Acórdão Nº 08042216320208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 02-07-2020

Data de Julgamento02 Julho 2020
Classe processualAGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL
Número do processo08042216320208200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - 0804221-63.2020.8.20.0000
Polo ativo
GILDERVAN KLEBER DE OLIVEIRA
Advogado(s): VANIRA GALDENCIO ROBERTO, KORALINA SANTOS DE SOUZA
Polo passivo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

Agravo em Execução Penal n° 0804221-63.2020.8.20.0000

Origem: Juízo de Execuções Penais de Nísia Floresta

Agravante: Gildervan Kleber de Oliveira

Advogadas: Karolina Santos de Souza e outra

Agravado: Ministério Público

Relatora: Drª Maria Neíze de Andrade Fernandes (Juíza convocada)

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGEX. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO, ROUBO CIRCUNSTANCIADO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PLEITO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DAS CONDENAÇÕES ATÉ O 21/12/2017 COM FULCRO NOS DECRETOS PRESIDENCIAIS 6.706/2008 E 9.246/17 (INDULTOS NATALINOS). APENADO REINCIDENTE NA DATA LIMÍTROFE DO DECRETO 6.706/08. CONDENAÇÃO ANTERIOR PELO DELITO DO ART. 16 DA LEI 6368/76 (ANTIGA LD). REQUISITO OBJETIVO NÃO ATENDIDO. PARÂMETROS DO DECRETO 9.246/2017 IGUALMENTE NÃO PREENCHIDOS. DETENTO CONTUMAZ E COM PENA SUPERIOR A 08 (OITO) ANOS POR CRIME COM VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA QUANDO DA EDIÇÃO DA NORMA CONCESSIVA. IMPOSSIBILIDADE DO INDULTUS. DECISUM MANTIDO. PRECEDENTES DO STF. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores integrantes da Câmara Criminal, à unanimidade de votos e em consonância com a 4ª Procuradoria de Justiça, conhecer e desprover o Recurso, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

1. Agravo em Execução interposto por Gildervan Kleber de Oliveira em face de decisum do Juízo da Vara de Execuções Penais de Nísia Floresta, o qual, nos autos 0004688-77.2009.8.20.0124, onde cumpre penas unificadas dos crimes de roubo circunstanciado e porte ilegal de arma de fogo, indeferiu os indultos natalinos insertos nos Decretos 6.706/2008 e 9.246/2017 (ID 6117334).

2. Como razões (ID 6117334), sustenta, em resumo:

i) a condenação pelo delito do art. 16 da Lei 6.368/78 (posse de drogas para consumo pessoal) não pode ser considerada para fins de reincidência, conforme jurisprudência do STJ;

ii) a extinção da punibilidade o tocante aos crimes de roubo circunstanciado e porte ilegal de arma de fogo, porquanto preencheu os requisitos dos Decretos ns. 6.706/08 e 9.246/17.

3. Pugna, ao fim, pelo provimento do Agravo.

4. Contrarrazões junto ao ID 6117334.

5. Parecer Ministerial pelo desprovimento do recurso (ID 6168011).

6. É o relatório.

VOTO

7. Conheço do Agravo.

8. No mais, sem razão o Recorrente.

9. Reside a celeuma jurídica na polêmica se a condenação pelo delito de posse de drogas para consumo pessoal (art. 16 da Lei 6.368/78 vigente à época, atualmente previsto no art. 28 da lei 11.343/06[1]) gera reincidência (ponto i), conditio sine qua non para a aplicabilidade dos indultos almejados (Decretos ns. 6.706/08 e 9.246/2017) e, por conseguinte, para extinguir a punibilidade dos demais delitos cometidos posteriormente (roubo circunstanciado e porte de arma de fogo).

10. Acerca do tema, a despeito da divergência dos Tribunais Superiores, filio-me ao entendimento consolidado pelas duas turmas da Suprema Corte, no sentido de considerar a conduta (porte para consumo) passível de gerar reincidência.

11. Com efeito, o porte de entorpecentes (antes descrito no art. 16 da Lei 6.368/78) possui natureza jurídica de crime, pois se encontra tipificado na Lei de Drogas no Capítulo III, do Título III, intitulado “Dos crimes e das penas”.

12. Ora, não se pode presumir um desapreço ou equívoco técnico do legislador em inseri-lo no aludido rol, porquanto a mens legislatoris foi da ‘despenalização’ da conduta, e jamais a ‘descriminalização’.

13. Outrossim, não obstante o art. 1° do Decreto 3.914/41[2] (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) fixe aos respectivos tipos penas de reclusão ou detenção, nada impede que lei ordinária posterior adote poena diferente da restrição da liberdade.

