Acórdão Nº 08031696620198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 24-07-2019

Data de Julgamento24 Julho 2019
Classe processualDESAFORAMENTO DE JULGAMENTO
Número do processo08031696620198200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO - 0803169-66.2019.8.20.0000
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO RN
Advogado(s):
RÉU: LEONARDO RODRIGUES DO NASCIMENTO e outros
Advogado(s): LEANDRO DANTAS DE QUEIROZ

Pedido de Desaforamento 0803169-66.2019.8.20.0000

Requerente: Ministério Público (1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Areia Branca)

Requerido: Leonardo Rodrigues do Nascimento e João Batista dos Santos Souza Filho

Advogado: Leandro Dantas de Queiroz

Relator: Desembargador SARAIVA SOBRINHO

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DESAFORAMENTO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEQUENO MUNICÍPIO DA REGIÃO LITORÂNEA DO ESTADO. DENUNCIADOS INTEGRANTES DE FACÇÃO CRIMINOSA E COTUMAZES NA PRÁTICA DE CRIMES. TEMOR NA POPULAÇÃO LOCAL. RISCO DE COMPROMETIMENTO DA IMPARCIALIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA DEMONSTRADO. RAZÕES AUTORIZADORAS DA EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA, LEGITIMADAS PELAS INFORMAÇÕES DO MAGISTRADO ATUANTE NO FEITO. DESLOCAMENTO IMPOSITIVO DO JULGAMENTO (ART. 427 DO CPP). TRANSFERÊNCIA PARA A COMARCA DE MOSSORÓ, DADA A SUA PROXIMIDADE. PRECEDENTES DO STF E STJ. DEFERIMENTO DO PEDIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores integrantes do Tribunal Pleno, à unanimidade de votos, em consonância com a 1ª Procuradoria de Justiça, julgar procedente o pedido de desaforamento, transferindo o julgamento para a Comarca de Mossoró, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Pedido de Desaforamento manejado pelo Promotor da Comarca de Caraúbas objetivando o desaforamento do julgamento de Leonardo Rodrigues do Nascimento e João Batista dos Santos Souza Filho, figurantes no polo passivo do processo Penal 0100940-63.2018.8.20.0113, alí em trâmite.

2. Aduz em síntese: i) os requeridos estão sendo acusado pela prática de homicídio qualificado (Inc. II e IV do § 2° do art. 121 c/c 29 todos do CP) são de alta periculosidade, membros da facção criminosa denominada “PCC"; ii) Há forte temor na sociedade no tocante aos requeridos, com elevado risco à imparcialidade dos jurados (id 3386404).

3. Corroborando as afirmações do Ministério Público, o MM. Juiz ressalta, em suas informações existirem elementos aptos a demonstrar que os requeridos causam temor nos moradores do município, acarretando a perda de imparcialidade do Júri (id 3656415).

4. Instada a se manifestar, à 1ª Procuradoria de Justiça, opinou pela procedência do pleito com a transferência do julgamento para Comarca diversa (id 3661510).

5. Defesa apresentada pelo requerido (id 3662927), alegando, em síntese, ser o desaforamento medida de exceção ao princípio geral da competência territorial, sendo seu deferimento condicionado ao reconhecimento da existência de uma ou mais das hipóteses previstas no CPP.

6. Afirma não caracterizar a excepcionalidade apta a justificar o deslocamento do julgamento, as alegações de ter o crime provocado repercussão negativa na comunidade e de ser o réu pessoa violenta ou ostentar condenações pela prática do crime de homicídio, porquanto se mostrarem insuficientes para o desaforamento, pugnando, assim, pela improcedência do pedido.

7. É o relatório.

VOTO

8. Conheço do pedido.

9. Como sabido, é o desaforamento medida de exceção (causa derrogatória da competência do Tribunal do Júri), devendo se achar alicerçado em fatos substanciais indicativos da ocorrência de um dos requisitos insertos no art. 427 do CPP.

10. Compulsando os autos, vislumbro a presença dos indícios aduzidos pelo Parquet requerente (1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Areia Branca) quanto ao temor na população quanto as pessoas dos réus, por serem contumazes na prática de crimes e a cidade de pequeno porte.

11. Ora, a elevada periculosidade dos réus, integrantes de organização criminosa que causa pavor em todo o Estado do Rio Grande do Norte, demonstram de per si a necessidade de deslocamento do Júri para município de maior porte.

12. Tal assertiva, ressoa das palavras do Dr. Victor Hugo de Freitas Leite, Promotor de Justiça, ao constatar esta situação fática (id 3386404):

"(...) A periculosidade dos pronunciados tem o condão de provocar fundada dúvida sobre a imparcialidade dos jurados eis que o crime ao qual se imputa é gravíssimo e a comarca é pequena, cujos jurisdicionados se conhecem com facilidade. Ademais, a atuação dos denunciados, não somente por esse delito, mas por outros já cometidos nessa Comarca, é notória pela população local (...)".

