Acórdão Nº 08031202720198205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 03-03-2022

Data de Julgamento03 Março 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08031202720198205108
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0803120-27.2019.8.20.5108
Polo ativo
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
Advogado(s): NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO
Polo passivo
COSME SILVEIRA
Advogado(s): RAUL VINNICCIUS DE MORAIS

Recurso inominado cível nº 0803120-27.2019.8.20.5108

Origem: Juizado Especial da Comarca de Pau dos Ferros

Recorrente: BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.

Advogado: NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO

Recorrido: COSME SILVEIRA

Advogado: RAUL VINNICIUS DE MORAIS

Relator: Valdir Flávio Lobo Maia

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO DE DANOS. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL REJEITADA, EM FACE DA DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO. VALIDADE. PRESENÇA DE DIGITAL DO AUTOR E IDENTIFICAÇÃO DE TESTEMUNHAS, UMA DELAS FILHA DO AUTOR. COMPROVAÇÃO DE VALORES CREDITADOS EM CONTA. CELEBRAÇÃO DO CONTRATO COMPROVADA PELO DEMANDADO. LEGALIDADE DOS DESCONTOS. SENTENÇA REFORMADA. DANOS MORAIS AFASTADOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Temporária dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e, por maioria de votos, dar-lhe provimento, para julgar improcedente a ação. Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios em face do provimento do recurso.Vencido o Juiz José Maria Nascimento que votou pela manutenção da sentença, eis que o contrato juntado não preenche os requisitos legais.

Natal, 22 de fevereiro de 2022.

Valdir Flávio Lobo Maia

3º Juiz Relator

RELATÓRIO

Sentença que se adota:

SENTENÇA

Vistos etc.

Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95.

Inicialmente, no que tange a preliminar de falta de interesse de agir, percebo que a mesma não merece acolhimento, visto que não se impõe a parte autora a obrigatoriedade de tentar resolver extrajudicialmente a controvérsia, diante do direito de acesso à justiça e a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da CF/88), mesmo porque a experiência demonstra o insucesso dessas tentativas.

De igual modo não merece prosperar a preliminar de incompetência do Juizado Especial, posto que, em que pese seja sabido que, a teor do art. 3º da Lei n.º 9.099/95, os juizados especiais cíveis detêm competência para processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, de modo que a realização de prova pericial acaba por afastar-se de sua alçada, no caso dos autos, conforme se verá no mérito, o instrumento contratual padece de vício formal que já o contamina de pronto, dispensando qualquer averiguação pericial.

Igualmente, não há que se falar em conexão dos processos de n.º 0803119-42.2019.8.20.5108, 0803120-27.2019.8.20.5108, 0803122-94.2019.8.20.5108 e 0803121-12.2019.8.20.5108, posto que embora possuam as mesmas partes dizem respeito a contratos diversos.

Por fim, no que atine a suposta ausência de planilha descritiva do débito, igualmente não verifico a sua necessidade até mesmo porque a confecção daquela depende da efetiva suspensão dos descontos pela demandada, o que somente ocorre quando concedida a medida liminar ou por ocasião da sentença.

Sem outras preliminares ou questões processuais, passo ao exame do mérito.

Destaque-se que encontra-se consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência, havendo, ademais, possibilidade do julgamento do processo no estado em que se encontra.

Ademais, entendo serem plenamente aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, eis que patente uma relação de consumo que vincula as partes, trazendo à inteligência dos arts. e , da Lei nº 8.078/90. Ademais, impende consignar que a relação entre as instituições financeiras e seus clientes enquadra-se no conceito legal de relação consumerista, conforme, aliás, orientação consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 2591, Relator Ministro EROS GRAU) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 279). E por constatar a hipossuficiência da consumidora no que tange à produção de provas, é que fora decretada a inversão do ônus da prova, com escopo no art. 6º, VIII, do CDC. (ID 50022248)

A tese autoral caminha no sentido de que jamais celebrou qualquer contrato de empréstimo consignado junto à demandada, embora esta venha promovendo descontos a esse título em seus proventos. Noutro giro, sustentando a legalidade dos descontos, a promovida juntou aos autos o instrumento contratual e comprovante de transferência de valores.

