Acórdão Nº 08029426520208205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 09-11-2021

Data de Julgamento09 Novembro 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08029426520208205004
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0802942-65.2020.8.20.5004
Polo ativo
GUSTAVO HENRIQUE SILVA AMORIM
Advogado(s): VINICIUS PAULUS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
Polo passivo
BOOKING.COM BRASIL SERVICOS DE RESERVA DE HOTEIS LTDA.
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

RECURSO CÍVEL N.º 0802942-65.2020.8.20.5004

RECORRENTE: GUSTAVO HENRIQUE SILVA AMORIM

ADVOGADO: DR. VINÍCIUS PAULUS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

RECORRIDO: BOOKING.COM BRASIL SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTEIS LTDA.

ADVOGADOS: DR. ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO E OUTRO

RELATOR: JUIZ RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESERVA DE HOTEL PELA “INTERNET”. COBRANÇA DE VALOR SUPERIOR AO INDICADO NA PLATAFORMA DIGITAL DA PARTE RÉ. VALOR QUE SOFREU ACRÉSCIMO EM RAZÃO DA CONVERSÃO DO DÓLAR PARA O REAL, ALÉM DA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS – IOF. LEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA RÉ, QUE SE INSERE NO CONCEITO DE FORNECEDOR PREVISTO NO ARTIGO 3º DO CDC. ANÚNCIO QUE INDICAVA O VALOR DA COMPRA SEGUIDO DA FRASE “IMPOSTOS E TAXAS INCLUÍDOS”. CONFIGURAÇÃO DE PROPAGANDA ENGANOSA (CDC, ART. 37, § 1º). ANULAÇÃO DA SENTENÇA DE PISO QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA. CAUSA MADURA PARA JULGAMENTO. ART. 1.013, 3º, INCISO I, DO CPC QUE FRANQUEIA O ENFRENTAMENTO DO MÉRITO DA AÇÃO PELO ÓRGÃO DE 2º GRAU. CONDENAÇÃO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA DOBRADA (CDC, ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO. DANOS MORAIS NÃO RECONHECIDOS. A MERA COBRANÇA INDEVIDA NÃO CONFIGURA DANO MORAL “IN RE IPSA”. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE OFENSA A DIREITOS DA PERSONALIDADE DO CONSUMIDOR QUE, A DESPEITO DO VALOR INDEVIDO COBRADO, EFETIVOU A COMPRA E REALIZOU A VIAGEM, SEM PREJUÍZOS EXTRAPATRIMONIAIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para, anulando a sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, julgar procedente o pedido de condenação à restituição do valor de R$ 158,46 (cento e cinquenta e oito reais e quarenta e seis reais), já em dobro, conforme o disposto no artigo 42, parágrafo único, do CDC, nos termos do voto do relator.

Sem condenação em custas processuais e em honorários advocatícios em face do disposto no art. 55, caput, da Lei nº 9.099/95.

Participaram do julgamento, além do Relator, os magistrados Sandra Elali e Mádson Ottoni.

Natal, 08 de novembro de 2021.

RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO

Juiz Relator

I – RELATÓRIO

1. Recurso Inominado interposto por GUSTAVO HENRIQUE SILVA AMORIM contra sentença, proferida pelo 11º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal, que julgou extinta, sem julgamento de mérito, a demanda ajuizada contra a empresa BOOKING.COM BRASIL SERVICOS DE RESERVA DE HOTEIS LTDA.

2. Na sentença, a MM. Juíza, Drª. Renata Aguiar de Medeiros Pires, acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela empresa ré, por considerar não ser esta a responsável pela conversão do valor da compra lançada na fatura do cartão de crédito do autor.

3. Destacou, ainda, que, após a finalização da compra pelo sítio eletrônico da parte ré, a operadora do cartão de crédito foi responsável pela conversão do valor de R$ 745,00 (setecentos e quarenta e cinco reais) para o dólar e, posteriormente, para o real, o que culminou no lançamento do montante de R$ 824,23 (oitocentos e vinte e quatro reais e vinte e três centavos).

4. Nas razões recursais, o recorrente sustentou, em síntese, que a empresa recorrida deve ser considerada fornecedora de serviços, nos termos da legislação consumerista e, portanto, responsável pela omissão das informações quanto à conversão da compra do dólar para o real. Requereu, ao fim, a modificação da sentença e que a sua pretensão seja julgada procedente, para que a empresa recorrida seja condenada à restituição do indébito, na forma dobrada, e ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de compensação por danos morais.

5. Nas contrarrazões, a empresa recorrida arguiu, em sede de preliminar, a sua ilegitimidade para compor o polo passivo da demanda, alegando que não é proprietária dos serviços anunciados em sua plataforma, funcionando apenas como intermediadora entre os consumidores e os fornecedores das hospedarias, verdadeiros responsáveis pelas informações disponibilizadas no seu sítio eletrônico.

