Acórdão Nº 08037457920198205102 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 10-04-2023

Data de Julgamento10 Abril 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08037457920198205102
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0803745-79.2019.8.20.5102
Polo ativo
VENTOS DE SANTO ARTUR ENERGIAS RENOVAVEIS S/A
Advogado(s): DANILO BORINATO BATISTA, PRISCILA MARIA MACIEL DELGADO BORINATO, MARCELO NOBRE DA COSTA, FRANCISCO ALEXANDRE MACEDO ARRAIS
Polo passivo
MONTANA CONSTRUCOES LTDA
Advogado(s): BRUNO AUGUSTO RODRIGUES DE OLIVEIRA CAVALCANTI

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. ART. 372 DO CPC. INOBSERVÂNCIA DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO NA ESPÉCIE. LAUDO UTILIZADO QUE NÃO RESPEITA O PRINCÍPIO DA CONTEMPORANEIDADE. ANULAÇÃO QUE SE IMPÕE. APROFUNDAMENTO DA INSTRUÇÃO IMPRESCINDÍVEL A FIM DE SE AFERIR O VALOR JUSTO E ATUAL DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. SENTENÇA ANULADA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO APELO.





ACÓRDÃO



Acordam os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível, em Turma, por maioria de votos, conheceu e deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Vencedor. Vencido o Relator o Juiz Convocado Roberto Guedes e Des. Ibanez Monteiro. Redator para o acórdão o Juiz Convocado Ricardo Tinoco.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela empresa Vento de Santo Artur Energia Renováveis S/A em face de sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Ceará-Mirim (ID 15024162), que julgou parcialmente procedente a pretensão inicial, constituindo a servidão administrativa em favor da autora, bem como fixado a respectiva indenização no valor de R$ 1.132.352,73 (um milhão, cento e trinta e dois mil, trezentos e cinquenta e dois reais e setenta e três centavos).

Em suas razões (ID 15024168), a recorrente informa sobre sua condição de concessionária de serviço público voltado à implantação de rede de transmissão de energia elétrica.

Argumenta sobre a necessidade de constituição de servidão administrativa sobre imóveis de terceiros para a realização de suas atividades.

Reputa excessivo o valor da indenização deferido na sentença.

Argumenta sobre a necessidade de realização de prova pericial específica para fins de apuração do valor devido em relação ao imóvel descrito nos autos.

Esclarece que o imóvel sobre o qual recai a servidão administrativa teria natureza rural, tendo a prova valorado sua quantificação econômica como se urbano fosse.

Reafirma a ocorrência do cerceamento de defesa, ante a utilização de prova emprestada.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação interposto, para anular a sentença, por cerceamento de defesa, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para realização de perícia. Alternativamente, requer o provimento do apelo, para que seja reduzido o valor da indenização fixada em razão da servidão administrativa constituída no imóvel.

Intimada, a Montana Construções Ltda apresentou suas contrarrazões (ID 15024223), refutando a ocorrência de qualquer nulidade por cerceamento de defesa.

Justifica que as áreas referidas na inicial e o imóvel destacado na prova pericial apresentam características semelhantes, sendo possível a utilização da prova emprestada.

Defende a idoneidade do critério utilizado para quantificação econômica da servidão administrativa em questão.

Argumenta sobre a necessidade de manutenção da sentença.

Requer o desprovimento do apelo.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, por sua 8ª Procuradoria de Justiça (ID 15863039), declinou de participar do feito por ausência de interesse público.

É o relatório.

VOTO VENCEDOR



Adoto o relatório do Juiz Convocado Roberto Guedes.

Com a devida vênia, penso que, na hipótese, impositiva é a anulação da sentença a quo.

Deveras, não obstante se reconheça a possibilidade de utilização da prova emprestada, na espécie, tenho como não respeitado o princípio do contraditório e da ampla defesa.

A fim de melhor ilustrar o debate no tocante à possibilidade do uso da prova emprestada reproduz-se, abaixo, a disciplina do Código de Processo Civil (grifos acrescidos):

Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Neste compasso, é preciso, desde logo, apontar que, cumpridos determinados requisitos, é plenamente possível e até desejável a utilização da prova emprestada.

Para tanto, é indispensável a estrita obediência ao contraditório, oportunizando-se aos demandantes o amplo acesso aos documentos importados de uma demanda para outra.

A Corte Especial, a seu turno: Há um consenso quanto à necessidade de observância do princípio do contraditório como requisito para a admissibilidade de prova emprestada. O CPC, aplicado subsidiariamente ao processo penal, prevê expressamente no art. 372: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório” (RHC n. 86.549/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/4/2021, DJe de 14/4/2021).

