Acórdão Nº 08027760220218205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 08-11-2023

Data de Julgamento08 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08027760220218205100
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0802776-02.2021.8.20.5100
Polo ativo
MICARLA DA SILVA DE SOUZA
Advogado(s): LUCIANA LUCENA BEZERRA DE AZEVEDO LEITE
Polo passivo
COMPANHIA ENERGETICA DO RIO GRANDE DO NORTE COSERN
Advogado(s): WAGNER SOARES RIBEIRO DE AMORIM, EVERSON CLEBER DE SOUZA

EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSTALAÇÃO DE POSTE E REDE DE DISTRIBUIÇÃO EM PROPRIEDADE PARTICULAR. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À OBSERVÂNCIA DAS NORMAS TÉCNICAS NA DISPOSIÇÃO DA LINHA DE TRANSMISSÃO E POSTEAMENTO. CABOS DE ENERGIA QUE PASSAM PELO IMÓVEL E LIMITAM O EXERCÍCIO DOS DIREITOS INERENTES À PROPRIEDADE. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA PELA REMOÇÃO E/OU DESLOCAMENTO DAS ESTRUTURAS INSTALADAS, SEM CUSTOS AO CONSUMIDOR. LESÃO EXTRAPATRIMONIAL NÃO CARACTERIZADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA APTA A ENSEJAR COMPENSAÇÃO INDENIZATÓRIA. MERO DISSABOR. REFORMA DO JULGADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em turma, à unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Micarla da Silva de Souza em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Assu que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais nº 0802776-02.2021.8.20.5100, ajuizada em desfavor da Companhia Energética do Rio Grande do Norte – COSERN, julgou improcedente a demanda, nos seguintes termos (ID 18731030):

[...]

Diante de todo o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido contido na inicial.

Defiro os benefícios da justiça gratuita, em seguida, condeno a autora no pagamento de custas e honorários processuais, estes no percentual de 10% (dez por cento) do valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade deferida.

Caso seja interposta apelação, intime-se a parte apelada para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente contrarrazões ao recurso de apelação ora interposto.

Caso o apelado interponha apelação adesiva, intime-se o apelante para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente as contrarrazões respectivas.

Escoados tais prazos, com ou sem manifestação das partes, remetam-se os autos ao eg.Tribunal de Justiça deste estado.

Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.”

Em suas razões recursais (ID 18731031), a parte autora sustenta, em síntese, que: a) A Apelante comprovou a posse e a propriedade, embora não possua a escritura pública; b) a concessão que a Apelada possui é tão somente em relação a terrenos públicos, não podendo a mesma se apropriar de terreno particular para passar suas linhas de transmissão; c) A ausência de alvará de construção por parte da Apelante, não gera direito da Apelada sobre o imóvel, não podendo esta se apropriar de espeço particular; d) Fica evidente, que a Apelada deve retirar a linha de transmissão e indenizar à Apelante, tendo em vista que o terreno não é de propriedade do poder público, não sendo cabível a alegação de que a Apelada possui concessão para instalar seus equipamentos.

Com esteio na argumentação supra, requereu a reforma da sentença para impor à Apelada a retirada da linha de transmissão do terreno de propriedade da Apelante e condená-la ao pagamento de indenização por danos morais.

Intimada, a companhia demandada ofereceu contrarrazões (ID 18731034).

Com vistas dos autos, o Ministério Público, por intermédio da 15ª Procuradoria de Justiça, declinou de sua intervenção no feito (ID 20094069).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

A controvérsia posta em julgamento cinge-se em aferir a responsabilidade pela remoção de postes e rede de energia elétrica que perpassam pelo terreno de propriedade da parte autora, ora Apelante, bem como em perquirir a configuração ou não de dano moral indenizável na hipótese.

