Acórdão Nº 08028073020208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 12-05-2020

Data de Julgamento12 Maio 2020
Classe processualRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Número do processo08028073020208200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 0802807-30.2020.8.20.0000
Polo ativo
JOSE AILTON DE SOUZA
Advogado(s): RICARDO CRUZ REVOREDO MARQUES
Polo passivo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

Recurso em Sentido Estrito nº 0802807-30.2020.8.20.0000.

Recorrente: José Ailton de Souza.

Advogado: Dr. Ricardo Cruz Revoredo Maques (OAB/RN nº 6.559).

Recorrido: Ministério Público.

Relator: Desembargador Glauber Rêgo.

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECORRENTE PRONUNCIADO PELA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, §2º, IV, DO CÓDIGO PENAL). PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO PEDIDO DE DECOTE DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL, SUSCITADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. MÉRITO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA, SOB ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA. INVIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS, NESTE MOMENTO PROCESSUAL, QUE POSSAM INDICAR DE FORMA ROBUSTA E CONCRETA QUE O AGENTE AGIU REPELINDO INJUSTA AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE. MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA A SUSTENTAR A DECISÃO DE PRONÚNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 413 DO CPP. FASE NA QUAL PREVALECE O PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. PEDIDO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA REFERENTE AO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONFIGURADA MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DESTA. QUESTÃO A SER SUBMETIDA AO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em acolher a preliminar suscitada pela 5a Procuradoria de Justiça de não conhecimento do pedido de exclusão da qualificadora do motivo fútil por ausência de interesse recursal; no mérito, em relação a matéria restante, por igual votação e em consonância com o parecer do parquet de segundo grau, em conhecer e desprover o recurso, tudo nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por José Ailton de Souza, já qualificado nos autos, em face da decisão oriunda da 1ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN, que o pronunciou pela suposta prática do delito tipificado no art. 121, §2º, IV, do Código Penal (ID 5652595 – págs. 15-24).

O recorrente, em suas razões (ID 5652597 – pág. 07 a ID 5652599 – pág. 03), requereu a reforma da decisão guerreada para o fim de ser declarada: i) a sua absolvição sumária, sob alegação de legítima defesa; ii) subsidiariamente, que sejam decotadas as qualificadoras (incisos II e IV do art. 121, §2º, do CP).

Em sede de contrarrazões (ID 5652599 – págs. 12-17), o Ministério Público de primeira instância pugnou pela manutenção da decisão vergastada.

Em juízo de retratação (ID 5652599 – págs. 19-20), a Magistrada de primeiro grau manteve a decisão recorrida.

Instada a se pronunciar, a 5ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento parcial (não conhecimento do pedido de exclusão da qualificadora do motivo fútil por ausência de interesse recursal) e, na parte conhecida, pelo desprovimento do recurso (ID 5880775 – págs. 01-08).

É o relatório.

VOTO


PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO QUANTO AO PEDIDO DE DECOTE DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL, SUSCITADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA.


Consoante relatado, o recorrente pugnou, como pleito subsidiário, o decote das qualificadoras de motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima.

A 5a Procuradoria de Justiça, em seu parecer, suscitou preliminar de não conhecimento do recurso quanto ao pedido de exclusão da qualificadora referente ao motivo fútil, por ausência de interesse recursal.

Acolho a preliminar suscitada.

Isto porque, de uma simples leitura da sentença de pronúncia, observa-se que a Magistrada natural já havia decotado a referida qualificadora, fundamentando ser esta manifestamente incabível.

Assim, diante da ausência de interesse recursal quanto a este ponto, deixo de conhecê-lo.


MÉRITO


Conheço dos demais termos do recurso por estarem presentes os seus requisitos de admissibilidade.

Destaco que o pleito do recorrente de absolvição sumária em razão de legítima defesa não deve ser acolhido. Explico.