Este Tribunal, se posicionando sobre a questão, assim entendeu:

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA C/C IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA SUSCITADA PELA EMPRESA APELANTE. PERÍCIA JUDICIAL DE ÁREA CONTÍGUA UTILIZADA COMO PROVA EMPRESTADA DE OUTRO PROCESSO. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE JUNTADA DO LAUDO COMPLEMENTAR E DEPOIMENTOS PRESTADOS PELO PERITO. CUMPRIMENTO PARCIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA EVIDENCIADO. NULIDADE RECONHECIDA. PREFACIAL ACOLHIDA. RETORNO DOS AUTOS À PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA QUE SE PROCEDA À PERÍCIA JUDICIAL NA ÁREA EM QUE SE PRETENDE A SERVIDÃO ADMINISTRATIVA, OU PARA QUE SEJA DETERMINADA A JUNTADA DO LAUDO COMPLEMENTAR E DO DEPOIMENTO COMPLETO PRESTADO PELO PERITO JUDICIAL NOS AUTOS DO PROCESSO EM QUE SE OBTEVE A PROVA EMPRESTADA. (TJ-RN - AC: 20180040016 RN, Relator: Juiz Convocado Luiz Alberto Dantas Filho, Data de Julgamento: 30/10/2018, 2ª Câmara Cível).

Feito tal introito e volvendo os olhos para a situação concreta, compreende-se que, na espécie, não houve o devido respeito ao contraditório, bem como que há pertinência no requerimento do recorrente no sentido de que fosse realizada a prova técnica especificamente para o processo em epígrafe.

A esse respeito, diga-se que, a despeito de haver decisão do Juízo a quo saneando o processo e autorizando a utilização da prova emprestada, tal matéria, não estando inserida dentre aquelas previstas no art. 1.015 do Código de Processo Civil, não está preclusa.

Sob este aspecto, confira-se (grifos acrescidos):

IMISSÃO DE POSSE E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO, PARA APRESENTAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE NA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. NÃO CONHECIMENTO. TAXATIVIDADE MITIGADA NÃO APLICÁVEL. Decisão monocrática que não conheceu de agravo de instrumento. Interposição de agravo interno pelo agravante. Alegação de necessidade da prova emprestada e de complementação da perícia. Questões que podem ser examinadas em preliminar de apelação. Taxatividade mitigada não aplicável. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AGT: 22640854520218260000 SP 2264085-45.2021.8.26.0000, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 24/05/2022, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/05/2022).

Após a decisão de saneamento, realce-se que deveria ter sido aberto prazo para impugnação específica ao teor do laudo pericial admitido pelo Juízo, bem como para apresentação de pleitos de complementação, o que, contudo, não ocorreu, na medida em que ato contínuo a tal determinação, sucederam-se substituições de causídicos e, por fim, a própria sentença recorrida.

Nesta senda, entende-se, especialmente diante da relevante divergência entre os apontamentos feitos pelo perito responsável pela prova técnica emprestada e os valores considerados pelo requerente à inicial, como imprescindível o aprofundamento da instrução, seja para melhor analisar os critérios, metodologia e conclusão do referido expert, uma vez que não foram estes sindicados na presente ação.

Apenas com tal complementação há de se compreender como atendido a um dos requisitos para admissão da prova emprestada, qual seja, o efetivo exercício do contraditório sobre o elemento probante.

Como se isso não fosse suficiente, analisando a particularidade do caso em tela, tem-se que, não obstante se reconheça o valor da prova emprestada para a contribuição da formação da decisão judicial na primeira instância, há circunstâncias deveras relevantes a recomendarem, inclusive, a produção de uma prova autônoma neste procedimento.

Com efeito, os documentos que subsidiaram a atuação do perito datam de 2017, não guardando, portanto, a necessária contemporaneidade que se espera da prova judicial em ações como a que ora apreciamos, sendo certo que o objetivo da atividade cognitiva no âmbito das lides promovidas com supedâneo no Decreto-lei nº 3.365/1941 é a identificação do valor justo e atual para a indenização.

Vejamos o que dispõe a mencionada legislação em seu art. 26:

Art. 26. No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado.

Interpretando o excerto em destaque, eis o posicionamento do STJ (grifos acrescidos):



ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO. VALOR. LAUDO. CONTEMPORANEIDADE. PERÍCIA. JUROS COMPENSATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TDA. INCIDÊNCIA. 1. Inexiste contrariedade ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte de origem decide clara e fundamentadamente todas as questões postas a seu exame. Ademais, não se deve confundir decisão contrária aos interesses da parte com ausência de prestação jurisdicional. 2. O valor da indenização apurado pelo laudo pericial deve ser contemporâneo à sua realização, não importando a data da imissão na posse ou a vistoria administrativa. 3....

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