De início, destaca-se que a relação jurídica estabelecida entre a concessionária de serviço público e o(a) usuário(a) final é regida pelas regras estatuídas no Código de Defesa do Consumidor, estando a parte autora enquadrada no conceito consumidor(a), ainda que por equiparação, e a parte ré no de fornecedor, a teor dos arts. e , do CDC:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Não por outra razão, o art. 6º, X, e o art. 22, da Lei nº 8.078/1990, assim dispõem:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.”

A partir desse contexto, a lide deve ser analisada sob a ótica da legislação consumerista, sobretudo no que pertine à inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC) e à responsabilidade objetiva do fornecedor (art. 14, do CDC).

In casu, a pretensão deduzida na exordial objetiva compelir a companhia Apelada a proceder com a remoção de poste e respectiva fiação que foram instalados em terreno de propriedade da Apelante, impedindo-a de dar continuidade a uma construção no local.

Como é cediço, os custos de remoção ou deslocamento das redes de transmissão de energia correm às expensas do usuário/consumidor, quando o serviço é por ele solicitado e em atendimento aos seus próprios interesses, conforme previam os arts. 44, inciso VII, e 102, incisos XIII e XIV, da Resolução Normativa nº 414/2010, da ANEEL (revogada pela REN nº 1.000/2021), in verbis:

Art. 44. O interessado, individualmente ou em conjunto, e a Administração Pública Direta ou Indireta, são responsáveis pelo custeio das obras realizadas a seu pedido nos seguintes casos:

[...]

VII – deslocamento ou remoção de poste e rede, nos termos do art. 102;

Art. 102. Os serviços cobráveis, realizados mediante solicitação do consumidor, são os seguintes:

[...]

XIII – deslocamento ou remoção de poste; e

XIV – deslocamento ou remoção de rede;”

Nada obstante, a normativa supra mencionada transmitia regra geral, aplicável às hipóteses em que, estando as estruturas e equipamentos regularmente instalados no local, o serviço era solicitado pelo consumidor para atender sua própria conveniência ou interesse.

Tanto é verdade que a REN nº 1.000/2021, da ANEEL, ao regulamentar novamente a matéria, assim definiu:

Art. 110. O consumidor, demais usuários e outros interessados, incluindo a Administração Pública Direta ou Indireta, são responsáveis pelo custeio das seguintes obras realizadas a seu pedido:

[...]

IV - deslocamento ou remoção de poste e rede, observado o §3º;

[...]

§3º A distribuidora deve executar e custear o deslocamento ou a remoção de postes e rede, após solicitação, nas seguintes situações:

I - instalação irregular realizada pela distribuidora, sem observar as regras da autoridade competente; e

II - rede da distribuidora desativada.”

Como se vê, conquanto seja do consumidor o ônus de suportar as despesas referentes aos serviços por si solicitados, é de responsabilidade da concessionária o custeio e execução das obras de deslocamento de postes e redes de transmissão instalados de maneira irregular.

No caso em análise, tratando-se de relação de consumo e estando provada a legítima posse do terreno pela parte autora, incumbia à empresa ré comprovar, indene de dúvidas, que a rede de transmissão e o posteamento foram regularmente instalados no local, inclusive, com observância às normas técnicas previstas para a hipótese.

No entanto, a despeito do encargo probatório, a concessionária demandada limitou-se a argumentar, genericamente, que as estruturas foram instaladas em espaço público, cuja servidão lhe pertencia, sem, contudo, acostar qualquer documento que embasasse essa alegação.

Para além da ausência de provas quanto à instituição de servidão administrativa, também não há qualquer elemento que evidencie a suposta precedência dos postes e da rede de distribuição de energia em relação às obras realizadas pela autora na propriedade.

Ressalte-se, por importante, que sequer há provas de que a instalação da rede elétrica se deu em consonância com os padrões técnicos exigidos, a exemplo das Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT NBR 9050:2020), de modo a garantir a segurança das residências na localidade, bem como a acessibilidade, circulação e construções dos imóveis.

Noutro pórtico, a Recorrente demonstrou, de maneira suficiente, que é a legítima possuidora do imóvel em questão, conforme se observa do...

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