Acórdão Nº 08044701420208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 02-07-2020

Data de Julgamento02 Julho 2020
Classe processualAGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL
Número do processo08044701420208200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - 0804470-14.2020.8.20.0000
Polo ativo
PEDRO ARTHUR MEDEIROS FLORENTINO
Advogado(s): SILDILON MAIA THOMAZ DO NASCIMENTO
Polo passivo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RN
Advogado(s):

Agravo em Execução Criminal 0804470-14.2020.8.20.0000

Origem: Juiz da 3ª Vara da Comarca de Assu

Agravante: Pedro Arthur Medeiros Florentino

Advogado: Sildilon Maia Thomaz do Nascimento

Agravado: Ministério Público

Relatora: Drª Maria Neíze de Andrade Fernandes (Juíza convocada)

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGEX. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA (ART. 168, §1º, III, CP). ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL, INCLUÍDO PELO PACOTE ANTICRIME (ART. 28-A DO CPP), NÃO RECEPCIONADO NO JUÍZO EXECUTÓRIO. CARÊNCIA DE CONFISSÃO POR PARTE DO APENADO DURANTE A PERSECUTIO CRIMINIS. LIMITAÇÃO TEMPORAL DO ANPP. INCOMPATIBILIDADE COM A FASE DE EXECUÇÃO DA PENA. DECISUM MANTIDO. PRECEDENTE DO STJ. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

ACÓRDÃO


Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos e em consonância com a 3ª Procuradoria de Justiça, conhecer e desprover o Recurso, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO


1. Agravo em Execução contra decisum do Juiz da 3ª Vara da Comarca de Assu, o qual, nos autos 0100149-65.2020.8.20.0100, onde o Agravante Pedro Arthur Medeiros Florentino cumpre pena pelo art. 168, §1º, III, CP, rejeitou de plano o “Acordo de Não Persecução Penal” inserto no art. 28-A do CPP (ID 6146406, p. 56-57).

2. Sustenta a permissibilidade do ANPP (introduzido pelo Pacote Anticrime) na execução da sua pena pelo crime de apropriação indébita majorada, sendo descabida a exigência de uma confissão de fato pretérito, bem como plenamente viável a retroatividade da norma para beneficiar o Apenado.

3. Pugna, ao final, pelo retorno dos autos à origem para procedibilidade do pacto.

4. Contrarrazões e Parecer Ministerial pelo desprovimento (IDs 6146406 e 6230769).

5. Manifestação superveniente, juntando precedente desta Câmara Criminal, mais especificamente o HC 0802526-74.2020.8.20.0000, da relatoria do Des. Gilson Barbosa (ID 6247584).

6. Novo opinamento da 3ª PJ, desta feita, para propugnar o distinguishing com aludido paradigma (ID 6276281).

7. É o relatório.

VOTO


8. Conheço do Recurso.

9. No mais, contudo, penso não prosperar.

10. Objetiva o ora Agravante o processamento do “Acordo de Não Persecução Penal” na fase executória da sua pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão (crime de apropriação indébita).

11. Como sabido, anteriormente inserto tão somente na Resolução 181 do CNMP, o novo instituto de transação criminal foi incluído no art. 28-A do CPP[1] pela Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) com o desiderato de conferir maior amplitude à chamada justiça despenalizadora, já enraizada em alguns dispositivos do nosso ordenamento (v.g. transação penal e suspensão condicional do processo).

12. Acerca das suas particularidades, leciona o renomado processualista Renato Brasileiro:

“[...] Na sistemática adotada pelo art. 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), cuida-se de negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente – pelo menos em regra, pelo juiz das garantias (CPP, art. 3º-B, inciso XVII, incluído pela Lei n. 13.964/19) –, celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor –, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso do Parquet de não perseguir judicialmente o caso penal extraído da investigação penal, leia-se, não oferecer denúncia, declarando-se a extinção da punibilidade caso a avença seja integralmente cumprida.

Como se pode notar, há um reconhecimento da viabilidade acusatória, já que o investigado se vê obrigado a confessar circunstanciadamente a prática do delito. Nesse aspecto, o acordo diferencia-se de outros institutos de Justiça negociada existentes no nosso ordenamento jurídico, como, por exemplo, a transação penal e a suspensão condicional do processo, que não exigem a confissão. No entanto, à semelhança destes, a aceitação e cumprimento do acordo não causam reflexos na culpabilidade do investigado. Prova disso, aliás, é o teor do art. 28-A, §12, do CPP, segundo o qual a celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para o fim de impedir a celebração de novo acordo dentro do prazo de 5 (cinco) anos. [...]”. (Lima, Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima, p. 274-275 – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.)

