Acórdão Nº 08027258520218205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2ª Turma Recursal, 07-11-2023
Data de Julgamento | 07 Novembro 2023 |
Classe processual | RECURSO INOMINADO CÍVEL |
Número do processo | 08027258520218205004 |
Órgão | 2ª Turma Recursal |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL
Processo: | RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0802725-85.2021.8.20.5004 |
Polo ativo |
UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. e outros |
Advogado(s): | CELSO DE FARIA MONTEIRO, PRISCILLA MESQUITA BUZZETTI DIAS |
Polo passivo |
LEANDRO DOS SANTOS SILVA e outros |
Advogado(s): | PRISCILLA MESQUITA BUZZETTI DIAS, CELSO DE FARIA MONTEIRO |
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA
2ª TURMA RECURSAL
Gabinete do Juiz Fábio Antônio Correia Filgueira
RECURSO INOMINADO CÍVEL N.º 0802725-85.2021.8.20.5004
RECORRENTE/RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
ADVOGADO: CELSO DE FARIA MONTEIRO
RECORRIDO/RECORRENTE: LEANDRO DOS SANTOS SILVA
ADVOGADA: PRISCILLA MESQUITA BUZZETTI DIAS
JUIZ RELATOR: FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA
EMENTA: RECURSOS INOMINADOS. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS POR LUCRO CESSANTE E DE DANOS MORAIS C/C TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINARES. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PRESUNÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO AFASTADA. QUEBRA DA DIALETICIDADE RECURSAL. REJEIÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. SUSCITAÇÃO DE OFÍCIO. EXTRATOS COM MÉDIA DE GANHOS SEMANAIS DO MOTORISTA APRESENTADOS APENAS EM FASE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. FATO ANTIGO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO NOVO E DE JUSTIFICATIVA PARA O ATO EXTEMPORÂNEO. EXEGESE DO ARTS. 435 DO CPC. PROVA SURPRESA. VEDAÇÃO. ARTS. 10 E 933 DO CPC. VIOLAÇÃO DO AMPLO CONTRADITÓRIO. MÉRITO. DESCREDENCIAMENTO UNILATERAL DE PARCEIRO/MOTORISTA DA PLATAFORMA UBER. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INAPLICABILIDADE DO CDC. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MAU USO DO APLICATIVO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE CONDUTA CONTRÁRIA OU ATENTATÓRIA AOS TERMOS DE USO E CÓDIGO DE CONDUTA DA PLATAFORMA. ÔNUS PROBATÓRIO FRUSTRADO. INOBSERVÂNCIA DO ART. 373, II DO CPC. CONDUTA ABUSIVA NO CANCELAMENTO DO PACTO. MOTIVAÇÃO NÃO COMPROVADA. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA NO PROCESSO DE VERIFICAÇÃO DE SEGURANÇA. INOBSERVÂNCIA DO DEVER LEGAL DE JUSTIFICAR O AFASTAMENTO INOPINADO DO PARCEIRO. CONFIGURAÇÃO DE ATO ILÍCITO. RESTABELECIMENTO DO PERFIL COMO MOTORISTA. LIBERDADE CONTRATUAL. DELIMITAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E BOA-FÉ OBJETIVA. EXEGESE DOS ARTS.421 E 422 DO CC. LUCRO CESSANTE NÃO COMPROVADO NO MOMENTO OPORTUNO. DENEGAÇÃO. DANO MORAL CARACTERIZADO. SUPERAÇÃO DO MERO ABORRECIMENTO. ÚNICO MEIO DE SUBSISTÊNCIA PRÓPRIO E FAMILIAR. QUANTIFICAÇÃO. ADOÇÃO DOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO. ADEQUAÇÃO À MÉDIA DEFINIDA NESTA TURMA RECURSAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DESCABIMENTO. PRETENSÃO LEGÍTIMA. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE. RECURSOS CONHECIDOS. DESPROVIMENTO DE UM DELES E PROVIMENTO PARCIAL DO OUTRO.
1 – Recursos Inominados interpostos contra a sentença que julga parcialmente procedentes as pretensões formuladas na inicial, condenando a empresa recorrente ao restabelecimento do perfil do recorrido como motorista da plataforma Uber e ao pagamento de R$ 10.000,00, a título de danos morais.
2 – Rejeita-se a impugnação à gratuidade suscitada, em face da presunção relativa de veracidade da alegação de hipossuficiência, não abalada pelo cenário probatório dos autos, razão pela qual se concede o referido benefício à parte autora e dispensa-se o preparo, a teor do art. 99, § 7º, do mesmo diploma legal.
3 – Afasta-se a preliminar de quebra da dialeticidade recursal, se há indicação dos fundamentos de fato e de direito considerados hábeis à reforma da sentença, nos pontos contra os quais se insurge.
4 – Suscita-se, de ofício, a preclusão consumativa de juntada documental em grau de reexame, consistente em extratos dos ganhos semanais do autor recorrente como motorista parceiro da plataforma, segundo dispõe o art. 435 do CPC, pois não se trata de documento novo, superveniente à sentença, de modo que a sua apresentação, apenas, no recurso caracteriza a prova surpresa, vedada pelos arts. 10 e 933 do CPC, até por não trazer justificativa plausível da impossibilidade de tê-lo feito anteriormente, e a violação do princípio do amplo contraditório.
