Acórdão Nº 08038694220198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 12-03-2020

Data de Julgamento12 Março 2020
Classe processualMANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
Número do processo08038694220198200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL - 0803869-42.2019.8.20.0000
Polo ativo
HENRIQUE PEREIRA DE MEDEIROS e outros
Advogado(s): BRUNA DE FREITAS MATHIESON
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):

Mandado de Segurança N° 0803869-42.2019.8.20.0000

Origem: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

Impetrante: Henrique Pereira de Medeiros (rep. p/ sua genitora)

Advogada: Bruna de Freitas Mathieson (OAB/PB 15.443)

Impetrado: Secretário de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte

Ente Público: Estado do Rio Grande do Norte

Relatora: Desembargadora Judite Nunes


EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO VOLTADA À GARANTIA DO DIREITO BASILAR À SAÚDE. IMPETRANTE COM NECESSIDADE COMPROVADA E URGENTE DE SER SUBMETIDO A PROCEDIMENTO CIRÚRGICO PARA CORREÇÃO DE ESCOLIOSE SEVERA. INSUBSISTÊNCIA DOS ARGUMENTOS DEFENSIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO IMPETRADO. MATÉRIA SEDIMENTADA NESTA CORTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA ORDEM LIMINAR. MANUTENÇÃO DA MULTA PESSOAL POR DESCUMPRIMENTO. CONHECIMENTO E CONCESSÃO DA SEGURANÇA.


A C Ó R D Ã O


Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram este Tribunal de Justiça, em sua composição plenária, à unanimidade de votos, em conhecer e conceder a segurança pleiteada, confirmando os efeitos da liminar e da decisão que negou provimento ao agravo interno, especialmente no tocante à multa por descumprimento já arbitrada, tudo nos termos do voto da Relatora, que integra este acórdão.


R E L A T Ó R I O


Trata-se de Mandado de Segurança com pedido liminar impetrado por HENRIQUE PEREIRA DE MEDEIROS, representado por sua genitora, ELZA PEREIRA DOS SANTOS MEDEIROS, e por advogada devidamente constituída, em face de ato coator atribuído ao Secretário Estadual de Saúde Pública, tendo por ente público interessado o próprio Estado do Rio Grande do Norte.

Narrou o Impetrante, após requerer a concessão dos benefícios da justiça gratuita, que: a) é portador de deformidade vertebral muito grave, caracterizada como hipercifose torácica ou doença de Schwermann, medindo 100 graus e com evolução de mais de 3 (três) anos, a qual gera desconforto respiratório severo, grave descompensação (perda do esquema corporal), tendo indicação de tratamento cirúrgico de urgência, devido ao grave risco de complicação do quadro; b) o diagnóstico ocorreu há mais de 3 (três) anos, porém só foi atendido por médico especialista há cerca de 1 (um) ano, quando realizou uma série de exames diante da progressão da deformidade, restando encaminhado a outro especialista em 22/04/2019 (Dr. Julimar Nogueira), que confirmou a gravidade do quadro e a indicação cirúrgica específica; c) abriu procedimento administrativo próprio, com o intuito de obter autorização, junto ao SUS, para a realização da cirurgia, em cujos autos foi emitido novo laudo médico, corroborando a indicação cirúrgica do médico particular; d) não haveria no serviço público condições adequadas para a realização do procedimento indicado; e) “o tratamento cirúrgico indicado é ADEQUADO, NECESSÁRIO E URGENTE, devendo ser realizado imediatamente, conforme relatórios dos médicos especialista sob risco de mortalidade e/ou sequelas irreversíveis em caso de atraso na realização do tratamento cirúrgico”; f) não tem o Impetrante condições de arcar com o procedimento na rede privada.

Acresceu que o direito à saúde e, consequentemente, à preservação da própria vida, é garantia constitucional, perfazendo direito subjetivo líquido e certo em face da autoridade Impetrada, consoante artigo 196 da Carta Magna, e artigo 125 da Constituição do Estado, sendo permitido ao cidadão demandar contra quaisquer dos entes públicos federados.

Entendendo preenchidos os requisitos ensejadores da medida de urgência, requereu, em sede liminar, “o fornecimento do TRATAMENTO DE CORREÇÃO DA DEFORMIDADE VERTEBRAL, NO PRAZO DE VINTE DIAS, na forma requerida pelo médico especialista, arcando com o fornecimento de todo MATERIAL CIRÚRGICO SOLICITADO: NEUROMONITORAMENTO INTRA-OPERATÓRIO (MONITORIZAÇÃO MEDULAR); CELL SAVER (EQUIPAMENTO QUE REUTILIZA SANGUE DA PRÓPRIA PACIENTE DURANTE O ATO CIRÚRGICO); 28 PARAFUSOS PEDICULARES, 28 ARRUELAS PARA PARAFUSOS, 2 BARRAS LONGITUDINAIS DE CROMO COBALTO, 3 CROSS LINK´S E 40 GRAMAS DE ENXERTO DE HIDROXIAPATITA, DIÁRIAS HOSPITALARES (02 DIÁRIAS DE UTI E 03 DIÁRIAS DE ENFERMARIA/APT), ASSIM COMO HONORÁRIOS DA EQUIPE MÉDICA”, sob pena do arbitramento de multa e de ordem de bloqueio judicial dos valores referentes ao custo.

No mérito, pretende a confirmação da tutela de urgência.

Trouxe ao feito os documentos elencados do ID. 3600072 ao ID. 3600222.

Em decisão proferida no ID. 3606152, restou apreciado e deferido o pedido liminar, “para determinar à autoridade coatora que, no lapso de 20 (vinte) dias, contados a partir de sua notificação, adote todas as medidas necessárias à realização do procedimento cirúrgico especificamente indicado no documento ID. 3600078 (páginas 2 e 3), com a garantia de todas as condições técnicas adequadas, seja na rede pública (caso já exista disponibilidade para tanto) ou na rede privada conveniada, o que deve ser devidamente comprovado nestes autos, sob pena da oportuna imposição de multa, que pode deter caráter pessoal”.

Contra tal decisão foi interposto recurso de agravo interno, pelo ente público interessado, no ID. 3776581, que também apresentou sua manifestação em torno dos fatos narrados na exordial (no ID. 3719831), aduzindo nas duas peças, em suma, que a via eleita seria inadequada, uma vez que o direito não poderia ser demonstrado plenamente pela prova pré-constituída, e que o Impetrante “deixa de apresentar qualquer prova quanto a competência do Estado do Rio Grande do Norte” para fornecer o tratamento pleiteado.

Destacou, ainda, que o direito líquido e certo inexiste, diante da necessidade de respeito à isonomia, destacando, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.657.156, definiu que o dever do Estado, em situações dessa natureza, exige a demonstração dos seguintes requisitos: 1) comprovação por laudo firmado por médico do SUS; 2) comprovação de imprescindibilidade do medicamento; e 3) hipossuficiência do paciente e registro do remédio na ANVISA.

O agravo interno foi desprovido, após contrarrazões recursais apresentadas no ID. 3833457, por acórdão do Tribunal Pleno desta Corte de Justiça (registrado no ID. 4197655).

Instado a se manifestar, o ente ministerial opinou pelo conhecimento e concessão da segurança (ID. 4480736)

Finalmente, importa registrar a existência de pedidos reiterados de bloqueio de verbas públicas para a garantia cogente do tratamento (IDs. 3833458 e 4974857), tendo em vista a ausência de cumprimento da ordem liminar.

A autoridade impetrada ainda foi intimada novamente, conforme certidões de IDs. 5167929 e 5185678, para comprovar o atendimento da ordem judicial, sendo devidamente cientificada a respeito da multa arbitrada no julgamento do agravo interno. No entanto, permaneceu inerte conforme certidão de ID. 5282779.

É o relatório.


V O T O


De imediato, importa rechaçar a alegação preliminar de ilegitimidade passiva do ente público estadual, ou mesmo do Secretário de Estado da Saúde Pública, uma vez assentada na jurisprudência desta Corte (e dos Tribunais Superiores) a responsabilidade solidária dos entes federados no que tange à garantia dos meios de acesso à saúde pública e à preservação da vida.

A matéria é reiteradamente decidida neste Tribunal e não abre margem para controvérsias. De todo modo, transcrevo aresto de precedente de minha relatoria, no qual resta evidente, inclusive, a legitimidade passiva do Secretário de Saúde em ação mandamental desse jaez:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADA PELO ENTE MINISTERIAL: LEGITIMIDADE EXCLUSIVA DO SECRETÁRIO ESTADUAL DE SAÚDE PÚBLICA. ARTIGO 9º, INCISO II, DA LEI Nº 8.080/1990. EXCLUSÃO DA DIRETORA DA UNICAT DO PÓLO PASSIVO. ACOLHIMENTO. MÉRITO: IMPETRANTE PORTADORA DE ENFERMIDADE GRAVE (PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA CRÔNICA). RISCO IMINENTE À VIDA DA PACIENTE. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO USO DO MEDICAMENTO (RITUXIMABE 500 mg e RITUXIMABE 100 mg). INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES DE ARCAR COM O CUSTO DA MEDICAÇÃO. DEVER DO ESTADO. AUTORIDADE COATORA QUE DETÉM CAPACIDADE DE CUMPRIR A ORDEM PROVENIENTE DO MANDAMUS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 5º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. PRECEDENTES.” (TJRN - Tribunal Pleno - Mandado de Segurança Com Liminar n° 2017.009818-6 – Relatora: Desembargadora Judite Nunes - Julgamento: 08/08/2018)


A própria Lei nº 8.080/1990, que dispõe – dentre outras coisas – sobre o funcionamento dos serviços correspondentes à saúde pública, assevera em seu artigo 9º, inciso II, que:


"Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde SUS é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;

II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e

III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente." (grifos acrescidos)


Assentada a legitimidade do ente público estadual, e de modo especial a responsabilidade do próprio Secretário de Saúde em ação de natureza mandamental, passo ao enfrentamento do mérito proposto.

Como registrado desde o julgamento do recurso interno, nota-se a toda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT