Acórdão Nº 08035247820198205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 24-05-2022

Data de Julgamento24 Maio 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08035247820198205108
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0803524-78.2019.8.20.5108
Polo ativo
ULISSES FERREIRA DE LIMA
Advogado(s): RAUL VINNICCIUS DE MORAIS
Polo passivo
BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A.
Advogado(s): NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL N° 0803524-78.2019.8.20.5108

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, CRIMINAL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PAUS DOS FERROS

RECORRENTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A.

ADVOGADO: NELSON MONTEIRO DE CARVALHO NETO

RECORRIDO: ULISSES FERREIRA DE LIMA

ADVOGADO: RAUL VINNICCIUS DE MORAIS

JUIZ RELATOR: SULAMITA BEZERRA PACHECO DE CARVALHO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTOS RELATIVOS A EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ANALFABETO. FORMALIDADES DO CONTRATO INOBSERVADAS. NECESSIDADE DE INSTRUMENTO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DESNECESSÁRIA PARA A VALIDADE DO CONTRATO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. FUNDAMENTO DIVERSO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

DECIDEM os Juízes que integram a Primeira Turma Recursal Temporária dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença com os acréscimos do Relator. Com custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, restando suspensa sua exigibilidade nos termos do §3º do art. 98 do CPC.


Natal/RN, data registrada no sistema.

SULAMITA BEZERRA PACHECO

Juíza Relatora

RELATÓRIO

SENTENÇA:

Vistos etc.

Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95.

Inicialmente afasto a preliminar de incompetência do Juizado Especial, posto que, em que pese seja sabido que, a teor do art. 3º da Lei n.º 9.099/95, os juizados especiais cíveis detêm competência para processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, de modo que a realização de prova pericial acaba por afastar-se de sua alçada, no caso dos autos, conforme se verá no mérito, o instrumento contratual padece de vício formal que já o contamina de pronto, dispensando qualquer averiguação pericial.

Quanto a ausência de planilha descritiva do débito, igualmente não verifico a sua necessidade até mesmo porque a confecção daquela depende da efetiva suspensão dos descontos pela demandada, o que somente ocorre quando concedida a medida liminar ou por ocasião da sentença.

No mesmo passo, também não merece prosperar a preliminar de prescrição seja pela aplicação as relações contratuais da prescrição decenal, conforme entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça(REsp 1708326/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2019, DJe 08/08/2019), seja pela inexistência de prescrição quando diante de negócio jurídico nulo, consoante será verificado a seguir.

A demandada suscitou a ausência de documentos indispensáveis a propositura da ação, com base no artigo 320, do CPC, sob o fundamento de que a parte autora juntou o comprovante de residência e procuração desatualizados. Todavia, vislumbro que ambos os documentos estão com datas recentes ao ajuizamento da demanda. Assim, afasto a preliminar.

Da mesma forma, não há que se falar em conexão do presente feito em relação aos autos n.º 0803525-63.2019.8.20.5108, nº 0803526-48.2019.8.20.5108, dado que embora tratem das mesmas partes, dizem respeito a contratos diferentes.

Por fim, no tocante a preliminar de falta de interesse de agir, percebo igualmente que a mesma não merece acolhimento, visto que não se impõe a parte autora a obrigatoriedade de tentar resolver extrajudicialmente a controvérsia, diante do direito de acesso à justiça e a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da CF/88), mesmo porque a experiência demonstra o insucesso dessas tentativas.

Sem outras preliminares ou questões processuais, passo ao exame do mérito.

Destaque-se que encontra-se consubstanciada a hipótese de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, pois o deslinde da causa independe da produção de provas em audiência, havendo, ademais, possibilidade do julgamento do processo no estado em que se encontra, se mostrando desnecessária a realização de quaisquer outras diligências, a exemplo de juntada de extratos ou de expedição de ofício ao banco, conforme solicitado na contestação, ou mesmo de audiência de instrução e julgamento (ID 53852831), especialmente em razão de já ter este juízo entendimento firmado acerca da matéria, art. 370, parágrafo único, do NCPC. Aliás, segundo jurisprudência do STJ, ao juiz, como destinatário da prova, cabe indeferir as que entender impertinentes, sem que tal implique cerceamento de defesa/ação.

