Acórdão Nº 08032429620238200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 07-07-2023

Data de Julgamento07 Julho 2023
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08032429620238200000
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0803242-96.2023.8.20.0000
Polo ativo
L. G. G. D. S. e outros
Advogado(s):
Polo passivo
MUNICIPIO DE SEVERIANO MELO e outros
Advogado(s):

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE SUPLEMENTO ALIMENTAR FORTINI E FRALDAS. MENOR IMPÚBERE E PORTADOR DE EPILEPSIA, HIPOTIROIDISMO CONGÊNITO, DOENÇA NO FÍGADO COM QUADRO DE DESNUTRIÇÃO E ATRASO NO DESENVOLVIMENTO. NECESSIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA. RECURSO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em prover o recurso e confirmar a liminar anteriormente deferida, nos termos do voto do relator.

Agravo de instrumento interposto por LUCAS GABRIEL GONÇALVES DA SILVA, representada por sua genitora JÉSSICA ANABEL DE OLIVEIRA, nos autos da ação de obrigação de fazer proposta em face do MUNICÍPIO DE SEVERIANO MELO E O ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (processo nº 0800795-28.2023.8.20.5112), objetivando reformar decisão do Juiz de Direito da 1º Vara de Apodi, que indeferiu o pedido de tutela de urgência.

Alega que: “O agravante, atualmente com 03 (três) anos de idade é usuário do SUS (Cartão n.º 709.6056.9558.5271). De acordo com o laudo médico colacionado, subscrito pela Dra. Maria Zilda Melo Regis (CRM/RN 11064), o demandante foi diagnosticado com EPILEPSIA, HIPOTIREIDISMO CONGÊNITO e DEFORMIDADE CONGÊNITA DO PÉ. Em virtude de sua patologia, o recorrente necessita do SUPLEMENTO ALIMENTAR FORTINI e de FRALDAS DESCARTÁVEIS (TAMANHO G), por tempo indeterminado. Inclusive, conforme se infere pela leitura do laudo médico circunstanciado em anexo, a urgência do caso em tela decorre das consequências da não utilização do suplemento alimentar, podendo ocasionar “atraso no crescimento, desenvolvimento e subnutrição” ”; “esta clara a inefetividade da política pública nesta seara, certo é que a urgência do caso não se coaduna com a demora excessiva. Ou seja, fica evidente, no presente caso, que a prestação do insumo é uma medida que se impõe para garantir a manutenção da saúde e da integridade física do agravante. Ademais, a série de documentos, exames e o laudo médico colacionado na inicial, o qual foi juntando nesta presente peça recursal, comprovam que há uma janela de certeza acerca do quadro clínico do paciente dado o seu diagnóstico, sendo o procedimento solicitado a única saída científica para a sua patologia. Sucede que, contrariando o disposto no Código de Ética Médico, o NAT- JUS, cujos profissionais sequer foram identificados na Nota Técnica n° 120074 (Id. 96925337– autos n° 0800795-28.2023.8.20.5112), cujos profissionais sequer foram identificados, sem examinar o histórico do paciente, tampouco sem realizar uma consulta para análise física do seu estado de saúde, entenderam não ter sido identificada urgência médica”; “embora o artigo 464 do Código de Processo Civil admita a substituição da perícia técnica por prova técnica simplificada quando o tema for de menor complexidade, referida prova deverá consistir na inquirição de especialista com formação acadêmica específica na área objeto do seu depoimento, não podendo ser realizada por técnico generalista, a exemplo do que ocorreu com o parecer do Natjus, vez que, além de não ter a indicação dos profissionais que realizaram a análise da demanda, não há qualquer referência ao fato de serem especialistas, de modo que não poderá ser aceita para afastamento da indicação de urgência constante em laudo médico firmado por médico especialista, que integra a rede pública de saúde e que acompanha o histórico de saúde do agravante”; “insta verificar que a recorrente não foi direta e pessoalmente examinada pelos técnicos que integram o Núcleo de assessoramento técnico das demandas de saúde, de modo, conforme nele próprio ressaltado, o parecer ofertado baseia-se na literatura genérica sobre a patologia, o que cede em face do quadro específico da doença que acomete a paciente, apresentado pela médica que a acompanha direta e presencialmente”.

