Acórdão Nº 08036112720228200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 26-08-2022
Data de Julgamento | 26 Agosto 2022 |
Classe processual | CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL |
Número do processo | 08036112720228200000 |
Órgão | Tribunal Pleno |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO
Processo: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL - 0803611-27.2022.8.20.0000 |
Polo ativo |
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE/RN |
Advogado(s): | |
Polo passivo |
JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE/RN |
Advogado(s): |
Conflito Negativo de Competência n. 0803611-27.2022.8.20.0000
Origem: Tribunal de Justiça/RN.
Suscitante: Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN.
Suscitado: Juízo de Direito do Juizado da Fazenda Pública da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN
Entre Partes: Isaque Gabriel Felizardo de Lima, rep. p/ Larissa Yasmim Lima e Município de São Gonçalo do Amarante/RN
Relator: Desembargador Gilson Barbosa
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS MOVIDA POR INCAPAZ REPRESENTADO POR GENITORA. PLEITO DE TRATAMENTO DENTÁRIO CUMULADO COM DANOS MORAIS. CAUSA DE CUNHO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE. NORMA ESPECÍFICA. LEI FEDERAL N. 12.153/2009. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DE INCAPAZ. CASO CONCRETO QUE NÃO REVELA SITUAÇÃO DE RISCO OU ABANDONO DO INFANTE. INAPLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DA LEI N. 9.099/1995. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. CONFLITO CONHECIDO E PROVIDO. CONSONÂNCIA COM A PROCURADORIA DE JUSTIÇA.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram o Pleno deste Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, por unanimidade, em consonância com o parecer ministerial, reconhecer o Juízo de Direito do Juizado da Fazenda Pública da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN, ora suscitado, como competente para processar e julgar a Ação de Obrigação de Fazer c/c com Danos Morais n. 0803449-73.2019.8.20.5129, movida por Isaque Gabriel Felizardo de Lima, rep. p/ Larissa Yasmim Lima em desfavor do Município de São Gonçalo do Amarante/RN, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.
RELATÓRIO
Trata-se de Conflito Negativo de Competência suscitado pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN, instaurado em decorrência de decisão declinatória proferida pelo Juízo de Direito do Juizado da Fazenda Pública da mesma comarca, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c com Danos Morais n. 0803449-73.2019.8.20.5129, movida por Isaque Gabriel Felizardo de Lima, rep. p/ Larissa Yasmim Lima em desfavor do Município de São Gonçalo do Amarante/RN.
Conforme decisão de ID 13860132, o Juízo Suscitado, após corrigir o polo ativo da ação para incluir o incapaz, declinou da competência para julgar o feito, aduzindo que o juizado não teria competência “para análise de demandas que versem sobre direito à saúde em prol da criança e adolescente, eis que a competência é absoluta da Vara da Infância e Juventude, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte – TJRN” (sic), sendo de sua competência “limitada a causas de saúde que não versem sobre interesse da criança e do adolescente, tendo em vista a proteção existente no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (art. 98, I, 148, IV, 208, VII e 209)” (sic).
Remetidos os autos ao Juízo Suscitante, este destacou que a “causa é uma ação de indenização contra a fazenda pública municipal. Logo, não há na descrição da causa nenhum dos elementos essenciais que atraem a competência das varas da infância e juventude. Com efeito, nem se trata de ação de apuração de ato infracional, não é um pedido de aplicação de medida protetiva e também não é uma demanda contra entidades de acolhimento ou entidades do sistema de proteção da infância e juventude” (sic).
Reafirmou que a criança não está em situação de risco e se o critério fosse unicamente a idade da parte, qualquer processo deveria tramitar na justiça especializada, “inflando de forma artificial o acervo e comprometendo a prioridade das causas que realmente devem tramitar nesse segmento judicial” (sic).
Designado juízo provisório no ID 13987266.
Instado a se pronunciar, o Ministério Público, por intermédio da 8ª Procuradora de Justiça, em substituição a 6ª Procuradora de Justiça, opinou pelo reconhecimento da competência do juízo suscitado.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de Conflito Negativo de Competência entre o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN e o Juízo de Direito do Juizado da Fazenda Pública da mesma comarca.
Nos termos do art. 66, II, do Código de Processo Civil, para que se caracterize o conflito negativo de competência é necessário que dois ou mais juízos se considerem incompetentes para a causa, hipótese dos autos.
No caso em apreço, ambos os juízos se declararam incompetentes para o processo e julgamento da Ação de Obrigação de Fazer c/c com Danos Morais n. 0803449-73.2019.8.20.5129, movida por Isaque Gabriel Felizardo de Lima, rep. p/ Larissa Yasmim Lima em desfavor do Município de São Gonçalo do Amarante/RN.
Na demanda originária, a parte autora postula o pagamento de um tratamento dentário e indenização, em razão de um acidente ocorrido na escola pública em que estuda.
Pois bem.
Cinge-se a controvérsia instaurada em se aferir qual o juízo competente para processar e julgar a ação ordinária acima referida.
No caso em exame, a questão principal envolve a presença de um incapaz no polo ativo da ação, entendendo o juízo suscitado que sua competência deve ser limitada a “causas de saúde” (sic) que não envolvam criança ou adolescente, citando o estatuto da criança e do adolescente.
Todavia, muito embora no caso concreto a pretensão esteja fundamentada no direito à saúde, assegurado na Constituição da República, cuida-se de demanda de cunho patrimonial, na qual o autor, menor de idade, busca tratamento dentário e indenização por danos morais em razão de um acidente ocorrido na escola em que estuda, não se enquadrando em qualquer das hipóteses previstas no art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O caso tratado também não revela situação de risco, maus tratos ou abandono apto a ensejar a proteção especial advinda do normativo mencionado e a transferência da lide para os auspícios da vara especializada para julgar ações de infância e juventude.
Ademais, a Lei n. 12.153/2009 não restringe ou mesmo excepciona a participação do incapaz nas ações de sua competência, delimitando em seu teor aqueles que podem ser partes nas ações sob sua égide. Veja-se:
Art. 5º Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006;
II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.
De modo que não é o caso de aplicação subsidiária da Lei n. 9.099/1995, haja vista a existência de regramento específico sobre esse ponto.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. PARTE AUTORA INCAPAZ. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 5º DA LEI 12.153/2009. INAPLICABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ART. 8º DA LEI 9.099/1995. PRECEDENTE DO STJ E DESTE TRIBUNAL. COMPETÊNCIA DO 5º JUIZADO DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL/RN. CONHECIMENTO DO CONFLITO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. (TJRN. Mandado de Segurança n. 080985-68.2021.8.20.0000. Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho. Julgamento em 13/12/2021).
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. 2ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE E 14ª VARA CÍVEL, AMBAS DA COMARCA DE NATAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS, MANEJADA POR MENOR, REPRESENTADO POR SEU GENITOR. DISCUSSÃO DE RELAÇÃO CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE, OBJETIVANDO GARANTIR A COBERTURA PELA OPERADORA DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR. MATÉRIA DE CUNHO EMINENTEMENTE CONSUMERISTA E PATRIMONIAL. QUESTÃO NÃO RELACIONADA A DIREITO INDISPONÍVEL OU SITUAÇÃO DE RISCO DO INFANTE. PRECEDENTES REITERADOS DESTE PLENÁRIO. CONHECIMENTO DO CONFLITO E DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 14ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL (SUSCITADO). (TJRN. Mandado de Segurança n. 0809032-03.2019.8.20.0000. Relator: Desembargador Glauber Rêgo. Julgamento em 12/11/2021).
Posto isso, voto pelo conhecimento e procedência do presente conflito, para declarar o Juízo de Direito do Juizado da Fazenda Pública da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN, ora suscitado, como competente para processar e julgar a Ação de Obrigação de Fazer c/c com Danos Morais n. 0803449-73.2019.8.20.5129, movida por Isaque Gabriel Felizardo de Lima, rep. p/ Larissa Yasmim Lima em desfavor do Município de São Gonçalo do Amarante/RN.
É como voto.
Natal, 18 de julho de 2022.
Desembargador Gilson Barbosa
Natal/RN, 22 de Agosto de 2022.
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