Acórdão Nº 08035197720198205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 05-04-2021

Data de Julgamento05 Abril 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08035197720198205004
Tipo de documentoAcórdão
Órgão3ª Turma Recursal

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TURMA RECURSAL PROVISÓRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0803519-77.2019.8.20.5004
Polo ativo
APEC - SOCIEDADE POTIGUAR DE EDUCACAO E CULTURA LTDA
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO
Polo passivo
JULIANA DAVIM FERREIRA GOMES
Advogado(s): BARBARA LIMA DA NOBREGA MEDEIROS, ANGELICA LOURDES FERNANDES DA NOBREGA

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

TURMA RECURSAL PROVISÓRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL Nº 0803519-77.2019.8.20.5004

RECORRENTE(S): APEC - SOCIEDADE POTIGUAR DE EDUCACAO E CULTURA LTDA

advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

RECORRIDO(S): JULIANA DAVIM FERREIRA GOMES

advogado(s): ANGELICA LOURDES FERNANDES DA NOBREGA

RELATOR: juiz VALDIR FLÁVIO LOBO MAIA

ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CURSO SUPERIOR. APROVEITAMENTO DE DISCIPLINAS JÁ CURSADAS ANTERIORMENTE. COBRANÇA INDEVIDA DO VALOR TOTAL DA MENSALIDADE. REDUÇÃO PROPORCIONAL AO SERVIÇO EFETIVAMENTE PRESTADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 32 DO tjRN. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACORDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Turma Recursal Provisória dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo a sentença pelos seus próprios fundamentos. Com custas e honorários advocatícios, estes fixados em 20%(vinte por cento), sobre o valor da condenação.

Natal/RN, 04 de março de 2021.

Valdir Flávio Lobo Maia

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA:

JULIANA DAVIM GOMES move a presente ação em desfavor da APEC - SOCIEDADE POTIGUAR DE EDUCAÇÃO E CULTURA S/A, aduzindo, em síntese, que no segundo semestre de 2015 matriculou-se no curso de medicina ofertado pela parte ré e, ao analisar a grade curricular, observou que existiam algumas disciplinas que poderiam ser aproveitadas de sua primeira graduação.

Narra que após seu requerimento a demandada aceitou o aproveitamento de 03 (três) disciplinas, quais sejam: Estrutura e Função dos Sistemas Orgânicos I, equivalente a 180 (cento e oitenta) horas; Estrutura e Função dos Sistemas Orgânicos II, também com 180 (cento e oitenta) horas; e Processos Biológicos II, com 120 (cento e vinte) horas. Relata que apesar de ter sido deferido o aproveitamento das disciplinas, a universidade ré não promoveu qualquer redução na mensalidade.

Afirma ter buscado a requerida e apenas conseguiu a restituição parcial do que havia sido adimplido. Finaliza argumentando que a omissão da instituição ré teria ocasionado grandes prejuízos. Com essas razões, pede a condenação da demandada à restituição do valor indevidamente cobrado em excesso, em dobro; bem como ao pagamento de uma indenização por danos morais, no importe de R$ 7.000,00 (sete mil reais). Juntou documentos. Contestação juntada (ID 41479461). Realizada audiência de conciliação (ID 41555327), não houve composição entre as partes. Assim, foi requerido o julgamento antecipado da lide. Réplica à contestação juntada no ID 42180897. É o breve relatório.

Passo a decidir.

Rejeito, a princípio, a preliminar de incompetência do Juizado Especial em razão do valor da causa, pois o quantum estabelecido na petição inicial não supera a limitação estampada no art. 3º, inciso I, da Lei n. 9.099/95. Em relação à preliminar de aplicação da prescrição trienal prevista no art. 206, §3º, inciso IV, do Código Civil, assiste razão à parte ré. No caso, sendo a pretensão de restituição de valores cobrados indevidamente pela instituição de ensino demandada, ou seja, em face de seu enriquecimento sem causa, eventual devolução deve observar os 03 (três) anos anteriores ao ajuizamento da ação.

Vejamos: Art. 206. Prescreve: § 3º Em três anos: IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; (...) Nesse cenário, hei por reconhecer a prescrição das parcelas adimplidas anteriormente a 19/02/2016 - exatos 03 (três) anos antecedentes ao ajuizamento da demanda, que ocorreu em 19/02/2019.

Passo ao mérito.

Conheço diretamente do pedido, por força do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Observo que deve prevalecer nas relações de consumo a facilitação dos direitos de sua parte frágil, no intuito de equilibrá-las. Não havendo a condescendência do fornecedor, deve o magistrado, por sua vez, garantir a facilitação processual dos seus direitos do consumidor, nos termos do CDC: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (...)

