Acórdão Nº 08045172020208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 09-03-2021
Data de Julgamento | 09 Março 2021 |
Classe processual | APELAÇÃO CÍVEL |
Número do processo | 08045172020208205001 |
Órgão | Terceira Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Processo: | APELAÇÃO CÍVEL - 0804517-20.2020.8.20.5001 |
Polo ativo |
FRANCISCO ANDRE |
Advogado(s): | JORGE AUGUSTO GALVAO GUIMARAES |
Polo passivo |
MERCANTIL DO BRASIL FINANCEIRA SA CREDITO FIN E INVEST |
Advogado(s): | MARIA EMILIA GONCALVES DE RUEDA |
EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A DEMANDA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DEFESA DO CONSUMIDOR AOS NEGÓCIOS BANCÁRIOS (SÚMULA Nº 297 DO STJ). CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. EXTRATO BANCÁRIO DA CONTA DA PARTE AUTORA/RECORRENTE QUE COMPROVA O RECEBIMENTO DO VALOR CONTRATADO. FRAUDE NÃO COMPROVADA. DANO MORAL CONDENAÇÃO EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ QUE NÃO ENSEJA A REVOGAÇÃO DE DECISÃO ANTERIOR QUE CONCEDEU OS BENEFÍCIOS DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA AO AUTOR/RECORRENTE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO APELO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento parcial à Apelação, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por Francisco André, em face de sentença proferida nos autos nº 0804517-20.2020.8.20.5001, pelo Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial.
Na mesma decisão, revogou o benefício da justiça gratuita deferido à parte autora (ID nº 53188363), bem como condenou o autor ao pagamento de multa de 1% (um por cento) do valor da causa em favor da parte ré, em razão da litigância de má-fé (art. 81 do CPC de 2015), assim como das custas processuais e honorários advocatícios, fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa (R$ 10.000,00), atualizado pelo INPC desde a data da propositura da ação (08/02/2020).
Em suas razões recursais (ID 8252527), o autor Francisco Canindé requer, de início, que lhes sejam deferidos os benefícios da gratuidade judiciária.
No mérito, destaca a nulidade do contrato face à existência de fraude quanto aos contratos mantidos com a instituição financeira ré, pugnando pelo afastamento de sua condenação quanto à litigância de má-fé, afirmando que a ausência de dolo exclui a possibilidade de declaração de litigância de má-fé.
Noutro ponto, aduz que o réu não atuou como devia quanto à prestação de seus serviços, afirmando que a parte demandada não demonstrou, de maneira irrefutável, que a contratação se deu, de fato, perante o autor e com sua livre e consciente manifestação de vontade, além do descumprimento das cautelas legais exigíveis de tais pactuações.
Destaca, ainda, a existência de danos morais face à cobrança indevida a dívida apontada na peça preambular.
Ao final, requer o provimento do apelo para que seja reformada a sentença, julgando totalmente procedente os pedidos contidos na exordial, pleiteando ainda a inversão dos ônus de sucumbência.
Intimada, a parte recorrida apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do apelo interposto pela parte adversa (ID 8252530).
Instado a se pronunciar, o Ministério Público não opinou.
É o relatório.
VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da Apelação Cível.
Inicialmente, registre-se que ao ser publicada a Súmula nº 297, o STJ pacificou o entendimento acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo que envolvam entidades financeiras, in verbis:
"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Pois bem. Cinge-se a controvérsia acerca da existência de relação jurídica entre as partes e a ocorrência de dano moral advindo dos descontos efetuados pela instituição bancária do benefício previdenciário do autor, bem como se este último litigou de má-fé, o que ensejou a revogação dos benefícios da gratuidade judiciária em seu favor.
Com efeito, analisando as provas carreadas aos autos, observa-se que os demandados/recorridos colacionaram aos autos cópias dos instrumentos contratuais assinados pelo autor/recorrente, bem como documentos pessoais deste exigidos no momento da contratação (ID 54817812), não impugnados pela parte demandante, apesar de intimada para tanto.
Por sua vez, o banco réu, ora recorrido, comprovou o depósito dos valores contratados em favor do autor (ID 54817816), demonstrando fato desconstitutivo do direito autoral, a teor do disposto no artigo 373, II, do CPC.
Desse modo, é possível observar elementos que embasam a tese da regular contratação, que, a despeito das divergências de alguns dados cadastrais do autor no momento da pactuação, verifica-se que o valor supramencionado foi depositado em sua conta-corrente (ID 54817816), cujo conteúdo não foi esclarecido pela parte autora.
Assim, não há como o demandante/recorrente ter julgamento favorável em virtude da operação bancária ter se dado de forma legal, sob pena de incidir enriquecimento ilícito em seu favor.