6. No mérito, alegou que não é responsável pela omissão nas informações quanto à conversão da compra feita pelo autor, mas que essa omissão sequer existiu, pois a operadora do cartão de crédito discriminou todos os valores a serem pagos na operação contratada pelo consumidor, de modo que ele estava plenamente ciente das operações financeiras envolvendo a compra da reserva do quarto de hotel.

7. Arguiu, ainda, que não estão presentes os requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil por danos morais, já que não há prova de qualquer abalo sofrido pelo autor. Por fim, defendeu o não cabimento da condenação à repetição do indébito na forma dobrada, pois não restou demonstrado o nexo de causalidade entre o ato do agente causador e o dano efetivamente ocorrido, nem prova de má-fé por parte da empresa recorrida.

8. É o relatório.

II – VOTO

9. Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

10. O recorrente tem razão parcial.

11. Primeiramente, entendo que o Código de Defesa do Consumidor se aplica à relação jurídica formada entre as partes, porque a empresa recorrida presta serviço de reserva de unidade hoteleira, que não se trata de mera intermediação por dois motivos principais. Primeiro, porque, nos termos do artigo 3º, caput e § 2º, do CDC, a empresa recorrida é uma pessoa jurídica, privada e nacional, que tem como atividade a prestação de serviço de reserva de acomodações disponíveis em hoteis e pousadas a ela conveniados, auferindo lucro advindo de parte do valor da reserva paga pelo consumidor. Depois, porque a parte ré é responsável não só pela divulgação das reservas em seu sítio eletrônico, mas também pela efetivação dessas reservas, a partir do recebimento dos dados dos cartões de crédito dos consumidores, tendo papel fundamental e essencial na finalização das compras.

12. Acresce que, como já mencionado acima, a empresa de reserva mantém convênio/contrato com o estabelecimento de hospedagens, participando diretamente da relação contratual, cabendo enfatizar que, muitas das vezes, os consumidores já buscam os serviços da “Booking.com” cientes de que terão descontos e comodidades não alcançadas por meio da reserva comum, pelos meios disponibilizados somente pelo estabelecimento hoteleiro.

13. Tem-se, pois, que a recorrida é parte legítima e, portanto, deve ser anulada a sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito.

14. Estando a causa madura para julgamento, eis que cumprido o contraditório e produzidas as provas necessárias ao deslinde da demanda, passa-se a enfrentar o mérito, a teor da franquia do art. 1.013, § 3º, inciso I, do NCPC.

15. Fixadas as premissas acima (itens 11 e 12 supra), a empresa recorrida tem o dever de prestar as informações de forma clara aos seus pretensos contratantes, em cumprimento aos artigos 6º, inciso III, e 54, § 3º, do CDC.

16. Contudo, em análise aos documentos anexados aos Ids. N.ºs 7816347, 7816348, 7816349, 7816350, 7816352, 7816353 e 7816354, constato que a informação existente sobre o valor do pagamento não é clara, posto que indica como preço pela reserva o montante de R$ 745,00 (setecentos e quarenta e cinco reais), seguido da frase: “impostos e taxas incluídos”.

17. Ora, tem razão o recorrente quando afirma que a informação contida no sítio eletrônico do Booking é enganosa (CDC, art. 37, § 1º), pois dá ao consumidor a falsa impressão de que ele pagará pelo serviço apenas aquele valor específico, nada mais, nada menos.

18. Não procede a afirmação, feita pela recorrida, de que o autor produziu prova contra a si quando juntou à exordial as informações prestadas pela operadora de cartão de crédito discriminando todos os valores a serem pagos na operação contratada, pois estaria ciente dos acréscimos incidentes sobre o valor da compra.

19. É que o “e-mail” enviado pela operadora de cartão de crédito “Nubank” foi enviado ao consumidor quando a compra da reserva já havia sido efetivada e confirmada, razão pela qual não há prova de que ele estava ciente da incidência dos valores decorrentes da conversão de moeda e do Imposto sobre Operações Financeiras.

20. Por conseguinte, entendo que a sentença deve ser modificada para julgar procedente o pedido de condenação à restituição do indébito, a qual, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do CDC, deve ser feita na forma dobrada.

21. Por outro lado, contudo, não vislumbro a ocorrência de dano moral indenizável, pois, apesar da cobrança indevida, a reserva não precisou ser cancelada e a viagem foi realizada normalmente, de modo que o “quantum” cobrado em excesso não impediu o autor de efetuar o pagamento das diárias.

22. É que a mera cobrança de valores indevidos, a despeito de gerar aborrecimentos ao consumidor, não tem aptidão para dar causa a um legítimo dano moral passível de reparação, sobretudo quando não há demonstração de que a conduta ilícita ocasionou ofensa aos seus direitos da personalidade, ou mesmo a perda de seu tempo produtivo.

23. Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, anulando a sentença recorrida, que extinguiu o feito sem resolução do mérito, para reconhecer a legitimidade passiva...

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