Acórdão Nº 08032817220168205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 07-04-2020

Data de Julgamento07 Abril 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08032817220168205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0803281-72.2016.8.20.5001
Polo ativo
BANCO DO BRASIL
Advogado(s): SERVIO TULIO DE BARCELOS
Polo passivo
MARIA DE LOURDES DE LUCENA E SILVA
Advogado(s): PRISCILLA LOPES DE AGUIAR


EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR IRREGULARIDADE FORMAL, SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA SENTENÇA. MATÉRIA ESTRANHA À LIDE. AFRONTA AO DISPOSTO NO ART. 1.010, III, DO CPC/2015. ACOLHIMENTO. RECURSO NÃO CONHECIDO.




ACÓRDÃO


Acordam os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em acolher a preliminar de não conhecimento do recurso, por irregularidade formal, suscitada de ofício pelo Relator, nos termos do seu voto, que integra o julgado.

.



RELATÓRIO



Trata-se de Apelação Cível interposta pelo BANCO DO BRASIL S/A, por seu advogado, contra sentença proferida pelo Juízo de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de Natal, nos autos da Ação de Indenização por Danos morais (proc. nº 0803281-72.2016.8.20.5001) ajuizada contra si por MARIA DE LOURDES DE LUCENA E SILVA, que julgou parcialmente procedente os pedidos, para condenar o banco demandado a se abster de realizar os descontos referentes ao contrato nº 839261849, no valor de R$ 2.826,20 (dois mil, oitocentos e vinte e seis reais e vinte centavos), em razão da quitação do referido contrato; a restituição, na forma simples, dos valores indevidamente descontados, sendo assim considerados os que ocorreram após a comunicação do óbito do Sr. Ayrton José da Silva à instituição financeira; restabelecimento dos 56.059 pontos indevidamente cancelados; restabelecimento da linha de crédito pertinente com os atuais recursos disponíveis na conta da autora (conta corrente 105.361-2, agência 1731-0); e pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Nas razões recursais (ID 5120233) o banco apelante relatou que o sr. Ayrton José da Silva, cliente do Banco e titular de conta corrente, firmou em 24/09/2012 contrato de empréstimo consignado (contrato nº 797590715), com pacto acessório de seguro e que em 26/09/2014 o esposo falecido da autora/apelada celebrou novo contrato de empréstimo consignado (contrato nº 839261849) no valor de R$ 85.657,40, corresponde à quitação do saldo devedor do contrato anterior (contrato nº 79759071) e aquisição de R$ 20.000,00 a ser pago por meio de prestações no valor de R$ 2.826,20.

Defendeu que “não existe qualquer defeito ou vício na prestação do serviço, não sendo cabível argüição de ato contrário ao direito ou lesivo ao interesse da parte autora”.

Suscitou as seguintes questões: a) uso indevido do cartão de crédito e senha pessoal, b) a inexistência de limite de 30% para desconto em folha de pagamento, c) desconhecimento de contratação com débito em conta; d) não comunicação em tempo hábil de conduta fraudulenta; e) superendividamento do correntista, com o comprometimento de sua renda.


Por fim, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso, para julgar improcedente o pedido autora.


A parte apelada apresentou contrarrazões (ID 5120240), em que alegou que, no recurso interposto pelo banco, este “traz temas que não possuem ligação nenhuma com o caso concreto, anexando jurisprudências que dizem respeito a saques indevidos, extravio de cartões, culpa exclusiva da vítima em razão da falta de comunicação de extravio de cartão, prestações de mútuo firmado com instituições financeiras”.


Ao final, requereu o desprovimento do recurso, com a manutenção da sentença.

Com vista dos autos, a 14ª Procuradoria de Justiça (ID 5470794) deixou de opinar, por ausência de interesse público no feito.


É o relatório.


VOTO



PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR.




A presente Apelação Cível foi interposta pelo BANCO DO BRASIL A.., contra sentença que julgou parcialmente procedente os pedidos, para condenar o banco demandado a se abster de realizar os descontos referentes ao contrato nº 839261849, no valor de R$ 2.826,20, em razão da quitação do referido contrato; a restituição, na forma simples, dos valores indevidamente descontados, sendo assim considerados os que ocorreram após a comunicação do óbito do Sr. Ayrton José da Silva à instituição financeira; restabelecimento dos 56.059 pontos indevidamente cancelados; restabelecimento da linha de crédito pertinente com os atuais recursos disponíveis na conta da autora (conta corrente 105.361-2, agência 1731-0); e pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Entretanto, em exame de admissibilidade do recurso, suscita este Relator a preliminar de não conhecimento do recurso, por observar que não se encontram presentes as condições necessárias à sua admissibilidade. Explica-se.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o Código de Processo Civil prevê, no artigo 1.010, inciso III, o seguinte:



Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

(...)

