Acórdão Nº 08040590720198205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 17-06-2022

Data de Julgamento17 Junho 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08040590720198205108
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0804059-07.2019.8.20.5108
Polo ativo
LEILANE FERREIRA LUNES
Advogado(s): MARIA LIDIANA DIAS DE SOUSA FREITAS
Polo passivo
MUNICÍPIO DE PAU DOS FERROS/RN e outros
Advogado(s):


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL

GABINETE DO JUIZ MÁDSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES

RECURSO CÍVEL VIRTUAL Nº 0804059-07.2019.8.20.5108

PARTE RECORRENTE: LEILANE FERREIRA NUNES

ADVOGADA: MARIA LIDIANA DIAS DE SOUSA FREITAS (OAB/RN 7.571)

PARTE RECORRIDA: MUNICÍPIO DE PAU DOS FERROS

PROCURADORA: PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO DE PAU DOS FERROS

RELATOR: JUIZ MÁDSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES

EMENTA: RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. DIREITO CONSTITUCIONAL, MÉDICO, DA SAÚDE, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE REFORMA DO JULGADO. ATRASO DE MAIS DE 2 ANOS NA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE EXERESE DE NÓDULO DE MAMA (NODULECTOMIA) PRESCRITA POR MÉDICA DA REDE MUNICIPAL DE SAÚDE DE PAU DOS FERROS. ESPERA EXCESSIVA DA PACIENTE, NOS TERMOS DO ENUNCIADO 93 DA III JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE, QUE CONTRIBUIU PARA A RÁPIDA EVOLUÇÃO DO QUADRO CANCERÍGENO EM RAZÃO DA TARDIA RETIRADA DO NÓDULO MAMÁRIO AINDA NA FASE BENIGNA, ACARRETANDO AGRAVAMENTO NO QUADRO DE SAÚDE DA PARTE AUTORA. INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE PROTEÇÃO PREVENTIVA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 23, II, 196 E 198, II, DA CF/88. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO DE PAU DOS FERROS CARACTERIZADA. APLICAÇÃO DO ART. 37, § 6º, DA CF/88, C/C ART. 43 DO CC/2002. DANOS MORAIS CONFIGURADOS E FIXADOS EM R$ 10.000,00. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Na espécie, quando da realização da primeira ultrassonografia em 29 de maio de 2017, o nódulo na mama direita apresentava contornos regulares e media apenas 1,24x0,69cm de diâmetro, mas ainda não havia atingido as glândulas linfáticas da axila, de modo que um procedimento cirúrgico de retirada do nódulo teria sido suficiente para impedir o seu aumento e consequente progressão da doença. No entanto, a realização tardia da cirurgia, em 10 de junho de 2019, concorreu para que o nódulo incrementasse seu diâmetro para 2,12x1,25cm e 3,8cm, nível de evolução da moléstia em que “já houve o contato com os linfonodos. A partir desse estágio, além da cirurgia e radioterapia, é necessário realizar quimioterapia e hormonoterapia”.

A partir desse esboço fático-cronológico, verifica-se que o atraso injustificado e desarrazoado de mais de 2 anos na realização de cirurgia mamária, além de configurar espera excessiva nos termos do Enunciado 93 da III Jornada de Direito da Saúde, contribuiu sobremaneira para a rápida evolução do quadro cancerígeno em razão da tardia retirada do nódulo da mama, o que agravou o quadro de saúde da demandante, fazendo-a necessitar inclusive de radioterapia, o que poderia ter sido evitado ou minimizado caso a retirada do nódulo mamário, ainda na fase benigna e de contornos regulares, tivesse ocorrido em no máximo 180 dias após o encaminhamento feito por médica vinculada ao próprio município demandado.

No que se refere ao quantum indenizatório, considerando a gravidade da conduta estatal, a ausência de culpa concorrente da parte autora, sua condição socioeconômica e o caráter pedagógico da indenização, fixa-se em R$ 10.000,00 (dez mil reais), montante razoável e compatível com a extensão do dano.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso inominado acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, nos termos do voto do relator, conhecer e prover o recurso inominado interposto pela parte autora, para reformar a sentença e condenar o Município de Pau dos Ferros ao pagamento de danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizados monetariamente pela SELIC desde a prolação do acórdão, nos moldes do art. 3º da EC 113/2021 e da Súmula 362 do STJ.

Sem custas processuais e sem honorários advocatícios.

Natal/RN, data conforme o registro do sistema.

MÁDSON OTTONI DE ALMEIDA RODRIGUES

Juiz Relator

RELATÓRIO

Trata-se de recurso inominado interposto por LEILANE FERREIRA NUNES no qual requer a reforma da sentença que julgou improcedente a pretensão de danos morais decorrente de atraso excessivo na realização de cirurgia de extração de nódulo mamário.

Nas suas razões, sustenta a recorrente que “buscou não apenas a consulta médica especializada, como também a autorização para a realização da cirurgia junto Secretaria de Saúde do Município de Pau dos Ferros/RN, por inúmeras vezes, sendo-lhe negado seu direito fundamental a saúde, conforme assegura a Constituição Federal em seu artigo 196”.