13. Denota-se, pois, dentre outros pressupostos para sua aplicabilidade, a imprescindível confissão formal e circunstanciada do fato delituoso, não sendo, em absoluto, a hipótese dos autos, como bem destacado pelo Magistrado a quo (ID 6146406, p. 57):

“[...] registre-se que um dos requisitos objetivos para deferimento do beneficio é ter o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal o que no caso dos autos não ocorreu já que o apenado não confessou a prática do crime, tendo inclusive insurgido contra a sentença condenatória através da via recursal. [...]”.

14. Aliás, como ponderado pela douta Procuradora Naide Maria Pinheiro, a postura do Irresignado sempre foi refratária e negacionista, bem distante da aquiescência com a persecutio criminis (ID 6230769, p. 5):

“[...] o ora agravante, quando ouvido em juízo, negou a prática do crime (6146406, pág. 18), tanto que, condenado em primeiro grau, interpôs recurso de apelação, no qual formulou pleito absolutório por insuficiência de provas (ID 6146406, págs. 21-27).

A esse respeito, ainda, impende enfatizar que, diferentemente do alegado no recurso, tal argumento não esbarra no direito constitucional à não autoincriminação, uma vez que, muito embora a confissão seja uma condição do benefício, a aceitação deste é, sem dúvidas, uma faculdade do interessado. [...]”.

15. Com efeito, malgrado incipiente a discussão na seara jurisprudencial e doutrinária, tem-se posicionamento recente da 5ª Turma do STJ (j. 26/05/2020), entendendo pela inaplicabilidade do instituto, uma vez divorciado da confissão oportuna:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO TENTADO. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. I - Os embargos declaratórios não constituem recurso de revisão, sendo inadmissíveis se a decisão embargada não padecer dos vícios que autorizariam a sua oposição (obscuridade, contradição e omissão). Na espécie, à conta de omissão no v. acórdão, pretende o embargante a rediscussão, sob nova roupagem, da matéria já apreciada. II - Ademais, da simples leitura do art. 28-A do CPP, se verifica a ausência dos requisitos para a sua aplicação, porquanto o embargante, em momento algum, confessou formal e circunstancialmente a prática de infração penal, pressuposto básico para a possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal, instituto criado para ser proposto, caso o Ministério Público assim o entender, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia e não, como no presente, em que há condenação confirmado por Tribunal de segundo grau. Embargos de declaração rejeitados” (STJ, EDcl no AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.668.298 – SP, 5ª Turma, da relatoria do Min. Felix Fischer, j. 26/05/2020)

16. Ainda fosse ultrapassado o fundamento suso, ao meu sentir, o intento do Apenado também esbarraria na limitação temporal do ANPP, vale dizer, no alcance de sua retrogressão.

17. Anote-se, não se desconhecer a natureza híbrida do art. 28-A do CPP (norma processual com efeitos materiais), maiormente pelo seu consectário premente de extinção da punibilidade, caso atendidas todas as suas formalidades.

18. Daí, a despeito da factível retroatividade benéfica, não se pode fazê-lo de maneira indistinta, diga-se, perdendo o rumo da finalidade da norma e a intenção do legislador (mens legis e mens legislatoris).

19. Nesse contexto, longe de se pretender limitar a zona fronteiriça de incidência, penso ser incompatível o acordo extrajudicial com a fase de cumprimento da pena, porquanto, ao fim e ao cabo, representaria um desvirtuamento de todo o rito processual e uma maximização da insegurança jurídica.

20. No enfrentamento do tema, mais uma vez, bem discorreu a insigne Procuradora de Justiça (ID 6276281):

“[...] esta Procuradoria, quando instada a se manifestar e discorrendo acerca do novo art. 28-A do CPP, deixou claro que, por se tratar de norma de natureza híbrida, conjugando aspectos processuais e efeitos materiais penais, o aludido dispositivo enseja, sim, à luz do art. 5º, XL, da Constituição Federal, a incidência da regra da retroatividade benéfica, não havendo dúvida quanto ao referido aspecto.

A questão em exame, porém, é completamente distinta. Não se está perquirindo a possibilidade de incidência do acordo de não persecução penal a casos anteriores à vigência do novel diploma. Em verdade, o cerne da discussão é se é ou não possível a aplicação do instituto no âmbito da execução penal, como delimitado na própria decisão recorrida: [...] Ora, como amplamente exposto no parecer ministerial já ofertado nos autos, como também nas contrarrazões recursais, a insubsistência da pretensão recursal reside no fato de que não há que se cogitar da incidência do Acordo de Não Persecução Penal em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, uma vez que não se trata de mecanismo de revisão/rescisão de decisões proferidas em...

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