Ademais, entendo serem plenamente aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, eis que patente uma relação de consumo que vincula as partes, trazendo à inteligência dos arts. e , da Lei nº 8.078/90. Ademais, impende consignar que a relação entre as instituições financeiras e seus clientes enquadra-se no conceito legal de relação consumerista, conforme, aliás, orientação consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 2591, Relator Ministro EROS GRAU) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 279). E por constatar a hipossuficiência da consumidora no que tange à produção de provas, é que fora decretada a inversão do ônus da prova, com escopo no art. 6º, VIII, do CDC. (ID 50967188).

A tese autoral caminha no sentido de que jamais celebrou qualquer contrato de empréstimo consignado junto à demandada, embora esta venha promovendo descontos a esse título em seus proventos. Noutro giro, sustentando a legalidade dos descontos, a promovida juntou aos autos o instrumento contratual e comprovante de transferência de valores.

Ao analisar o contrato juntado pelo banco identifico a irregularidade consistente no fato de a parte autora ser analfabeta. E isso ficou evidenciado pelas cópias dos documentos pessoais da contratada bem como pela aposição da digital no contrato celebrado.

Diante das constatações acima é preciso apurar se as pessoas analfabetas podem contratar empréstimo consignado mediante a aposição da impressão digital no espaço destinado à assinatura. Noutros termos, é possível a contratação mediante instrumento particular com pessoas analfabetas ou é indispensável instrumento público?

A Instrução Normativa do INSS de n. 28/2008, exige como requisito de validade do empréstimo consignado a assinatura do contrato de empréstimo e da autorização de consignação pelo beneficiário do empréstimo, ainda que o contrato tenha sido realizado por meio eletrônico (art. 4º, §5º).

O art. 37, §1 da Lei 6.015/73 determina que as pessoas que não sabem ou não podem assinar devem fazer suas declarações no assento perante o tabelião, devendo este colher a impressão dactiloscópica e outra pessoa assinar a rogo do declarante. O art. 104, III, do Código Civil exige como requisito de validade do negócio a forma prescrita ou não defesa em lei. Por sua vez, o art. 166, IV do Código Civil taxa de nulo o negócio jurídico que não revestir a forma prescrita em lei.

Na mesma linha dos mencionados dispositivos, o art. 595 do Código Civil, requer-se que seja cumprida uma série de requisitos, o qual impõe a obrigatoriedade de nota elucidativa a confirmar a leitura dos termos da avença ao contratante analfabeto, além da subscrição de duas testemunhas. Afora isso, a jurisprudência vem assentando que além dos requisitos expressamente constantes do mencionado art. 595 do CC, há necessidade de que o contrato celebrado por analfabeto se dê por meio de escritura pública ou, se por escrito particular, através de procurador constituído, forma solene que visa resguardar seus interesses.

Destarte, é patente que um negócio jurídico celebrado por pessoa nesta condição deve ser revestido de forma pública, sob pena de incorrer-se na legitimação de diversos abusos, daqueles que se aproveitam da falta de instrução, além da factível vulnerabilidade que impõe o desconhecimento do vernáculo nas relações sociais, sobretudo numa relação consumerista.

Este é o entendimento seguido por grande parte dos nossos tribunais, em especial o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Senão vejamos:

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO, BEM COMO A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO E DE ASSINATURA A ROGO, COM APOSIÇÃO DE IMPRESSÃO DIGITAL. NULIDADE. ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE CAUTELA NA CONTRATAÇÃO E COBRANÇA DO VALOR. DESCONSTITUIÇÃO DOS DÉBITOS. COMPROVAÇÃO DE QUE O VALOR CONTRATADO FOI DEPOSITADO NA CONTA CORRENTE DA PARTE AUTORA. COMPENSAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO À AUTORA COM O CRÉDITO A ELA OFERTADO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS NO CASO CONCRETO RESPONSABILIDADE DA FINANCEIRA. DANO IN RE IPSA. EXEGESE DOS ARTIGOS , 39, INCISO IV, E 14, § 3º, TODOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL. MANUTENÇÃO DO QUANTUM FIXADO NO JULGAMENTO A QUO. OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRN, AC 2017.002840-2, Terceira Câmara Cível, Relator Des. AMAURY MOURA SOBRINHO, DJe 25/06/2018). [grifos acrescidos]

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO FIRMADO POR ANALFABETO DESACOMPANHADO DE INSTRUMENTO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DE VONTADE DE FORMA VÁLIDA. ...

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