Acórdão Nº 08043857520168205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 13-05-2020

Data de Julgamento13 Maio 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo08043857520168205106
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0804385-75.2016.8.20.5106
Polo ativo
FRANCISCO JOSE NOGUEIRA e outros
Advogado(s): THOMAZ DE OLIVEIRA PINHEIRO
Polo passivo
MARIA LUZIA DE AMORIM e outros
Advogado(s): AMARO BANDEIRA DE ARAUJO JUNIOR, CESAR HENRIQUE DANTAS XAVIER

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. ALEGADA PRESENÇA DOS REQUISITOS EXIGIDOS NO ART. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL. DESCABIMENTO. ACERVO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. APELANTES QUE EXERCIAM O IMÓVEL POR MERA LIBERALIDADE DA APELADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO.

1. Apesar do alegado tempo em que os apelantes residiram no imóvel, o fato é que a posse não há de ser reputada mansa e pacífica frente aos fatos constatados, pois restou comprovado que a parte recorrida consentiu com a permanência dos apelantes no imóvel por mera liberalidade, de modo que forçosa se mostra a manutenção da sentença vergastada, ante o evidente não preenchimento dos requisitos legais para aquisição do imóvel em análise por quaisquer das modalidades de usucapião.

2. Precedentes do TJMG (Apelação Cível 1.0028.15.000899-4/001, Relator(a): Des.(a) Octávio de Almeida Neves, 15ª Câmara Cível, julgamento em 05/03/2020, publicação da súmula em 13/03/2020, Apelação Cível 1.0637.11.006874-8/001, Relator(a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva, 10ª Câmara Cível, julgamento em 19/02/2020, publicação da súmula em 28/02/2020 e Apelação Cível 1.0223.11.012563-8/002, Relator(a): Des.(a) Luciano Pinto, 17ª Câmara Cível, julgamento em 20/02/2020, publicação da súmula em 04/03/2020).

3. Apelo conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer do apelo e negar provimento, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação cível interposta por FRANCISCA EDINAMÁ DE OLIVEIRA NOGUEIRA e FRANCISCO JOSE NOGUEIRA contra sentença proferida no Id. 5255052, pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN que, nos autos da Ação de Usucapião (Proc.0804385-75.2016.8.20.5106), ajuizada em desfavor de MARIA LUZIA DE AMORIM, julgou improcedente o pedido autoral.

2. No mesmo dispositivo sentencial, condenou os recorrentes ao pagamento das custas e honorários sucumbenciais, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

3. Em suas razões (Id. 5255056), os apelantes asseveraram que mantêm, desde 1990, a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel em questão.

4. Alegaram também que o imóvel é de propriedade da COHAB - Companhia de Habitação Popular do Rio Grande do Norte, incorporado pela DATANORTE - COMPANHIA DE PROCESSAMENTO DE DADOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, devidamente registrado na matrícula 7270, Livro de Registro Geral do Sexto Cartório de Registro de Imóveis, sendo que o mesmo foi prometido à venda à apelada, pessoa esta que imitiu-os na posse do imóvel, onde, desde então, fixaram residência e a base de sua entidade familiar.

5. Afirmaram que a recorrida é tia do recorrente e que o permitiu residir na posse de forma mansa e pacífica, exercendo o animus domini do imóvel, haja vista que fizeram várias reformas no imóvel.

6. Enfatizaram que o imóvel usucapiendo é a moradia habitual e que, após o ajuizamento da ação de usucapião, a apelada ajuizou ação de reintegração de posse, alegando que a utilização do imóvel pelos recorrentes tratava-se de mera detenção, sendo que o referido imóvel foi adquirido junto à DATANORTE.

7. Por fim, requereram o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença em sua integralidade, haja vista o exercício da posse pelos recorrentes ter iniciado justamente a partir da ampliação do imóvel (reforma) sem o consentimento da apelada, devendo ser levado em consideração a possibilidade de reconhecimento de usucapião de imóvel pertencente à sociedade de economia mista.

8. A parte recorrida apresentou contrarrazões (Id. 5255060), em que, preliminarmente, alegou a necessidade de intimação da parte apelada para recolher o preparo recursal.

9. No mérito, requereu o desprovimento do recurso para manter a decisão recorrida em todos os seus termos.

10. Com vista dos autos, Dr. Raimundo Silvio Dantas Filho, Décimo Terceiro Procurador de Justiça, deixou de opinar no feito por entender que a causa em tela não carece de intervenção ministerial por se tratar de interesse meramente individual-disponível (Id. 5442868).

11. É o relatório.

VOTO

12. Primeiramente, no que concerne ao pedido formulado em sede de contrarrazões para que o apelante FRANCISCO JOSE NOGUEIRA seja intimado para recolher o preparo recursal, incabível o acolhimento.