14. Desse modo, é patente, a inocorrência de abolitio criminis da posse de entorpecentes para consumo próprio, consoante vem decidindo a Segunda Turma do STF:

EMENTA: “HABEAS CORPUS” – POSSE DE DROGA PARA USO PESSOAL (LEI Nº 11.343/2006, ART. 28) – INOCORRÊNCIA DE “ABOLITIO CRIMINIS” – SIMPLES MEDIDA DE “DESPENALIZAÇÃO” DESSA CONDUTA – NATUREZA JURÍDICA DE CRIME MANTIDA – POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CONDENAÇÃO ANTERIOR POR DELITO DESSA NATUREZA COMO CIRCUNSTÂNCIA CAPAZ DE PRODUZIR REINCIDÊNCIA/MAUS ANTECEDENTES – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (HC 148484 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/04/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 23-04-2019 PUBLIC 24-04-2019).

15. Sem dissentir, também a Primeira Turma do STF:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ARTIGO 33 DA LEI 11.343/06. REDISCUSSÃO DE CRITÉRIOS DE DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DISCRICIONARIEDADE MOTIVADA DO JUÍZO. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO... A conduta descrita no artigo 28 da Lei 11.343/06 ostenta a natureza jurídica de crime, conquanto ausente preceito secundário que comine pena privativa de liberdade. Precedentes: HC 148.484-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 24/4/2019; HC 127.333, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 31/3/2015; e RE 430.105-QO, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 27/4/2007... (HC 178521 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 01-04-2020 PUBLIC 02-04-2020).

16. Some-se a isso o fato de o próprio art. 28, §4°[3] da LD abordar nitidamente o instituto da reincidência nos moldes dos arts. 63 do CP[4] e 7° da LCP[5].

17. Na hipótese, a pretensão defensiva em plano secundário reside em antecipar a superação do precedente da Suprema Corte, cuja temática está afetada em sede de Repercussão Geral no RE n. 635.659.

18. Essa postulação, pautada no movimento denominado antecipatory overruling, é oriunda dos tribunais norte americanos e ocorre apenas em casos excepcionalíssimos, no quais os fundamentos dos precedentes não mais se apresentam como adequados ao contexto social ou político e aos reclames de justiça da sociedade, como destaca Luiz Guilherme Marinoni:

"... Entende-se por antecipatory overruling a atuação antecipatória das cortes de apelação estadunidenses em relação ao overruling dos precedentes da Suprema Corte. Trata-se, em outros termos, de fenômeno identificado como antecipação a provável revogação de precedente por parte da Suprema Corte..." (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2010).

19. No caso em liça, entrementes, não se verifica a perda de congruência dos precedentes com o senso de justiça, nem a diminuição de sua eficácia por descompasso com os valores sociais, políticos, econômicos ou jurídicos vigentes. Pelo contrário, o STF tem reiterado o entendimento consolidado, não podendo decisões sem força vinculante do Tribunal da Cidadania servirem de baldrame à sua superação.

20. Tecidas essa considerações, passo à analise pormenorizada dos Indultos Natalinos de ns. 6.706/08 e 9.246/17 (ponto ii).

Do indulto pelo Decreto 6.706/08

21. Como sabido, O indulto corresponde à um ato de favor rei exercido de maneira discricionária pelo Presidente da República, promovendo extinção da punibilidade do sujeito condenado pelo cumprimento de infração penal.

22. Neste sentido, Guilherme Nucci[6] leciona:

“O indulto coletivo é a clemência concedida pelo Presidente da República, por decreto, a condenados em geral, desde que preencham determinadas condições objetivas e/ou subjetivas. Cuida-se, também, de ato discricionário do chefe do Poder Executivo, sem qualquer vinculação a parecer de órgão da execução penal. Anualmente, no mínimo um decreto é editado (como regra, o denominado indulto de natal), podendo perdoar integralmente a pena, gerando a extinção da punibilidade, mas mantendo-se o registro da condenação na folha de antecedentes do beneficiário, para fins de reincidência e análise de antecedentes criminais, como pode perdoar parcialmente a pena, operando-se um desconto (comutação), sem provocar a extinção da punibilidade”.

23. In casu, dispõe o art. 1º do Decreto n. 6.706/08:

“Art. 1º É concedido indulto:

.....

I - ao condenado a pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou multa e não beneficiado com a suspensão condicional da pena, que, até 25 de dezembro de 2008, tenha cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente...”.

24. E, da análise detida dos autos, verifica-se que o apenado no dia 25 de dezembro de 2008 estava cumprindo pena de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, referente ao processo 0029772-03.2005.8.20.0001 (Art. 157, § 2º, do CP).

25. Ademais, na referida data, era considerado reincidente devido à condenação anterior pelo crime do art. 16 da Lei 6.368/76 (proc. 0001252-64.2004.8.20.0002), conforme os fundamentos acima expostos.

26. Desse modo, repise-se, o Agravante não cumpriu o requisito objetivo do precitado Decreto (“... metade, se reincidente.”), sendo imperioso o indeferimento do seu pedido.

Do indulto pelo Decreto 9.246/17

27. Na mesma retórica, também reputo ausentes os requisitos do art. 1º, do Decreto n. 9.246/17:

“Art. 1º O indulto natalino coletivo será concedido às pessoas nacionais e estrangeiras que, até 25 de dezembro de 2017, tenham cumprido:

....

III - metade da pena, se não reincidentes, e dois terços da pena, se reincidentes, nos crimes praticados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT