Acórdão Nº 08035726220228205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 06-03-2023

Data de Julgamento06 Março 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08035726220228205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0803572-62.2022.8.20.5001
Polo ativo
LUCILENE LOPES DA SILVA e outros
Advogado(s): ANDRE MARTINS GALHARDO
Polo passivo
BANCO DO BRASIL SA
Advogado(s): SERVIO TULIO DE BARCELOS, JOSE ARNALDO JANSSEN NOGUEIRA, EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA

EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. OBSERVÂNCIA DAS TAXAS MÉDIAS APLICADAS NO MERCADO PARA OS CONTRATOS DA MESMA ESPÉCIE. ABUSIVIDADE NÃO CONFIGURADA. MANUTENÇÃO DO RECONHECIMENTO DA LEGALIDADE DA CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. ART. 5º DA MP Nº 2.170-36/2001. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA CUMULADA COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO.

1. A existência de uma taxa média praticada no mercado pressupõe a existência de taxas de juros praticados em patamares maiores e menores do que o valor da média. Logo, “acrescentar-se à média outro valor, implica na distorção da própria média, com a agravante dessa distorção voltar-se contra o mutuário prejudicado e beneficiar quem está na busca de lucros maiores além dos já altos juros da média, o que colide frontalmente com os princípios regentes do Código do Consumidor”. (TJ-RS - AC: 70084068832 RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Data de Julgamento: 30/09/2020, Vigésima Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 08/10/2020). Desse modo, tem-se por razoável a pactuação de taxa de juros na média de mercado, sendo abusiva quando exceder em cinquenta por cento a média de mercado.

2. No que toca à prática de anatocismo, é admitida a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários firmados depois da edição da MP nº 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, nos moldes do julgamento do REsp nº 973.827/RS (com efeitos do art. 543-C do CPC).

3. No que se refere à comissão de permanência, observa-se que não há previsão de cobrança, pelo que não há falar em sua cumulação com outros encargos moratórios.

4. Precedentes do STJ (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. 22/10/2008, DJe 10/03/2009; REsp 973.827/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, j. 08/08/2012, DJe 24/09/2012) e do TJRN (EI nº 2014.026005-4, Rel. Des. Amílcar Maia, Tribunal Pleno, j. 25/02/2015; EI nº 2014.010443-5, Rel. Des. Virgílio Macedo Jr., j. 25/02/2015; EI nº 2014.006510-2, Rel. Des. Virgílio Macedo Jr., j. 25/02/2015).

5. Conhecimento e desprovimento do apelo.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao apelo interposto, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


1. Trata-se de apelação cível interposta por LUCIENE LOPES DA SILVA e LUCIANA LOPES DA SILVA EIRELI em face de sentença proferida pelo Juízo da 14ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN (Id 16790197), que, na Ação Revisional com Pedido Indenizatório (Proc. nº 0803572-62.2022.8.20.5001) ajuizada em desfavor do BANCO DO BRASIL S.A., julgou improcedente a demanda, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa em face do benefício da justiça gratuita.

2. Em suas razões recursais (Id 16790198), a parte apelante pediu o provimento do apelo para reformar a sentença, a fim de declarar ilegalidade da taxa de juros, bem como da prática de anatocismo, excluindo a cobrança da comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios, com a condenação da parte adversa em repetição de indébito em dobro e honorários de sucumbência.

3. Contrarrazoando (Id 16790202), o Banco apelado refutou os argumentos do recurso interposto e, ao final, pediu seu desprovimento.

4. Com vista dos autos, Dr. Fernando Batista de Vasconcelos, Décimo Segundo Procurador de Justiça, deixou de opinar no feito por não ser hipótese de intervenção do Ministério Público (Id 17021987).

5. É o relatório.

VOTO


6. Conheço do apelo.

7. As questões trazidas ao debate nos autos, diz respeito à revisão de contrato de financiamento firmado entre as partes (Cédula de Crédito Bancário), no tocante a declaração de ilegalidade da taxa de juros, bem como a prática de anatocismo, excluindo a cobrança da comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios.

8. Sobre o mérito recursal, imperativo consignar, desde logo, que à hipótese aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, com subsunção à previsão contida em seu art. 3º, § 2º, pois se trata de relação de consumo em que a instituição financeira é fornecedora de serviços atinente ao crédito e a outra parte é a destinatária final desses serviços (TJRN, AC n° 2013.006584-8, Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, 3ª Câmara Cível, j. 27/06/2013; e AC n° 2013.005381-2, Relª. Desª. Judite Nunes, 2ª Câmara Cível, j. 30/07/2013).

9. Ainda a respeito da incidência do Código de Defesa do Consumidor no caso concreto, dispõe a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 297. "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras."

10. Ademais, inconteste a possibilidade da revisão das cláusulas contratuais, sobretudo quando se revelam abusivas ou coloque em desvantagem exagerada o consumidor, em relativização à máxima pacta sunt servanda; inexiste, com isso, afronta a regra da obrigatoriedade dos contratos ou ao princípio da boa-fé objetiva estabelecido pelo Código.

11. Quanto à estipulação de juros pelas instituições financeiras, é sabido que não estão limitadas à taxa de 12% (doze por cento) ao ano, conforme previa o § 3º, do art. 192, da Constituição Federal, uma vez que tal dispositivo foi extirpado da Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003, sendo, portanto, inegável que gozam de liberdade quando da estipulação dos juros pactuados em suas transações, desde que fixados de modo razoável, proporcional e não lesivo, levando em consideração a remuneração do capital e o risco envolvido na operação.

12. Destaca-se, ainda, entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp nº 1.061.530/RS, julgado conforme procedimento previsto para os recursos repetitivos, acerca dos juros remuneratórios pactuados em contrato bancário:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. (...) Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade. Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. (...) I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. ORIENTAÇÃO 3 - JUROS MORATÓRIOS Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. ORIENTAÇÃO 5 - DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO É vedado aos juízes de primeiro e...

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