Acórdão Nº 08046960320158205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 08-07-2020

Data de Julgamento08 Julho 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08046960320158205106
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0804696-03.2015.8.20.5106
Polo ativo
RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DA SAUDE PUBLICA e outros
Advogado(s):
Polo passivo
GILVANIA RODRIGUES DE AZEVEDO e outros
Advogado(s): HEDERLI COSTA DE OLIVEIRA

EMENTA: DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. ATENDIMENTO DEFICIENTE EM HOSPITAL. MORTE DO FETO. GESTAÇÃO SAUDÁVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DO ESTADO E HOSPITAL. IMPOSSIBILIDADE. OMISSÃO CARACTERIZADA. GRÁVIDA QUE NÃO RECEBEU ATENDIMENTO ADEQUADO. EXPOSIÇÃO DA GESTANTE A CONDIÇÃO DEGRADANTE E INDIGNA. DANOS MORAIS PATENTES. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. DANO, CONDUTA OMISSIVA E NEXO CAUSAL EVIDENCIADOS. REPERCUSSÃO MORAL INEQUÍVOCA. MANUTENÇÃO DO MONTANTE INDENIZATÓRIO EM VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL AO ABALO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Considera-se, pois, que a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, para sua caracterização é suficiente a demonstração de uma conduta, o dano suportado e o nexo causal entre conduta e dano.

2. A partir dos exames, ultrasonografias, prontuários médico-hospitalares e Declaração de Óbito, bem como dos depoimentos das testemunhas, vislumbra-se que a omissão dos demandados e a demora da cirurgia são elementos suficientes para vincular a morte do feto à falha na prestação do serviço público.

3. Precedentes do TJRN (Apelação Cível nº 2018.006358-8, Rel. Desembargador Cornélio Alves, 1ª Câmara Cível, j. 18/12/2018; Apelação Cível nº 2018.005610-5, Rel. Desembargador Ibanez Monteiro, 2ª Câmara Cível, j. 12/02/2019).

4. Apelação conhecida e desprovida.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

ACORDAM os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


1. Trata-se de apelação cível interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Mossoró/RN (Id 5623075), mantida em sede de embargos de declaração (Id 5623084), que, nos autos da Ação Indenizatória por Danos Morais (Proc. nº 0804696-03.2015.8.20.5106) ajuizada por GILVANIA RODRIGUES DE AZEVEDO em desfavor do apelante e do HOSPITAL DA MULHER PARTEIRA MARIA CORREIA - HMPMC, julgou procedente a pretensão autoral, para condenar os requeridos, solidariamente, ao pagamento do valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) a título de danos morais, acrescido de correção monetária pela Tabela 01 da Justiça Federal e, juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.


2. No mesmo dispositivo, condenou os demandados ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação.


3. Em suas razões recursais (Id 5623086), o Estado apelante requereu o conhecimento e provimento do apelo para julgar totalmente improcedente a pretensão inicial, tendo em vista que a responsabilidade civil do Estado, quando decorrente de suposta omissão não específica, como o caso dos autos, é subjetiva, sendo imprescindível a coexistência da conduta estatal (ato do agente), o advento do dano e do nexo de causalidade entre este e o ato do agente, além de culpa latu senso, para que seja possível sua responsabilização por evento danoso decorrente de suposta má prestação de serviço.


4. Aduziu, ainda, que não há comprovação que a suposta negligência ou imperícia tenha sido a causa eficiente da morte do feto, tal qual concluiu o juízo a quo ao afirma na sentença que “Da análise dos documentos acostados e das provas produzidas, não há elementos suficientes para atribuir a morte do feto somente aos serviços deficientes prestados no Hospital”.


5. Pediu, ao final, a reforma integral da sentença e, em não sendo esse o entendimento, pleiteou a redução do quantum indenizatório.


6. Contrarrazoando (Id 5623092), a apelada refutou a argumentação do recurso interposto e, por fim, pediu seu desprovimento.


7. Com vista dos autos, Dra. Sayonara Café de Melo, Décima Quarta Procuradora de Justiça, deixou de opinar no feito por não ser hipótese de intervenção do Ministério Público (Id 5714143).


8. É o relatório.