Neste contexto, considerando que a instituição bancária comprovou a inexistência do defeito na prestação do serviço, deve ser isenta da responsabilidade, a teor do disposto no art. 14, §3º, do CDC, in verbis:
Art. 14, §3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I) que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste.
Esta Egrégia Corte corrobora com o entendimento acima:
apelação cível. recurso adesivo. negócios JURÍDICOS bancários. EMPRÉSTIMO consignado. negativa de contratação. perÍcia GRAFOTÉCNICA. depósito na conta da autora. sentença reformada. Embora sustente a autora não ter firmado o contrato, o que é corroborado pela prova pericial, os extratos comprovam o depósito, mediante TED, do valor contratado na conta corrente da autora. Assim, ainda que possa ter sido objeto de fraude a contratação, beneficiou-se desta a autora, não podendo esquivar-se do pagamento do valor contratado. Sentença reformada. Demanda julgada improcedente. (TJRS, Apelação Cível 70066120635, Rel. Des. Pedro Luiz Pozza, julgamento em 26.11.2015) (realces acrescidos).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. BANCO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSTRUMENTO APRESENTADO. ASSINATURA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. VALOR DISPONIBILIZADO EM CONTA CORRENTE DE TITULARIDADE DA AUTORA.RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA 1. A cobrança de dívida e os consequentes descontos em beneficiário previdenciário, quando respaldados em contrato de empréstimo válido e eficaz, não desconstituído pela parte autora da ação, não constituem ato ilícito. 2. O ente financeiro recorrente demonstrou de forma satisfatória o empréstimo consignado firmado com a parte e essa, em todas as suas razões, não conseguiu desconstituir o conteúdo dos documentos apresentados, deixando de se desincumbir do ônus probatório que lhe cabe (art. 373, I, CPC). 3. Tendo em vista a apresentação do contrato pela parte promovida, a similitude de assinatura do contrato com outras constantes nos autos da parte autora, bem como a comprovação de que o valor do empréstimo foi disponibilizado em conta de titularidade da autora, além do longo transcurso de tempo de descontos nos proventos até procurar o Judiciário entendo pela improcedência total dos pedidos. 4. Recurso provido. 5. Sentença Reformada. (Apelação nº: 0509263-3 Comarca Origem: 1ª Vara Cível da Comarca de Caruaru-PE Apelante: Banco Fibra S/A Apelado: Maria do Carmo Limeira Relator: Des. José Viana Ulisses Filho) (grifos nossos)
Portanto, ausentes os pressupostos da responsabilidade civil, descabe indenização por danos morais.
Com relação à condenação do apelante nas penalidades inerentes à litigância de má-fé (artigo 81 do CPC), entendo que a sentença não merece reparo, vez que na forma como enfatizado pela magistrada sentenciante, restou comprovado nos autos que o autor agiu com dolo ao distorcer os fatos, vez que afirmou durante o deslinde processual que não manteve qualquer relação jurídica com os réus, ora recorridos.
Noutro quadrante, observo que assiste razão ao apelante ao pleitear a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária.
A respeito da assistência judiciária gratuita, trata-se da concretização do princípio do acesso à justiça, alçado à condição de direito fundamental pelo art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1988, reflexo da primeira onda renovatória processual, a par da doutrina capitaneada por Cappelletti e Garth, na célebre obra "Acesso à justiça".
Neste diapasão, o Código de Processo Civil, no art. 99, § 3º, afirma que há presunção de veracidade da alegação de insuficiência formulada pela pessoa natural. Trata-se, portanto, de presunção iuris tantum da pobreza daquele que afirma encontrar-se sob tal condição.
Com efeito, opera a presunção relativa da pobreza em favor do requerente da justiça gratuita, cabendo o ônus da prova quanto à possibilidade de pagamento das despesas processuais à parte adversa.
Ressalte-se ser possível o indeferimento da benesse pelo magistrado quando as circunstâncias que envolvem a matéria trazida à apreciação judicial revelem elementos dos quais se possa concluir pela capacidade econômica do requerente, já que não se trata de presunção legal absoluta em favor da parte, observado o comando contido no artigo 99, § 2º, do CPC.
Com efeito, na forma como já deferido pelo Juízo de origem na decisão de ID 8251151, entendo que assiste razão ao autor/apelante, vez que os autos revelam a hipótese de parte que demonstra ausência de capacidade econômico-financeira desde o início da demanda, nos termos da petição inicial de ID 8251145 e documentos que a acompanham.
Nesse passo, entendo que não agiu com acerto a magistrada sentenciante ao revogar os benefícios da gratuidade judiciária em razão da condenação do autor em litigância de má-fé.
Ressalte-se que a litigâ...
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