Acórdão Nº 08046866120218205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2ª Turma Recursal, 22-09-2022

Data de Julgamento22 Setembro 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08046866120218205004
Órgão2ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0804686-61.2021.8.20.5004
Polo ativo
CVC BRASIL OPERADORA E AGENCIA DE VIAGENS S.A. e outros
Advogado(s): DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA
Polo passivo
JOSE EDVAR FERNANDES
Advogado(s): MONALISA CAVALCANTE BARRA



PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. do Juiz José Conrado Filho

2ª TURMA RECURSAL



RECURSO INOMINADO Nº: 0804686-61.2021.8.20.5004

ORIGEM: 7º JUIZADO ESPECIAL CIVEL DA COMARCA DA NATAL

RECORRENTE: CVC BRASIL OPERADORA E AGÊNCIA DE VIAGENS S.A

ADVOGADO: DR. DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

RECORRIDO: JOSE EDVAR FERNANDES

ADVOGADO: DRA. MONALISA CAVALCANTE BARRA

JUIZ RELATOR: JOSÉ CONRADO FILHO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAIS E MORAIS. AQUISIÇÃO DE PACOTE TURÍSTICO DO TIPO CRUZEIRO INTERNACIONAL COM RETORNO ATRAVÉS DE TRECHO AÉREO. INTERRUPÇÃO DA VIAGEM. NECESSIDADE DE AQUISIÇÃO DE NOVAS PASSAGENS PARA RETORNO EM RAZÃO DA PANDEMIA DO COVID-19. RESPONSABILIDADE DA PRESTADORA DE SERVIÇO COM O CONSUMIDOR. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal Permanente dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhes provimento, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos, condenando as partes recorrentes em custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

Natal/RN, 2 de agosto de 2022.

JOSÉ CONRADO FILHO

Juiz Relator

RELATÓRIO


Trata-se de recurso inominado, interposto pela CVC BRASIL OPERADORA E AGÊNCIA DE VIAGENS S.A, pugnando pela reforma da sentença que julgou parcialmente procedente o pleito autoral com resolução de mérito contra a Demandada.

Por ocasião da Sentença, o Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente os pedidos encartados na inicial para determinar o reembolso pelos demandados do valor de R$ 5.529,56, correspondente ao custo total dos bilhetes aéreos e ainda danos morais arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais), de forma solidária, corrigidos e acrescidos de juros de 1% (um por cento) a contar da sentença.

Em suma, as suas razões recursais pleiteiam a reforma total do julgado, sob a alegação de que o cancelamento se deu em razão da pandemia de covid-19, o que afastaria a responsabilidade e a obrigação de indenizar eventual dano moral ocorrido.

Devidamente intimada, a Recorrida ofertou contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença em todos os seus termos.

É o que importa relatar.


VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Quanto ao mérito recursal, salutar a menção de que em casos onde envolvam contratos de pacotes de viagem, os dispositivos da legislação protetiva do consumidor são de observância obrigatória, enquadrando-se as partes contratantes nas definições de consumidor e fornecedor previstas nos arts. 2º e 3º do Diploma Consumerista.

Com efeito, o cerne da questão gravita em torno do deferimento à autora de dano extrapatrimonial.

Em detida análise dos autos, restou comprovado que o contrato com todos trechos que faziam parte da viagem foi inegavelmente interrompido em razão da pandemia do Covid-19. Por outro lado, o Recorrido arcou com trechos alheios ao pacote de viagens para que pudesse retornar ao seu domicílio, isto por inércia da Recorrente em solucionar o retorno do contratante.

No que diz respeito ao dano moral, se vislumbra a ocorrência de ato ilícito a partir da Recorrida, justificando a reparação já deferida na origem, até porque a legislação aplicável à espécie prevê a indenização por dano moral caso comprovada situação excepcional, o que se observa no caso concreto, restando comprovado que o recorrido encontrava-se em território internacional e não receberam suporte como consumidor, seja orientação ou acomodação em voo diverso para que pudessem antecipar seu retorno. Em contrário, o autor teve de obter meios alternativos para que pudesse conseguir retornar para seu domicílio com sua esposa.

Ademais a responsabilidade das empresas que integram a cadeia de consumo, entre agências de viagens e companhias aéreas é objetiva, independe de culpa e decorre do risco por elas assumido no contrato de transporte (art. 14 do CDC). Para se eximir de sua responsabilidade, incumbiria à Recorrente demonstrar a ocorrência de caso fortuito ou força maior. Apenas o fortuito externo, desvinculado da prestação de serviço, teria o condão de afastar o nexo causal e o dever de indenizar, o que não foi comprovado na hipótese dos autos.