VOTO


9. Conheço do apelo.


10. Busca o apelante a reforma da sentença para excluir a condenação em decorrência da morte do feto da apelada em face da ocorrência de falha no atendimento médico-hospitalar por parte do Hospital da Mulher Parteira Maria Correia - HMPMC, em face da seguinte narrativa autoral (Id 5622932 – Pág. 02):


“Desse modo, tudo ocorria perfeitamente bem tanto com a requerente e como com o seu bebê. No entanto, no dia 01/09/2014 procurou o médico que lhe acompanhava para explicar que estava sentindo dores e muito inchaço nas pernas, solicitando que fosse marcada a cirurgia, foi quando o médico pediu para que ela comparecesse ao Hospital da Mulher no dia 02/09/2014 para que o procedimento cirúrgico fosse realizado.

Ocorre que no dia 02/09/2014, como determinado pelo médico, a parte autora dirigiu-se a instituição hospitalar por volta das 06h30min, se queixando com varias (sic) dores e perda de líquido. No entanto, o Médico que estava acompanhando a sua gestação, Dr. Manoel de Freitas Nobre e atual diretor do hospital demandado, explicou para a autora que o caso dela não era grave e que devido à falta de sala de cirurgia para realizar a cesariana ela voltasse para casa. Ela ainda tentou argumentar que estava sentido muitas dores e muitas contrações e achava que não ia aguentar esperar até o outro dia, mas o médico explicou que não poderia fazer nada.

No dia 03/09/2014, por volta das 06h00min a requerente retornou ao Hospital da Mulher se queixando de muitas dores, quando então a médica que estava de plantão a Dra. Katia, pediu que fosse realizado uma ultrassonografia na paciente, quando então foi constatado que a criança estava morta.”


11. No caso dos autos, a gravidez transcorreu em perfeitas condições, tendo sido realizado todo pré-natal com o acompanhamento de Dr. Manoel de Freitas Nobre, mas com a constatação do óbito fetal intrauterina (OFIU), somente no dia 04/09/2014, mais de 02 (dois) dias após as primeiras fortes dores e o desespero para ser operada nesse lapso temporal, foi realizada a cesariana para a retirada do feto morto.


12. Decerto que a responsabilidade da Administração Pública está disciplinada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:


"As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”


13. Sobre o tema, este é o entendimento do mestre HELY LOPES MEIRELES, conforme excerto extraído de sua consagrada obra Direito Administrativo Brasileiro, 36ª edição, editora Malheiros, 2010, p. 686 e 691:


"O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão.

[...]

Para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (omissivo ou comissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o 'quantum' da indenização."


14. Considera-se, pois, que a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, para sua caracterização é suficiente a demonstração de uma conduta, o dano suportado e o nexo causal entre conduta e dano.


15. A partir dos exames, ultrasonografias, prontuários médico-hospitalares e Declaração de Óbito (Id 5622935 a Id 5622940 – Pág. 02), bem como dos depoimentos das testemunhas (Id 5623070 – Pág. 03), vislumbra-se que a omissão dos demandados e a demora da cirurgia são elementos suficientes para vincular a morte do feto à falha na prestação do serviço público.


16. Registro, ainda, a conclusão da sentença monocrática (Id 5623075 – Pág. 06):


"Acaso não tivesse havido a omissão na prestação dos serviços, poderia a autora não ter vivenciado tanto sofrimento, seja com a morte do feto ou mesmo com a retirada do mesmo.

Destarte, presumindo-se a culpa dos demandados na situação descrita nos autos, cabia aos mesmos comprovar qualquer excludente de responsabilidade, ou mesmo demonstrar que tomou as medidas cabíveis para a não ocorrência do evento danoso.

Entretanto, não restando evidenciadas essas excludentes e as provas acostadas indicam que a omissão na prestação dos serviços de saúde pode ter favorecido o óbito do feto, mostra-se caracterizada a responsabilidade civil da Administração Pública e do Hospital da Mulher."


17. Portanto, não há como se reconhecer a existência de causa de interrupção do nexo de causalidade, seja o caso fortuito ou a força maior, porquanto a falha na prestação do serviço público foi determinante para o óbito do feto.


18. Nesse contexto, é inegável o sofrimento, a dor e o desespero experimentado pela apelada em virtude do óbito do feto, frustrando todas as boas expectativas que se tem decorrente de uma gravidez saudável.


19. Logo, mostra-se inviável afastar a conclusão da...

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