13. Com efeito, é de se observar que, durante o trâmite da ação, a gratuidade judiciária foi deferida apenas em relação à FRANCISCA EDINAMÁ DE OLIVEIRA NOGUEIRA, benefício que não é aproveitado em prol do recorrente FRANCISCO JOSE NOGUEIRA.

14. Todavia, não se pode deixar de considerar que houve deferimento do benefício na sentença, sem distinção entre os apelantes.

15. Diante disto, reputa-se que ambos os recorrentes são beneficiários da justiça gratuita, por via de conseqüência, não se pode exigir o pagamento do preparo recursal a FRANCISCO JOSÉ NOGUEIRA.

16. Assim, conheço do recurso.

17. Com relação ao mérito do recurso, é conveniente examinar o pedido de aquisição da propriedade de imóvel por intermédio da usucapião extraordinária à luz do art. 1.238 do Código Civil, pois se faz necessário o exercício de posse sobre o bem de forma ininterrupta e sem oposição, com animus domini, pelo prazo de 15 (quinze) anos, senão veja-se:

"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis."

18. Ocorre que, no presente caso, não há elementos de prova suficientes para se concluir que os autores/apelantes exerceram, de fato, a posse mansa e pacífica sobre o referido bem pelo prazo mínimo de 15 (quinze) anos.

19. Ora, conforme enfatizado na Ação de Reintegração de Posse proposta pela apelada, havia um comodato verbal promovido pela apelada em favor dos apelantes, sendo que a posse indireta sobre o bem pertencia à recorrida, pois, segundo afirmação dos próprios apelantes, foi ela quem os imitiu na posse do imóvel, onde, desde então, fixaram residência e a base de sua entidade familiar.

20. Portanto, restou comprovado que a parte recorrida consentiu com a permanência dos apelantes no imóvel por mera liberalidade, consoante frisou acertadamente a sentença:

“o que o acervo probatório demonstra é que os autores Francisco José Nogueira e Francisca Edinamá de Oliveira Nogueira ocupavam o imóvel por ato de permissão e liberalidade da promovida Maria Luzia de Amorim, que exercia a posse indireta sobre o imóvel, circunstância que inibe o exercício de posse sobre o bem (art. 1.208, do Código Civil) e consequentemente frustra a aquisição da propriedade pelo decurso do tempo.” (Id. 5255052 - Pág. 7)

21. Portanto, apesar do alegado tempo em que os apelantes residiram no imóvel, o fato é que a posse não há de ser reputada mansa e pacífica frente aos fatos constatados, de modo que forçosa se mostra a manutenção da sentença vergastada, ante o evidente não preenchimento dos requisitos legais para aquisição do imóvel em análise por quaisquer das modalidades de usucapião.

22. Sobre o assunto, colaciono julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:


“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - PERMANÊNCIA NO IMÓVEL POR MERA PERMISSÃO - AUSÊNCIA DE "ANIMUS DOMINI" - RESSARCIMENTO DAS BENFEITORIAS - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. A usucapião extraordinária, prevista no art. 1.238 do Código Civil, exige comprovação de posse mansa, pacífica e ininterrupta, por quinze anos, ou dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, e "animus domini", sendo prescindível o justo título e boa-fé. Atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse, sendo que a simples detenção do bem, sem o ânimo de dono, obsta a aquisição do imóvel por usucapião. É inviável a análise de pedido não formulado na inicial, por acarretar violação ao princípio da adstrição.” (TJMG - Apelação Cível 1.0028.15.000899-4/001, Relator(a): Des.(a) Octávio de Almeida Neves, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/03/2020, publicação da súmula em 13/03/2020)


“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TÍTULO DO DOMÍNIO. COMPROVAÇÃO. USUCAPIÃO. MATÉRIA DE DEFESA. POSSIBILIDADE. MERA DETENÇÃO. POSSE USUCAPIONE. AUSÊNCIA. PEDIDO REIVINDICATÓRIO. PROCEDÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. I - Para que possa ser ajuizada a ação reivindicatória, é necessária a comprovação da titularidade do domínio, a individualização da coisa e a posse exercida injustamente por outrem, em oposição ao título de domínio. II - Depois da edição da Súmula 237 pelo Supremo Tribunal Federal, consolidou-se o entendimento de que é possível a arguição da usucapião como defesa nas ações petitórias e possessórias propostas em face do possuidor. III - Não provada a posse, mas atos de mera detenção, não há o que se falar em aquisição da propriedade por força da usucapião. IV - Presentes os requisitos legais há de ser mantida a sentença que acolheu o pedido reivindicatório. V - Recurso conhecido e não provido.” (TJMG - Apelação Cível 1.0637.11.006874-8/001, Relator(a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/02/2020,
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