Aduz que “possuía um nódulo pequeno e de aparência normal no seio direito, quando foi encaminhada para cirurgia. A demora por parte do Município de oferecer a ela a referida cirurgia para retirada do nódulo, contribuiu para que o crescimento do nódulo, bem como para que o diagnóstico recebido fosse desfavorável”, eis que “quando finalmente realizada a retirada do nódulo, seu quadro clínico já tinha evoluído para o diagnóstico de câncer de mama (CID 10 - D05.1 Carcinoma intraductal in situ)”.

Argumenta que “a administração municipal deveria ter providenciado a cirurgia da requerente na primeira oportunidade do atendimento médico a fim de evitar não apenas o terrível diagnóstico de Câncer, como também o doloroso tratamento de radioterapia que a autora enfrentará, ou mesmo ter amenizado os riscos e sofrimento através do diagnóstico célere, ou ao menos fazer o devido encaminhamento para quem entendesse competente, prestando clara informação sobre o estado de saúde da recorrente, oportunizando-lhe, inclusive a busca do diagnóstico e tratamento junto aos outros Poderes ou entes federados.

.Afirma que restou clara a conduta lesiva de total e absoluta negligência, imprudência dos agentes executivos do Município de Pau dos Ferros/RN, ora Réu, ao qual deixaram de prestar informações, cuidados, assistência necessárias à situação fática, bem como falta de atenção devida ao estado clínico da Autora que culminou com o diagnóstico tardio de ‘Câncer de Mama’, justificando, desse modo, a promoção da presente demanda”.

Requer o conhecimento e provimento do recurso inominado, com a reforma da sentença e a condenação do Município de Pau dos Ferros ao pagamento de indenização por danos morais.

Devidamente intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

VOTO

Conheço do Recurso Inominado ante a presença dos seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Defiro a justiça gratuita, nos termos do art. 99 do CPC/2015. Quanto ao mérito, entendo que assiste razão à recorrente.

Com efeito, analisando os autos, verifico que em 29 de maio de 2017, foi detectado na demandante, mediante ultrassonografia, nódulo regular na mama direita medindo 1,24x0,69cm de diâmetro (Identificador 7332548), tendo havido, em 1º de junho de 2017, encaminhamento médico para cirurgia de retirada de nódulo, conforme prescrição da Dra. Lisbeth Perez Mendez, da Secretaria Municipal de Saúde de Pau dos Ferros (Identificador 7332542).

No entanto, em 8 de fevereiro de 2019, a referida cirurgia mamária ainda não havia sido realizada, data em que a parte autora, a partir de nova ultrassonografia (Identificador 7332547), pôde verificar que o nódulo da mama direita, antes regular e de contornos normais (1,24x0,69cm), aumentou consideravelmente sua dimensão e adquiriu contornos irregulares, passando a medir 2,12x1,25cm de diâmetro.

Em 10 de abril de 2019, a requerente submeteu-se a exame de PAAF de mama (Identificador 7332540 – pág. 2) e em 16 de maio de 2019, foi detectada uma lesão epitelial proliferativa com atipia (Identificador 7332540 - Pág. 1), condição em que “existe um crescimento excessivo das células dos ductos ou lóbulos, com algumas das células normais não aparecendo. Esses tipos de lesões incluem a hiperplasia ductal atípica e a hiperplasia lobular atípica. Eles têm um forte efeito sobre o risco de câncer de mama, elevando-o de 3 a 5 vezes em mulheres com essas alterações”.[1]

Apenas em 10 de junho de 2019, houve a realização do procedimento cirúrgico (Identificador 7332541), ocasião em que o nódulo já havia aumentado para 3,8cm de diâmetro e foi dado o diagnóstico de carcinoma ductal in situ (Identificador 7332539 – pág. 1), com encaminhamento da recorrente à radioterapia em 5 de agosto de 2019.

A partir de todo o esboço fático-cronológico exposto, verifico que o atraso injustificado e desarrazoado de mais de 2 anos na realização de cirurgia mamária, além de configurar espera excessiva nos termos do Enunciado 93 da III Jornada de Direito da Saúde[2], contribuiu sobremaneira para a rápida evolução do quadro cancerígeno em razão da tardia retirada do nódulo da mama, o que agravou o quadro de saúde da demandante, fazendo-a necessitar inclusive de radioterapia, o que poderia ter sido evitado ou minimizado caso a retirada do nódulo mamário, ainda na fase benigna e de contornos regulares, tivesse ocorrido em no máximo 180 dias após o encaminhamento feito por médica vinculada ao próprio município demandado, já que o carcinoma ductal in situ, também chamado de não invasivo, se refere a um estágio bem inicial da doença. Por conta disso, tem uma taxa de cura de 98% se detectado a tempo.[3]

De fato, quando da realização da primeira ultrassonografia em 29 de maio de 2017, o nódulo na mama direita apresentava contornos regulares e media apenas...

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