Acórdão Nº 08037129520198205100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 17-09-2021

Data de Julgamento17 Setembro 2021
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo08037129520198205100
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0803712-95.2019.8.20.5100
Polo ativo
FRANCISCO FABIANO CARLOS e outros
Advogado(s): JOAO DA CRUZ FONSECA SANTOS
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE SUPLEMENTO ALIMENTAR PARA INFANTE COM QUADRO CLÍNICO DE PARALISIA CEREBRAL, ATRASO NO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR E REFLUXO GASTROESOFÁGICO COM ESFOGITE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CARÁTER PRESTACIONAL. NECESSIDADE DO FORNECIMENTO CONTÍNUO, PERMANENTE E GRATUITO. RESISTÊNCIA DA PARTE DEMANDADA EVIDENCIADA NOS AUTOS. AFRONTA ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS ASSEGURADAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRIMAZIA DO DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTES DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DO JULGADO. REMESSA CONHECIDA E DESPROVIDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à remessa necessária, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de Remessa Necessária em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Assu/RN que, nos autos da Ação registrada sob o n.º 0803712-95.2019.8.20.5100, proposta por M. F. de M. C, representado por seu genitor, o Sr. F. F. C., em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte, julgou procedente a pretensão inaugural nos seguintes termos (ID 10715604):

Diante do exposto, em consonância ao parecer ministerial, confirmando a antecipação de tutela outrora concedida, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, nos termos do art. 487, I do CPC/2015, reconhecendo a obrigação do Estado réu em garantir e viabilizar, no prazo de 05 (cinco) dias, a partir do conhecimento desta sentença, a compra e o fornecimento do suplementar alimentar ENSURE de 400g, sendo 08 (oito) latas por mês, o que totaliza 24 (vinte e quatro) latas para tratamento de 03 (três) meses e SUSTAGEM de 400g, sendo 04 (quatro) latas por mês, totalizando 12 (doze) latas para tratamento de 03 (três) meses, enquanto perdurar o tratamento do infante e cuja prescrição médica deve ser atualizada a cada 03 (três) meses, sob pena das medidas cabíveis à espécie, notadamente o bloqueio online de valores, tal como requerido na exordial.

Custas processuais dispensadas na forma da lei.

Condeno o Estado do RN ao pagamento de honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% sobre o valor da causa.

Sentença sujeita ao reexame necessário, por força do disposto no art. 496, I, do CPC c/c Enunciado n. 490, da Súmula do STJ, dada a sua iliquidez.

Decorrido o prazo para o recurso voluntário sem manifestação das partes, remetam-se os autos ao eg. Tribunal de Justiça deste Estado

(....)

As partes não recorreram do mencionado julgado, ascendendo os autos a esta instância por força de reexame necessário, consoante certidão de ID 10715613.

Instada a se manifestar, a douta 6ª Procuradora de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso obrigatório (ID 10736674).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da Remessa Necessária.

Da simples leitura do caderno processual, constata-se que na situação particular é essencial o reexame obrigatório do julgado de primeiro grau, na forma do artigo 496 do Código de Processo Civil.

Reportando-se ao caso em tela, o julgado a quo reconheceu a procedência do pedido formulado na inicial, consubstanciado em condenação ilíquida, visto que deferido o fornecimento de suplementos para auxiliar na alimentação via oral, líquida e pastosa do requerente.

Desta feita, a sentença em questão trata de obrigação ilíquida, de modo que, não havendo como averiguar a imediata obediência ao limite prescrito pelo art. 496, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil, obrigatória sua submissão a esta Corte de Justiça.

Ultrapassado tal ponto, cinge-se a discussão em aferir o acerto do decisum proferido no presente feito que determinou ao Estado do Rio Grande do Norte o fornecimento contínuo, permanente e gratuito dos suplementos orais indicados pelo médico que assiste o autor.

Compulsando o caderno processual, vê-se que o postulante, infante com 11 (onze) anos de idade, foi diagnosticado com paralisia cerebral, apresentando atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e doença de refluxo gastroesofágico (CID 10 – K21-0).