Inicialmente, impende destacar que a pronúncia é norteada por juízo de admissibilidade da acusação, em que a fundamentação limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Ao contrário do que ocorre na fase de julgamento, onde deve-se atender ao princípio do in dubio pro reo, prevalece na etapa de pronúncia o princípio do in dubio pro societate e, desde que o magistrado se convença da materialidade do crime e dos indícios de autoria, cabe ao juiz natural da causa, o Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, "d", CF), decidir sobre a absolvição, condenação, desclassificação e manutenção das qualificadoras.

Este vem sendo o entendimento desta Câmara Criminal:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELA DEFESA. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO (ART. 121, § 2º, II E IV, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE MATAR E DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRONÚNCIA QUE ENCERRA JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE, NÃO DE CERTEZA. PROVA DA MATERIALIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE APLICÁVEL NA FASE PROCESSUAL. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO SUFICIENTEMENTE MOTIVADA. PRONÚNCIA MANTIDA.PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. PRECEDENTES DO STJ E DESTE TRIBUNAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. CONSONÂNCIA COM PARECER DA 68ª PROMOTORA DE JUSTIÇA, EM SUBSTITUIÇÃO NA QUARTA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. (TJRN. Recurso em Sentido estrito nº 2017.018669-4, Órgão Julgador: Câmara Criminal. Rel. Des. Gilson Barbosa, julgado em 19/06/2018 – destaques acrescidos).


Nesse diapasão, verifica-se que a decisão de pronúncia não representa juízo definitivo, mas tão somente de admissibilidade da acusação, além de estar em conformidade com os preceitos do art. 413 do Código de Processo Penal e seus parágrafos.

Registre-se que, por ser a fase de pronúncia norteada pelo princípio in dubio pro societate, ainda que exista dúvida acerca do fato delitivo e de sua autoria, deve o magistrado remeter os autos ao juiz natural da causa, qual seja, o Tribunal do Júri.

Observe-se, ainda, que não é imprescindível que a decisão de pronúncia analise profundamente os elementos de prova constantes dos autos (inclusive, para que não incorra o julgador em exame meritório da acusação) mas, tão somente, que se limite a seguir os requisitos elencados pelo art. 413, caput e §1º, do Código de Processo Penal.

Estabelecidas essas premissas e tendo em mira o contexto do presente caderno processual, vejo que não assiste razão ao recorrente.

De logo, tem-se que a materialidade do delito encontra-se configurada através do Guia de Solicitação de Exame Cadavérico (ID 5652583 – pág. 21), do Laudo de Exame Necroscópico (ID 5652585 – págs. 10-11) e da Certidão de Óbito (ID 5652582 – pág. 25), que constatam como causa da morte “anemia aguda, devido a ‘status’ pós cirúrgico, devido a hemorragia interna, devido a ferimentos de vísceras torácicas e vasos e vísceras abdominais decorrentes de ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo”.

Quanto aos indícios de autoria, verificam-se através dos depoimentos das testemunhas em juízo e da própria confissão da prática do crime pelo réu (mídia audiovisual disponibilizada em Pasta Digital), embora alegue que agiu sob o instituto da legítima defesa putativa, pois estava na iminência de sofrer uma injusta agressão por parte da vítima.

Vejamos trechos da decisão de pronúncia que faz referência aos depoimentos colhidos em juízo (ID 5652595 – págs. 17-18):


“A testemunha Ivair Bonifácio de Souza, quando inquirida em Juízo, disse que era "amigo de feira" do Réu, declarando que não estava no dia da morte de Elione; que as pessoas lhe disseram que o acusado JOSÉ AILTON DE SOUZA tinha atirado em Elione; que no dia anterior, na feira da cidade de esperança o namorado de Elione já vinha ameaçando o réu; que o namorado de Elione era bastante agressivo e batia, inclusive, nela; que soube que Elione foi lá conversar com o acusado, e este se sentiu ameaçado e atirou nela; que Elione chegou para falar com o acusado a respeito da discussão anterior havida entre o réu e Pedro (namorado da vítima); que não presenciou a morte...

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