13. Também o douto juiz Presidente do Júri assim se posicionou (id 3656415):

“(...) Cumpre asseverar que este Juízo entende pertinente o desaforamento, uma vez que há nos autos elementos aptos a demonstrar que os réus do processo em epígrafe causam temor na população local, que, por consequência, pode afetar a imparcialidade no corpo de jurados.

Tal temor ocorre porque os réus são supostamente contumazes na prática de vários crimes no Município de Areia Branca/RN, conforme demonstram as certidões de antecedentes criminais acostadas aos autos da Ação Penal, incluindo latrocínio, homicídio qualificado, tráfico de drogas e crime de porte de armas (fls. 181/182).

(...)

Outrossim, há nos autos elementos que indicam suposto envolvimento dos réus em facção criminosa em atuação nesta Comarca, qual seja o Primeiro Comando da Capital (PCC), assim é provável que o corpo de jurados formado por habitantes desta Comarca tenha sua imparcialidade diretamente afetada (...)”.

14. No concernente as informações, aliás, o STJ não vacila em valorar a "especial importância na solução do processo de desaforamento" das informações do Juiz Presidente do Tribunal do Júri, vejamos :

"HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DESAFORAMENTO. NECESSIDADE. DÚVIDA QUANTO À IMPARCIALIDADE DOS JURADOS CONFIGURADA. INFLUÊNCIA POLÍTICA, SOCIAL E ECONÔMICA DE UM DOS PACIENTES E DE SEUS FAMILIARES SOBRE A POPULAÇÃO E AGENTES PÚBLICOS NA COMARCA DO FATO. NECESSÁRIO DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA. INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO ART. 427 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INFORMAÇÕES DO JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL DO JÚRI: ESPECIAL IMPORTÂNCIA NA SOLUÇÃO DO PROCESSO DE DESAFORAMENTO, SEGUNDO JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS. ORDEM DENEGADA. 1. Art. 427, do Código de Processo Penal: "[s]e o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas." 2. O desaforamento do julgamento perante o Tribunal do Júri não viola o Princípio do Juiz Natural, nem configura tribunal de exceção (ad hoc). Trata-se, tão somente, de garantia à isenção e imparcialidade do julgamento. Poderá ser realizado sempre que houver interesse da ordem pública, comprometimento da imparcialidade dos jurados, dúvida sobre a segurança do réu ou atraso injustificável na realização do julgamento popular. 3. Na hipótese, há fundadas suspeitas sobre imparcialidade dos jurados, demonstrada pela forte influência política, social e econômica que um dos Pacientes e sua família exercem sobre a população e agentes públicos na região da cidade de Barbacena/MG, conforme esclareceu a Juíza da comarca de origem. 4. Segundo jurisprudência dos Tribunais Pátrios, no julgamento do incidente de desaforamento são "relevantes as informações prestadas pelo juiz presidente do Tribunal do Júri" (STF, HC 93.939/MG, 1.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 06/02/2009). 5. Assim, evidenciada a possibilidade de que o convencimento dos jurados não se formaria de modo livre e consciente, afastando-se a lisura do veredicto a ser prolatado, é correta a determinação de desaforamento relativamente à comarca do fato. 6. Ordem denegada" (HC 163.800/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011).

15. De igual modo, o Órgão Ministerial nesta instância, se manifestou favorável a medida (id 3661510):

"... Logo, observa-se que a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), atuante na cidade de Areia Branca, exerce grande intimidação na população local, razão pela qual se mostra temerária a realização do julgamento dos acusados naquela localidade (...)".

16. Daí, plenamente justificado o deslocamento do julgamento para outra Comarca, nos termos do art. 427 do CPP[1] e na linha da orientação do STF:

"Segundo a jurisprudência do Supremo Tibunal, a definição dos fatos indicativos da necessidade de deslocamento para a realização do júri - desaforamento - dá-se segundo a apuração feita pelos que vivem no local. Não se faz mister a certeza da parcialidade que pode submeter os jurados, mas tão somente fundada dúvida quanto a tal ocorrência. 2. A circunstância de as partes e o Juízo local se manifestarem favoráveis ao desaforamento, apontando-se fato "notório" na comunidade local, apto a configurar dúvida fundada sobre a parcialidade dos jurados, justifica o desaforamento do processo (...). 3. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Tribunal de Justiça pernambucano a definição da Comarca para onde o processo deverá ser desaforado" (STF - HC 93871 - Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA - J. 10/06/2008 - Primeira Turma).

17. Outrossim, não há se falar, na casuística, em afronta ao princípio do Juiz Natural, dada a existência da própria previsão normativa processual penal (art. 427 do CPP), como bem propugnado por Guilherme de Souza Nucci:

"... Desaforamento e juiz natural: não há ofensa ao princípio do juiz natural, porque é medida excepcional, prevista em lei, e válida, portanto, para todos os réus. Aliás sendo o referido princípio uma garantia à existência do juiz imparcial, o desaforamento se presta justamente a sustentar essa imparcialidade, bem como a garantir outros...

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