Devido às aludidas circunstâncias, a alimentação do infante deve ser líquida e pastosa, necessitando fazer o uso de suplementação alimentar da seguinte forma: ENSURE de 400g, sendo 08 (oito) latas por mês, SUSTAGEM de 400g, sendo 04 (quatro) latas por mês.

Por sua vez, devidamente citado, o Estado do Rio Grande do Norte alegou que o demandante não teria logrado êxito em comprovar a inexistência ou ineficácia de tratamento alternativo disponibilizado na rede pública, sendo a documentação que instruiu a exordial demasiadamente sucinta, não sendo possível constatar o cumprimento dos requisitos modulados pelo Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do Recurso Repetitivo do RESp nº 1657156/RJ (2017/0025629-7).

Sobre o assunto, sabe-se que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) inaugurou a concepção da seguridade social, englobando o risco social nas áreas de previdência, assistência e saúde pública. Sob este novo viés, o direito à saúde é previsto como direito fundamental (arts. e 196 da CF/88[1]), sendo dever fundamental do Estado a adoção de políticas institucionais para sua efetivação, por ter ele aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF/88).

Não por outro motivo, a Carta Magna preceitua em seu artigo 23, inciso II, a obrigação solidária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar da saúde e assistência pública, cujas ações e expedientes serão desenvolvidos de forma integrada, regionalizada e descentralizada (art. 198, inciso I, da CF/88), por meio de um Sistema Único de Saúde-SUS (gerido pela Lei nº 8.080/1990).

A Lei Federal nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, na mesma toada, atribui a todos os entes federados a respectiva prestação, atendendo aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade (integralidade de assistência), em todos os níveis de governo, alcançando solidariamente as figuras estatais.

Nesta esteira, vê-se que os três entes da federação são partes legítimas para figurar no polo passivo de demandas que tenham por objeto a consecução plena do direito à saúde, materializado por intermédio do fornecimento de medicamentos e/ou procedimentos médicos indispensáveis.

Esta Corte de Justiça, ademais, em sintonia com a conclusão ora esposada, editou o seguinte Enunciado de Súmula nº 34: a ação que almeja a obtenção de medicamentos e tratamentos de saúde pode ser proposta, indistintamente, em face de qualquer dos entes federativos.

Especificamente sobre a temática dos autos, é cediço que a Portaria nº 2.715/2011, que versa sobre a Política Nacional de Alimentação e Nutrição, disciplina o dever de repasse pelo Poder Público, gratuitamente, do alimento básico que pode contribuir para o bem-estar do cidadão, frente às limitações impostas por restrições alimentares e que demandam providências interventivas, máxime quando envolve os sujeitos tutelados pela Lei nº 8.069/1990, com garantia de proteção integral.

Em cotejo aos elementos anexados ao caderno processual, tem-se que os laudos dos profissionais de saúde atestam de forma plena as condições clínicas da criança, bem como a necessidade do suplemento alimentar, o qual, apesar de devidamente registrado na ANVISA, não está sendo garantido administrativamente (ID’s 10714512, 10715523 e 10715526).

De igual maneira, tem-se a ausência, para o tratamento da moléstia, de outras fórmulas alimentares viabilizadas pela rede pública, bem como a incapacidade financeira dos genitores para aquisição destas.

Em verdade, a robustez do direito invocado encontra-se evidenciada, uma vez que, ante a impossibilidade material de o cidadão adquirir quaisquer meios terapêuticos para prolongar sua vida, deverá o Poder Público providenciar tais instrumentos, porquanto se trata de direito fundamental emanado de norma constitucional autoaplicável, e, como tal, independe de regulamentação.

O Supremo Tribunal Federal, sobre o tema, assim se manifestou:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MEDICAMENTO. FORNECIMENTO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015." (RE 953711 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 16/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 30-09-2016 PUBLIC 03-10-2016).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS PELO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE. MATÉRIA EXAMINADA POR ESTE SUPREMO TRIBUNAL NA SISTEMÁTICA DA...

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