5 – Versando a lide acerca de contrato de serviço de motorista da plataforma Uber, deve ser resolvida nos termos da legislação civil, e não do Código de Defesa do Consumidor.
6 – A empresa que não comprova a prática, pelo motorista parceiro, de condutas contrárias aos termos de uso e código de conduta de sua respectiva plataforma não se desincumbe de seu ônus probatório, nos termos do art. 373, II, do CPC, uma vez que impor à contraparte a prova negativa da não violação das normas da empresa constitui afronta ao § 2º desse diploma legal.
7 – O princípio da autonomia privada, representada pela liberdade contratual, não autoriza um dos contratantes, em especial a parte forte da relação contratual, atuar de forma abusiva, pois sofre a delimitação das premissas da função social do contrato, art. 421 do Código Civil, que exige respeito à dignidade dos envolvidos no vínculo jurídico, e da boa-fé objetiva, art. 422 do Código Civil, a qual reclama conduta honesta e leal das partes do contrato, de modo a impedir que um delas se sobreponha, devido ao poderio econômico ou técnico, à outra, a exemplo de romper a pactuação com base em alegações infundadas, a resultar em danos materiais e morais.
8 – A abusividade da conduta da empresa, na medida em que realiza o descredenciamento do motorista parceiro de sua plataforma sem sequer oportunizar-lhe o direito de saber a suposta falta praticada, ainda mais quando demonstrada a negligência da empresa ao realizar o procedimento de verificação de segurança, configura ato ilícito capaz de fundamentar o restabelecimento do seu perfil e a compensação moral, pois o descredenciamento imotivado afronta a função social do contrato e a boa-fé objetiva, conforme entendimento desta Turma Recursal: RI nº 0805077-98.2021.8.20.5106, 2º Juiz Relator José Conrado Filho.
9 – Os danos morais decorrem do transtorno, angustia, medo, mágoa e sentimento de impotência do motorista parceiro diante da conduta inesperada e imotivada da empresa em suspender o seu perfil perante a plataforma, afetando até mesmo a subsistência dele, por ser a única fonte de renda.
10 – Na indenização do dano moral, cabe levar em conta a moderação, sem proporcionar o enriquecimento súbito do lesado ou a ruína do agente causador do dano, para tanto, alguns elementos são considerados, a exemplo da condição socioeconômica do ofendido, a do ofensor, a natureza e a intensidade da lesão provocada, ainda, pondere-se o caráter repressivo da conduta lesiva, sempre à luz dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade.
11 – À luz do cenário fático jurídico do qual se extraem as peculiaridades do caso para definir a quantificação indenizatória extrapatrimonial, afigura-se razoável reduzi-la para o valor de R$ 6.000,00, pois melhor atende aos parâmetros acima mencionados, por não ser ínfima a compensar o desgaste emocional suportado, ao mesmo tempo que observa o caráter preventivo e pedagógico inerente ao instituto da responsabilidade civil moral, valor esse que está na média definida nesta 2ª Turma Recursal.
12 – Ante a ausência de comprovação, até a prolação da sentença, dos efetivos danos relativos aos lucros cessantes, ônus que se impunha ao motorista parceiro e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o art. 373, I, do Código de Processo Civil, descabe a indenização postulada a esse título.
13 – O exercício do direito de defesa, inclusive via recursal, ainda mais quando não infundado, não caracteriza situação de litigância de má-fé.
14 – Voto por conhecer dos recursos interpostos pelas partes; em relação ao do motorista recorrente, nego-lhe provimento; quanto ao da empresa recorrente, dou-lhe parcial provimento, apenas, para reduzir o valor da indenização por danos morais, que passa a ser R$ 6.000,00, mantida a sentença nos seus demais termos.
15 – Custas e honorários, estes arbitrados em 10% da condenação, tão só, em desfavor do motorista recorrente, mas fica suspensa a cobrança devido à gratuidade da justiça concedida.
16 – Voto de acordo com a primeira parte do art. 46 da Lei 9.099/95.
ACÓRDÃO
DECIDEM os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal Permanente dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, rejeitar as preliminares suscitadas, acolher, de ofício, a preclusão da juntada da prova em grau de recurso e conhecer dos Recursos Inominados interpostos pelas partes; em relação ao do motorista recorrente, negar-lhe provimento; quanto ao da empresa recorrente, dar-lhe provimento, em parte, nos termos do voto do Relator. Custas e honorários, estes arbitrados em 10% da condenação, tão só, em desfavor do motorista recorrente, mas fica suspensa a cobrança devido à gratuidade da justiça concedida.
Natal/RN, data conforme o registro do sistema.
FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA
1º Juiz Relator
RELATÓRIO
Sem relatório, consoante o art. 38, da Lei 9.099/95.
VOTO
Julgamento conforme a primeira parte do art. 46 da Lei 9.099/95.
Submeto, nos termos do art. 40, da Lei n. 9.099/95, o presente projeto de Voto para fins de homologação por parte do Juiz de Direito.
Jaqueline Spíndola da Silva
Juíza Leiga
HOMOLOGAÇÃO
Com arrimo no art. 40, da Lei nº 9.099/95, bem como por nada ter a acrescentar ao entendimento acima exposto, HOMOLOGO na íntegra o projeto de Voto para que surta seus jurídicos e legais efeitos.
FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA
1º Juiz Relator
Natal/RN, 31 de Outubro de 2023.
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