Pugna pela concessão da antecipação da pretensão recursal para determinar aos agravados que custeiem ou forneçam o SUPLEMENTO ALIMENTAR FORTINI e as FRALDAS DESCARTÁVEIS (TAMANHO G)” e, no mérito, pelo provimento do recurso.

Deferida a antecipação da pretensão recursal para determinar que os agravados forneçam mensalmente 120 fraldas descartáveis, além de mensalmente disponibilizar quatro latas do suplemento alimentar FORTINI PLUS de 400 mg, durante seis meses, podendo ser renovado a depender da nova avaliação médica ou nutricional.

A parte agravada não apresentou contrarrazões.

Ao SUS (Sistema Único de Saúde) compete a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade e em qualquer das esferas de poder, de modo a assegurar o princípio maior que é a garantia à vida digna.

O agravante é menor impúbere e portador de Epilepsia, Hipoteroidismo Congênito, doença no fígado, pé torto congênito, com quadro de desnutrição e atraso no desenvolvimento, necessitando de fraldas descartáveis em virtude de sua condição, além do suplemento alimentar FORTINI, a ser tomado 50g por dia, totalizando 4 latas de 400g por mês para suprir necessidade energética diante de seu quadro de desnutrição.

A Constituição da República, em seu art. 196, diz que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, o que deverá ser garantido através de políticas públicas que possibilitem o acesso universal e igualitário às ações e serviços. A Constituição Estadual, por sua vez, em seu art. 125, diz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Bastam os referidos dispositivos previstos nos textos Constitucionais transcritos para que se tenha como dever das partes agravadas garantir o direito de todos à saúde, em especial daquelas pessoas que não possuem recursos próprios para obter os cuidados médicos ou medicamentos de que necessitam.

A Lei Federal nº 8.080/90, corroborando com o dispositivo Constitucional (art. 196), dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, prevendo o dever do Estado, ou seja, do Poder Público em todas as suas esferas, de promover as condições indispensáveis ao exercício pleno de tal direito.

O dever da Administração de fornecer tratamento de saúde necessário às pessoas carentes e portadoras de doenças raras, bem como que necessitam de tratamento continuado, imposto pela Constituição, não pode ser inviabilizado através de entraves burocráticos ou qualquer outra justificativa, pois o que a Constituição impõe é a obrigatoriedade do Estado de garantir a saúde das pessoas, seja através de uma boa e eficiente qualidade do serviço de atendimento ou, caso isso não seja possível, viabilizando o tratamento em outro local que atenda às necessidades do paciente.

Consoante a Lei Federal nº 8.080/90:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

[...]

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; [...]

Não bastasse, a Lei nº. 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) prevê:

Art. 18. É assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário.

[...]

§ 4º As ações e os serviços de saúde pública destinados à pessoa com deficiência devem assegurar:

[...]

XI - oferta de órteses, próteses, meios auxiliares de locomoção, medicamentos, insumos e fórmulas nutricionais, conforme as normas vigentes do Ministério da Saúde.

Noutra senda, como registrado no próprio laudo médico, a indicação de uso do suplemento, embora por tempo indeterminado, depende de reavaliação semestral, a examinar se ao final de cada período persiste a necessidade nutricional. O mesmo parâmetro deve ser seguido na concessão da medida liminar postulada, de sorte que o fornecimento, por ora, também deve ser restrito a seis meses, cuja renovação dependerá de nova avaliação.

Posto isso, voto por prover o recurso confirmando a liminar por mim anteriormente deferida.

Consideram-se prequestionados todos os dispositivos apontados pelas partes em suas respectivas razões. Será manifestamente protelatória eventual oposição de embargos com notória intenção de rediscutir a decisão (art. 1.026, § 2º do CPC).

Data de registro do sistema.

Des. Ibanez Monteiro

Relator

Natal/RN, 3 de Julho de 2023.

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