Em que pese a notória a crise mundial enfrentada com o advento do Coronavírus (Covid-19), gerando repercussões em diversos setores, em maior ou menor escala. Vale lembrar que, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia do Covid-19.

Ocorre que em 18 de março de 2020, entrou em vigor a MP n.º 925, que dispunha sobre as medidas emergenciais para a aviação civil brasileira que deveriam ser tomadas em razão da pandemia da Covid-19, convertida na Lei n.º 14.034/2020. No caso, a recorrente ampara-se na aludida pandemia para justificar o cancelamento dos voos e alteração na viagem, haja vista a necessidade de readequação da malha aérea. Todavia, apenas invocar tal condição não configura imediato reconhecimento de excludente de responsabilidade, sobretudo porque o fato descrito na exordial ocorreu em 04/03/2020.

Ademais, ante a impossibilidade no embarque de trechos contratados e a inexistência de prestação de assistência devida, resta indubitável a ocorrência de falha na prestação dos serviços. E mais, a empresa ora Recorrente, amplamente responsável pela contratação e prestação do serviço, sequer conseguiu realocar o autor em outro voo na mesma data, não tendo colocado a sua disposição um novo voo deixando à deriva o Consumidor e sua esposa.

Restando demonstrado inequivocamente a situação de vulnerabilidade a que foi exposto o Recorrido, consigne-se a expressão do dano resta amplamente demonstrada, inclusive em virtude da idade do recorrido, na condição de pessoa idosa. Encontra-se pacificada na Corte Superior, que inclusive já publicou seu entendimento por meio do informativo “Jurisprudência em Teses”, edição 164, acerca da demonstração do dano para que seja devidamente reconhecido:

“O atraso ou cancelamento de voo pela companhia aérea não configura dano moral presumido (in re ipsa), sendo necessária a demonstração, por parte do passageiro, da ocorrência de lesão extrapatrimonial.” Julgados: AgInt no AREsp 1520449/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 16/11/2020; AgInt no AREsp 1570877/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020; REsp 1796716/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 29/08/2019; AgInt no AREsp 1296620/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019; AgInt no AREsp 1064866/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 26/06/2018; AgInt no AREsp 1228249/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018; AgRg no REsp 1546645/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 01/02/2017; AgRg no AREsp 764125/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 03/02/2016.

No que toca a condenação em danos morais, não há critérios objetivos para a fixação do valor da indenização a título de danos extrapatrimoniais, ponderando a doutrina não haver “caminhos exatos” para se chegar à quantificação do dano extrapatrimonial, devendo o arbitramento levar em conta o grau de culpa, a gravidade do fato e as peculiaridades do caso concreto.

Nisto, a condenação por danos morais possui dupla finalidade: (i) caráter punitivo, assumindo a natureza de pena privada, impondo ao ofensor uma sanção para não ficar impune o ato ilícito e para desestimulá-lo a praticar novas agressões; (ii) caráter compensatório, que visa atenuar as consequências advindas da ofensa, conferindo uma compensação ou satisfação ao lesado pela agressão sofrida: dor, vexame, humilhação, aflição, angústia e desequilíbrio ao bem-estar do ofendido.

Nesse quadrante, os parâmetros a serem observados quando da fixação do quantum indenizatório, são: a) a gravidade do fato em si e suas consequências para a vítima; b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente; c) a eventual participação culposa do ofendido; d) a condição econômica do ofensor; e, e) as condições pessoais da vítima. Assim, respeitando-os, entendo que a sentença recorrida satisfaz os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade exigidos.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo a sentença proferida pelo Juízo a quo, em todos os seus termos. Condenando a parte recorrente em honorários, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

É como voto.

Submeto, nos termos do art. 40 da Lei n. 9.099/95, o presente projeto de Acórdão para fins de homologação por parte do Juízo de Direito. Após, publique-se, registre-se e intimem-se.

Wanessa da Silva Tavares

Juíza Leiga

HOMOLOGAÇÃO

Com arrimo no art. 40 da Lei nº 9.099/95, bem como por nada ter a acrescentar ao entendimento acima exposto, HOMOLOGO na íntegra o projeto de acórdão para que surta seus jurídicos e legais efeitos.

Natal/RN, 2 de agosto de 2022.

JOSÉ CONRADO FILHO

Juiz...

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