos serviços ensejadores de dano, nos moldes do art. 14, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, (Lei nº 8.078/90):

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

[...]

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Vê-se, pois, que o fornecedor somente é isento de indenizar eventuais danos causados em caso de excludente de ilicitude, demonstrando que não houve defeito na prestação do serviço, ou que o consumidor tenha sido único responsável pelo ocorrido, ou, ainda, que o prejuízo tenha decorrido exclusivamente de ato de terceiro, sem que aquele tenha concorrido para o evento.

Pois bem, voltando os olhos ao caso, tenho que a Resolução nº 3.919/2010 do BACEN, em seu artigo 1º, exige a previsão contratual ou prévia autorização/solicitação do cliente para que haja a cobrança de qualquer tarifa pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras, em harmonia com os preceitos consumeristas, in verbis:

Art. 1º A cobrança de remuneração pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, conceituada como tarifa para fins desta resolução, deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.

Ainda acerca da temática, a Resolução n. 4.196/2013, também editada pelo Banco Central, dispõe:

"Art. 1º As instituições financeiras devem esclarecer ao cliente pessoa natural, por ocasião da contratação de serviços relacionados às suas contas de depósitos, sobre a faculdade de optar, sem a necessidade de adesão ou contratação específica de pacote de serviço, pela utilização de serviços e pagamento de tarifas individualizados, além daqueles serviços gratuitos previstos na regulamentação vigente.

Parágrafo único. A opção pela utilização de serviços e tarifas individualizados ou por pacotes oferecidos pela instituição deve constar, de forma destacada, do contrato de abertura de conta de depósitos."

Logo, como corolário ao princípio da informação, este que norteia as relações de consumo, compete às instituições financeiras esclarecerem sobre a contratação realizada, de forma detalhada e compreensível, destacando-se, em avença, a opção de uso dos serviços pagos e quais serviços serão disponibilizados.

Entretanto, carecem, os autos, de prova quanto à ciência da parte autora na adesão do serviço aqui questionado, ausente o respectivo instrumento contratual, ônus este que competia ao banco, nos termos do art. 6º, inciso VII do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, à luz do que preconiza o Banco Central e tendo por fundamento os princípios da transparência e informação, há que se concluir que a cobrança desarrazoada de serviços bancários, com o consequente desconto automático, fere o princípio da boa-fé contratual, além de consistir em vedação legal.

Lado outro, o fato de existir na conta da autora eventual movimentação financeira que exceda os limites disponibilizados como serviços essenciais, por si só, não altera a natureza da conta bancária aberta para recebimento de benefício da Previdência Social, posto que patente o vício de informação.

Colaciono precedente desta Câmara Cível:

EMENTA: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTO DE TARIFA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. DESCONTOS INDEVIDOS. UTILIZAÇÃO DE OUTROS SERVIÇOS BANCÁRIOS QUE NÃO ELIDE A OBRIGAÇÃO DE INFORMAR SOBRE A COBRANÇA DAS TARIFAS DELA CORRENTES. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO, NOS TERMOS DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DANO MORAL CONFIGURADO. FIXAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0800391-73.2021.8.20.5135, Des. Claudio Santos, Primeira Câmara Cível, ASSINADO em 29/11/2021) – Destaque acrescido.

A disponibilização unilateral de serviços tarifados – não contratados – insere-se, pois, no conceito de amostra grátis, nos termos do art. 39, parágrafo único do CDC[1], não podendo o consumidor arcar com os custos daquilo que sequer foi consentido.

Friso ainda que, o Código de Defesa do Consumidor, elencou práticas consideradas abusivas vedadas ao fornecedor, dentre as quais, no art. 39, III, tem-se a prática de enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço”.

Assim, caracterizado o ilícito danoso, patente o dever de indenizar, cuja responsabilidade independe de elemento subjetivo de culpa ou dolo, nos termos do art. 14 do CDC.

Este é, inclusive, o entendimento desta Câmara Cível, que em outras oportunidades já se debruçou sobre o tema:

EMENTA: CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. COBRANÇA INDEVIDA. NÃO APRESENTAÇÃO DE CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. DESCONTO EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA SOB A FORMA...

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