Ao analisar o contrato juntado pelo banco identifico a irregularidade consistente no fato de a parte autora ser analfabeta. E isso ficou evidenciado pelas cópias dos documentos pessoais da contratada bem como pela aposição da digital no contrato celebrado.

Diante das constatações acima é preciso apurar se as pessoas analfabetas podem contratar empréstimo consignado mediante a aposição da impressão digital no espaço destinado à assinatura. Noutros termos, é possível a contratação mediante instrumento particular com pessoas analfabetas ou é indispensável instrumento público?

A Instrução Normativa do INSS de n. 28/2008, exige como requisito de validade do empréstimo consignado a assinatura do contrato de empréstimo e da autorização de consignação pelo beneficiário do empréstimo, ainda que o contrato tenha sido realizado por meio eletrônico (art. 4º, §5º).

O art. 37, §1 da Lei 6.015/73 determina que as pessoas que não sabem ou não podem assinar devem fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo este colher a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo do declarante. O art. 104, III, do Código Civil exige como requisito de validade do negócio a forma prescrita ou não defesa em lei. Por sua vez, o art. 166, IV do Código Civil taxa de nulo o negócio jurídico que não revestir a forma prescrita em lei.

Na mesma linha dos mencionados dispositivos, o art. 595 do Código Civil, requer-se que seja cumprida uma série de requisitos, o qual impõe a obrigatoriedade de nota elucidativa a confirmar a leitura dos termos da avença ao contratante analfabeto, além da subscrição de duas testemunhas. Afora isso, a jurisprudência vem assentando que além dos requisitos expressamente constantes do mencionado art. 595 do CC, há necessidade de que o contrato celebrado por analfabeto se dê por meio de escritura pública ou, se por escrito particular, através de procurador constituído, forma solene que visa resguardar seus interesses.

Destarte, é patente que um negócio jurídico celebrado por pessoa nesta condição deve ser revestido de forma pública, sob pena de incorrer-se na legitimação de diversos abusos, daqueles que se aproveitam da falta de instrução, além da factível vulnerabilidade que impõe o desconhecimento do vernáculo nas relações sociais, sobretudo numa relação consumerista.

Este é o entendimento seguido por grande parte dos nossos tribunais, em especial o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Senão vejamos:

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO, BEM COMO A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO E DE ASSINATURA A ROGO, COM APOSIÇÃO DE IMPRESSÃO DIGITAL. NULIDADE. ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE CAUTELA NA CONTRATAÇÃO E COBRANÇA DO VALOR. DESCONSTITUIÇÃO DOS DÉBITOS. COMPROVAÇÃO DE QUE O VALOR CONTRATADO FOI DEPOSITADO NA CONTA CORRENTE DA PARTE AUTORA. COMPENSAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO À AUTORA COM O CRÉDITO A ELA OFERTADO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS NO CASO CONCRETO RESPONSABILIDADE DA FINANCEIRA. DANO IN RE IPSA. EXEGESE DOS ARTIGOS , 39, INCISO IV, E 14, § 3º, TODOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL. MANUTENÇÃO DO QUANTUM FIXADO NO JULGAMENTO A QUO. OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRN, AC 2017.002840-2, Terceira Câmara Cível, Relator Des. AMAURY MOURA SOBRINHO, DJe 25/06/2018). [grifos acrescidos]

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO DESACOMPANHADO DE INSTRUMENTO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DE VONTADE DE FORMA VÁLIDA. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL IN RE IPSA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES. (TJRN. Apelação Cível n° 2018.000534-2. 3ª Câmara Cível. Relator: Desembargador João Rebouças. Julgado em 19/03/2018).


EMENTA: ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CELEBRADO POR ANALFABETO. ASSINATURA A ROGO. NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO. NULIDADE DO NEGÓCIO. ADJUDICAÇÃO DESCABIDA. Muito embora seja o analfabeto plenamente capaz para o exercício dos atos da vida civil, noutro viés, não se pode olvidar que para a validade e eficácia dos contratos em geral por ele celebrados devem ser observadas determinadas formalidades, na medida em que a simples aposição de impressão digital em documento particular não constitui prova de que tenha aquiescido com os termos da avença. Em outras palavras, somente por meio de escritura pública ou por intermédio de procurador constituído por
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