III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; (destaquei)



A legislação processual civil pátria exige que o recurso apresente fundamentados jurídicos em confronto com a decisão atacada, expondo as razões pelas quais se pleiteia a sua reforma.

Essa exigência se dá em atenção ao princípio da dialeticidade recursal, que impõe à parte recorrente o ônus de motivar o recurso, expondo as razões hábeis à reforma da decisão impugnada frente ao que nela foi decidido.


Sobre o tema é a lição de Araken de Assis:



"O fundamento do princípio da dialeticidade é curial. Sem cotejar as alegações do recurso e a motivação do ato impugnado, mostrar-se-á impossível ao órgão ad quem avaliar o desacerto do ato, a existência de vício de juízo (error in iudicando), o vício de procedimento (error in procedendo) ou o defeito típico que enseja a declaração do provimento. (...) É preciso que haja simetria entre o decidido e o alegado no recurso. Em outras palavras, a motivação deve ser, a um só tempo, específica, pertinente e atual". (destaquei)



Com efeito, de acordo com o princípio da dialeticidade recursal, a fundamentação adequada ao que fora decidido é imprescindível, tanto ao conhecimento do recurso, como para sua análise e eventual reforma pelo juízo a quem, configurando-se, pois, ser um ônus do recorrente apresentar impugnação especifica aos fundamentos fáticos-jurídicos delineados na decisão.


Dito isto, observa-se que, na sentença, o julgador a quo julgou parcialmente procedente a ação, para para condenar o banco demandado a se abster de realizar os descontos referentes ao contrato nº 839261849, no valor de R$ 2.826,20, em razão da quitação do referido contrato; a restituição, na forma simples, dos valores indevidamente descontados, sendo assim considerados os que ocorreram após a comunicação do óbito do Sr. Ayrton José da Silva à instituição financeira; restabelecimento dos 56.059 pontos indevidamente cancelados; restabelecimento da linha de crédito pertinente com os atuais recursos disponíveis na conta da autora (conta corrente 105.361-2, agência 1731-0); e pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Ocorre que, analisando as razões postas na apelação cível interposta pelo Recorrente, constata-se que estas são totalmente dissociadas da sentença e do objeto da ação.

Com efeito, na apelação cível, a instituição financeira apelante alegou “o banco réu não pode ser responsabilizado pela desídia do autor em não se cercarem dos devidos cuidados com seus documentos” e que “se o autor forneceu sua senha do cartão para terceiros, e não comunicou o banco em tempo hábil para efetuar o bloqueio, deve arcar com o ônus de sua desídia”. Aduzindo, ainda, que “a parte autora alega que a sua renda mensal estaria sendo comprometida em percentual acima do esperado”, tendo confessado que contraiu “diversos contratos de empréstimo com o requerido e que os descontos, somados, estariam superando 30% do valor de seu salário”, afirmando que “a parte autora busca se livrar de seu dever de pagar, haja vista o seu descontrole em efetivar a contratação de vários empréstimos, acabando por superendividar-se”.

Ocorre que essas matérias são totalmente estranhas à presente lide.

Assim, fica patente a irregularidade formal da presente Apelação Cível, diante da ausência de requisito necessário à sua admissibilidade, pois o recurso interposto, sem as razões do inconformismo, não pode ser conhecido.



Sobre o assunto, NELSON NERY e ROSA MARIA NERY ensinam que: “recurso que não ataca especificamente os fundamentos da decisão recorrida. É aquele no qual a parte discute a decisão recorrida de forma vaga, imprecisa, ou se limita a repetir argumentos já exarados em outras fases do processo, sem que haja direcionamento da argumentação para o que consta da decisão recorrida, o que acarreta o não conhecimento do recurso1.” (destaquei)



Nessa linha de pensamento, já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO GENÉRICA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. O agravo que objetiva conferir trânsito ao recurso especial obstado na origem reclama, como requisito objetivo de admissibilidade, a impugnação específica aos fundamentos utilizados para a negativa de seguimento do apelo extremo, consoante expressa previsão contida no art. 544, §4º, inc. I, do CPC/1973 (art. 932, III, do CPC/2015) e art. 253, parágrafo único, I, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ, ônus da qual não se desincumbiu...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT