Acórdão Nº 08026892320198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 21-05-2021

Data de Julgamento21 Maio 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08026892320198205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0802689-23.2019.8.20.5001
Polo ativo
JACKSON MATIAS DO NASCIMENTO
Advogado(s): THIAGO MARQUES CALAZANS DUARTE
Polo passivo
POLICARD SYSTEMS E SERVICOS S/A
Advogado(s): MARIA EMILIA GONCALVES DE RUEDA

EMENTA: DIREITOS CIVIL, DO CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. APELAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO DIREITO DA PARTE AUTORA RECONHECIDA EM SENTENÇA. AÇÃO REVISIONAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ESPECÍFICA ACERCA DO PRAZO PRESCRICIONAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 205 DO CÓDIGO CIVIL. PRESCRIÇÃO DECENAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO INTERPOSTA 9 ANOS E 2 MESES APÓS ASSINATURA DO CONTRATO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO MÉRITO. CAUSA MADURA. INCIDÊNCIA DO ART. 1.013, § 3º, INCISO III DO CPC. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE CONTRATO FORMAL. CONTRATAÇÃO POR TELEFONE. CARÊNCIA DE INFORMAÇÕES AO CONSUMIDOR NO MOMENTO DA CONTRATAÇÃO. DEVER DE INFORMAÇÃO (ART. 6º, III DO CDC). INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO SOBRE A TAXA DE JUROS. VANTAGEM ABUSIVA. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DA MÉDIA DE MERCADO NO MOMENTO DA CONTRATAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.107-36/2001 (RE 529.377; TEMA 33 DA REPERCUSSÃO GERAL). MUDANÇA DE POSICIONAMENTO DO PLENO DO TJRN A FIM DE SE ALINHAR AO ENTENDIMENTO DA CORTE SUPREMA. CONSONÂNCIA COM O STJ (RESP 973.827/RS). ABUSIVIDADE DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS RECONHECIDA DIANTE DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA NO CONTRATO NOS AUTOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. MA-FÉ NÃO CARACTERIZADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em prover parcialmente o recurso, nos termos do voto do relator.

Apelação Cível interposta por JACKSON MATIAS DO NASCIMENTO, em face da sentença do Juiz de Direito da 10ª Vara Cível de Natal, que reconheceu a prescrição e julgou extinto o processo com resolução do mérito, fundamentado no artigo 487, II do Código de Processo Civil. Por fim, o condenou a pagar as despesas do processo e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, ficando tal condenação suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita, nos termos do artigo 98, § 3º do Código de Processo Civil.

Alegou que: ajuizou a demanda visando à exibição e à revisão de todos os contratos de empréstimos firmados com o apelado entre os meses de novembro de 2009 até a presente data; analisando os extratos e áudios apresentados pelo réu, percebe-se que as partes firmaram o primeiro contrato no ano de 2012 e depois de um certo período as partes refinanciam os valores, iniciando uma nova operação; o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no qual as ações declaratórias de nulidade são fundadas em direito pessoal, com aplicação do prazo prescricional de 10 anos, conforme art. 205 do Código Civil, não havendo que se falar em prescrição no caso dos autos; os juros estão sendo cobrados de forma abusiva; deve ser afastada a capitalização de juros, uma vez que sua incidência não consta no contrato e é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro; faz jus à repetição de indébito, na forma dobrada, dos valores cobrados indevidamente pelo recorrido.

Requereu, ao final, afastar a prescrição para: declarar a nulidade da capitalização mensal de Juros, determinando-se o recálculo de forma simples em todos os contratos de empréstimo existente entre as partes; fixar os juros remuneratórios em 1% ao mês e 12% ao ano, ou alternativamente, aplicar o Enunciado n° 530 da Súmula do STJ, fixando a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor; seja determinado a repetição do indébito em dobro dos valores pagos a maior, corrigidos desde cada desembolso e juros de mora da citação; condenar o réu ao pagamento integral das custas e honorários advocatícios.

Contrarrazões pugnando pelo desprovimento do apelo.

O apelante pretende afastar a prescrição reconhecida na sentença. Conforme sua ficha financeira, o primeiro desconto realizado ocorreu em dezembro de 2009 (ID 6248924). Além disso, em suas próprias razões consta a alegação que "ajuizou a presente demanda visando a exibição e a revisão de todos os contratos de empréstimos firmados com o apelado entre os meses de novembro de 2009 até a presente data".

O contrato em lide foi firmado em novembro de 2009, e a demanda ajuizada em 27 de janeiro de 2019, cerca de 9 anos e 2 meses após o inicio da relação contratual. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, as ações declaratórias de nulidade são fundadas em direito pessoal, com aplicação do prazo prescricional de 10 anos, conforme art. 205 do Código Civil, salvo as hipóteses em que a lei não tenha fixado prazo menor:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO. AÇÃO PARA REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO E RESTITUIÇÃO. PRESCRIÇÃO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. AGRAVO DESPROVIDO. I. As ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, cujo prazo prescricional é decenal, conforme o art. 205 do Código Civil. II. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no Ag: 1291146 MG 2010/0050642-3, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 18/11/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2010)

Cumpre esclarecer que o prazo prescricional deste tipo de ação começa a contar na data em que o contrato foi assinado pelas partes. Sendo assim, deve ser afastada a prescrição do direito da parte autora, tendo em vista que a ação foi interposta antes de novembro de 2019.

Por ser caso de aplicar o art. 1.013, § 3º, inciso III do CPC, eis que a causa se encontra madura para imediato julgamento por esta Corte de Justiça, passo a analisar o mérito.

Esclareço que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações de consumo envolvendo instituições financeiras, conforme entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores: no Superior Tribunal de Justiça, por meio do Enunciado 297[1] de sua Súmula; no Supremo Tribunal Federal, pelo julgamento da ADI n° 2591/DF[2] (“ADI dos Bancos”).

Sendo assim, há plena possibilidade de revisão judicial das cláusulas contratuais consideradas abusivas previstas em contratos bancários, incompatíveis com a boa-fé ou equidade, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V e art. 51, IV do CDC[3]).

Em processos discutindo a matéria ora analisada, este relator vinha declarando a nulidade das cláusulas que previam a capitalização de juros, com fundamento na decisão proferida pelo Plenário deste Tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível n° 2008.004025-9/0002.00, que declarou a inconstitucionalidade formal do art. 5º da Medida Provisória n° 1.963/2000 (atual MP n° 2.107-36/2001), que admite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Como o referido julgamento foi à unanimidade de votos, passou a vincular os demais órgãos do Tribunal por força do art. 243, caput, do Regimento Interno[4].

Em 04/02/2015, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria de votos, a constitucionalidade formal da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, nos termos do acórdão adiante transcrito:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO.

1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência.

2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país.

3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados.

4. Recurso extraordinário provido.

(RE n° 592.377/RS. Tribunal Pleno. Relator: Min. Marco Aurélio. Relator p/ Acórdão: Min. Teori Zavascki. DJe de 20/03/2015).

Transcrevo, por oportuno, a proclamação do julgamento:

O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade apontada pelo Ministério Público. No mérito, o Tribunal, decidindo o tema 33 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator), que lhe negava provimento e declarava inconstitucional o art. 5º, cabeça, da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001. (...)

Na mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça já havia pacificado seu posicionamento nojulgamento do REsp nº 973.827/RS, o qual foi analisado sob a sistemática dos recursos repetitivos e fixou as seguintes teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a...

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