Nos presentes autos, insurge-se a parte autora em face de cobranças lançadas pela instituição de ensino ré durante os semestres 2015.2 e 2016.1, pois embora tenha logrado êxito no aproveitamento de 03 (três) disciplinas anteriormente cursadas, não obteve qualquer redução proporcional nas mensalidades – o que configuraria enriquecimento indevido pela parte demandada. A parte requerida, em sua peça de defesa (ID 41479461), sustenta a regularidade das cobranças – argumentando, em resumo, que os alunos se matriculam nos períodos e não em disciplinas específicas, de modo que se a instituição de ensino disponibilizou toda a grade curricular e o discente optou por não cursá-la, nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada. No caso, restou devidamente comprovada a narrativa encartada na petição inicial.

Conquanto tenha obtido junto à instituição de ensino ré o aproveitamento das disciplinas Estrutura e Função dos Sistemas Orgânicos I, Estrutura e Função dos Sistemas Orgânicos II e Processos Biológicos II (conforme documentos nos ID’s 39464438 e 39464466), às mensalidades dos semestres 2015.2 e 2016.1 não foram aplicadas quaisquer readequações – mesmo tendo havido substancial redução na carga horária. À toda evidência, portanto, a desproporcionalidade entre o valor da mensalidade fixada pela demandada (correspondente a 660/h por semestre) e a carga horária efetivamente cursada pela estudante (480/h no semestre 2015.2 e 380/h no semestre 2016.1), como bem demonstrado pelo documento anexo no ID 39464726.

Descortinado esse cenário, em que a parte ré exigiu do consumidor vantagem excessiva, em violação ao art. 39, inciso V, da Lei n. 8.078/90, tenho por inequívoco seu agir ilícito. A respeito desse tema, inclusive, o TJRN editou a súmula de n. 32 (aprovada pela Resolução n. 11-TJ, de 27/03/2019), que assim orienta: Súmula 32: A cobrança de mensalidade de serviço educacional deve ser proporcional à quantidade de matérias cursadas, sendo inadmissível a adoção do sistema de valor fixo.

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1509008/SE, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, no qual restou assentado que “é abusiva a cláusula contratual que prevê o pagamento integral da semestralidade, independentemente do número de disciplinas que o aluno irá cursar no período, pois consiste em contraprestação sem relação com os serviços educacionais efetivamente prestados.” Eis o teor da ementa:

EMENTA. RECURSO ESPECIAL. ENSINO SUPERIOR. MENSALIDADE. COBRANÇA INTEGRAL. IMPOSSIBILIDADE. DISCIPLINAS. CORRELAÇÃO. SÚMULA N. 83/STJ. 1. É abusiva cláusula contratual que dispõe sobre o pagamento integral da semestralidade quando o aluno não cursa todas as disciplinas ofertadas no período. 2.Recurso especial não conhecido. (STJ - Recurso Especial n. 1509008/SE, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, j. em 12/11/2015) Desse modo, reconhecida a abusividade parcial nos valores das mensalidades lançadas pela parte ré nos semestres 2015.2 e 2016.1, devo garantir sua restituição em dobro, acrescida de correção monetária e juros legais, na forma prevista pelo art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais salvo hipótese de engano justificável. Dos documentos anexados à petição inicial, sobretudo a planilha juntada no ID 39464736, pode-se extrair que os valores cobrados em excesso entre os meses de março/2016 a junho/2016, já que o período anterior restou atingido pela prescrição, perfazem o montante de R$ 8.103,52 (oito mil, cento e três reais e cinqüenta e dois centavos). Com isso, o réu deve ser condenado à restituição da importância de R$ 16.207,04 (dezesseis mil, duzentos e sete reais e quatro centavos). Por último, no que se refere ao pleito indenizatório, tenho que não merece acolhimento. Pelo que restou descortinado, não há como se presumir que a parte autora suportado prejuízos de órbita extrapatrimonial em virtude dos fatos narrados. Tratou-se de situação que causou simples aborrecimento e dissabor, sem qualquer demonstração de que tenha atingido seus direitos de personalidade. Por tais razões, não há que se falar em reparação. Portanto, devo rejeitar seu pedido de indenização extrapatrimonial.

DISPOSITIVO SENTENCIAL

Face ao exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido autoral, para condenar a APEC - SOCIEDADE POTIGUAR DE EDUCAÇÃO E CULTURA S/A a pagar à parte autora, a título de repetição do indébito, a importância de R$ 16.207,04 (dezesseis mil, duzentos e sete reais e quatro centavos) - somada de correção monetária a partir do primeiro desconto indevido (06/03/2016), e de juros de mora à razão de 1% (um por cento)...

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