Acórdão Nº 08033258020198205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 13-05-2022

Data de Julgamento13 Maio 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08033258020198205100
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0803325-80.2019.8.20.5100
Polo ativo
ANTONIA LOPES FERREIRA DA ROCHA
Advogado(s): ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE, MANOEL PAIXAO NETO
Polo passivo
BANCO BRADESCO S/A e outros
Advogado(s): CARLOS EDUARDO CAVALCANTE RAMOS, FELIPE D AGUIAR ROCHA FERREIRA

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL PROVISÓRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL Nº 0803325-80.2019.8.20.5100

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE ASSU

RECORRENTE: ANTONIA LOPES FERREIRA DA ROCHA

ADVOGADO: ADEILSON FERREIRA DE ANDRADE e outro

RECORRIDO: BANCO BRADESCO SA

ADVOGADO: CARLOS EDUARDO CAVALCANTE RAMOS e outro

JUIZ RELATOR: JOSÉ MARIA NASCIMENTO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CARTÃO CONSIGNADO COM DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INTENÇÃO DE CONTRATAR MODALIDADE CONSIGNADO TRADICIONAL. SENTENÇA DE EXTINÇÃO POR DECADÊNCIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO SUCESSIVA, RENOVANDO-SE A CADA MÊS. DECADÊNCIA AFASTADA. APOSENTADO DO INSS, DE BAIXA RENDA E BAIXA INSTRUÇÃO, INDUZIDO A ERRO. DESCONTOS PARA PAGAMENTO DE VALOR MÍNIMO DE FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESCUMPRIMENTO ARTS 4º, INCISO III; 6º, INCISO III, ART. 31, ART. 39 E ART. 52 DO CDC, ART. 422 DO CCB E ART. 21-A DA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 28/08, COM AS ALTERAÇÕES DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 100 /PRES/INSS, DE 28/12/2018. ABALO FINANCEIRO E EMOCIONAL NARRADO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA NA CONTRATAÇÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. NULIDADE. SUSPENSÃO DESCONTOS. RECONHECIMENTO DO DANO MORAL E CONSEQUENTE DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Provisória dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade, conhecer e dar provimento parcial ao recurso, impondo à parte recorrida as seguintes obrigações: 1) cessar imediatamente o desconto de R$ 24,65 (vinte e quatro reais e sessenta e cinco centavos), caso a soma dos valores descontados já tenha ultrapassado o valor emprestado, sob pena de multa correspondente ao quádruplo do valor descontado; 2) abster-se de utilizar a Reserva de Margem Consignável (RMC) do(a) autor(a) para essa modalidade de contratação; 3) restituir, em dobro, os valores descontados que tenham ultrapassado o valor emprestado; 4) pagar o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de compensação por danos morais, sobre o qual deverá incidir correção monetária pelo INPC a partir da publicação do acórdão e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.

Natal/RN, 05 de maio de 2021.

JOSÉ MARIA NASCIMENTO

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA:

Vistos, etc.

Trata-se de ação ajuizada com o objetivo de que seja declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, bem assim que a parte demandada seja condenada a restituir em dobro à parte autora os valores que foram descontados de seu benefício previdenciário em função de tal contrato; ao pagamento de uma indenização por danos morais, bem assim que seja declarada a inexistência do débito referente ao valor depositado na conta da autora em função de tal contrato, tendo sido pugnado para que seja reconhecido como amostra grátis.

Foi postulada ainda a suspensão dos descontos, bem assim que a parte demandada se abstenha de utilizar a margem consignável do(a) autor(a) para que seja utilizada em tal modalidade de contratação.

Para tanto, a parte autora argumentou que procurou o requerido para firmar contrato de empréstimo consignado, porém foi ludibriada com a realização de outra operação denominada de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). No entanto, sustentou que nunca usou tal cartão, nem este lhe foi enviado, mas vem sofrendo descontos em seu benefício previdenciário.

Argumentou que o requerido adotou prática abusiva, posto que vem obtendo vantagem manifestamente excessiva e onerosa para o consumidor e que não prestou todas as informações necessárias à parte autora no momento da contratação, sendo certo que esta buscava firmar contrato de empréstimo consignado e não de cartão de crédito, de modo que sustentou ter ocorrido violação ao princípio da livre manifestação de vontade.

Argumentou ainda que o demandado não observou os termos da Lei 10.820/03, que limita em 5% a margem consignável para descontos relativos a despesas com cartão de crédito, sendo que a parte autora sustentou nunca ter firmado tal modalidade de contratação, de modo a ser ilegal a cobrança de encargos do crédito rotativo em discussão.

Em função disso, argumentou ser nulo o contrato em apreço, devendo ser considerada como amostra grátis o valor depositado em sua conta decorrente de tal contratação.

Em sua defesa, a parte requerida arguiu preliminares da prescrição e da complexidade da causa.

No mérito, sustentou que o contrato firmado entre as partes é plenamente válido.

É o breve relatório. Decido.

Quanto ao mérito, cumpre-se aferir se houve vício na manifestação da vontade da parte autora no momento da celebração do contrato em discussão, eis que o(a) requerente sustentou que buscou a parte demandada para firmar um contrato de empréstimo consignado comum, no entanto, alegou que foi ludibriado(a) e, na verdade, as partes acabaram por firmar um contrato de cartão de crédito consignado.

Como se sabe, no contrato de empréstimo consignado, o pagamento é efetivado pelo consumidor através de descontos em seu benefício previdenciário de parcelas previamente fixadas, sendo modalidade de crédito que se obtém com juros mais baixos em razão de uma maior garantia do pagamento da dívida.

Já no contrato de cartão de crédito consignado, o valor descontado do benefício previdenciário é apenas o do valor mínimo da fatura, de modo que, para o pagamento total desta, o consumidor deve pagar o valor remanescente através da própria fatura, caso contrário, haverá incidência de encargos do crédito rotativo do cartão de crédito, os quais são bastante elevados.

Nesse sentido, é de extrema importância que o consumidor seja devidamente informado da forma de pagamento integral da fatura e de que, em caso de pagamento apenas do valor mínimo consignado, haverá incidência de juros e correção sobre a quantia não paga, o que pode acarretar em dívida decorrente de encargos financeiros bem maiores de que outras modalidades de crédito, gerando um saldo devedor bem mais elevado.

Nesse caso, observa-se que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, motivo pelo qual deve incidir no caso as regras do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe o que segue sobre o tema:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

(...)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência

(...)

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

(...)

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)

§4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

Da leitura de tais dispositivos legais, resta evidenciado ser direito básico do consumidor o de ser informado de forma clara acerca de todos os termos dos contratos relativos a oferecimento de produtos ou serviços, sendo que, inclusive, o art. 46 acima transcrito dispõe que os contratos que forem redigidos de modo a dificultar a compreensão do consumidor sobre o seu sentido e alcance não obrigação este ao seu cumprimento.

Tal dispositivo legal está em consonância com o princípio da autonomia da vontade que orienta o ordenamento jurídico acerca do direito contratual, sendo certo que, inclusive, são anuláveis os negócios jurídicos que decorrem de erro...

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