Acórdão Nº 08047275720238205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 07-12-2023

Data de Julgamento07 Dezembro 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08047275720238205004
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0804727-57.2023.8.20.5004
Polo ativo
JAERTON DE LIMA E SILVA e outros
Advogado(s): ANYSSA AYALLA DANTAS ARAUJO
Polo passivo
TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA
Advogado(s): GILBERTO RAIMUNDO BADARO DE ALMEIDA SOUZA, RENATA MALCON MARQUES

PODER JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

1ª TURMA RECURSAL

RECURSO CÍVEL N.º 0804727-57.2023.8.20.5004

RECORRENTES/RECORRIDOS: JAERTON DE LIMA E SILVA E OUTRA

ADVOGADA: DRª. ANYSSA AYALLA DANTAS ARAÚJO

RECORRENTE/RECORRIDO: TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S.A.

ADVOGADOS: DR. GILBERTO RAIMUNDO BADARO DE ALMEIDA SOUZA E OUTRA

RELATOR: JUIZ RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO

EMENTA: RECURSOS INOMINADOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE VOO INTERNACIONAL, PARTINDO DE LISBOA COM DESTINO A NATAL/RN. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO POR SUPOSTA GREVE DO “STAFF” DA COMPANHIA AÉREA. POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRANSPORTE POR EMPRESA AÉREA DIVERSA. A GREVE CONFIGURA FORTUITO INTERNO E NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE DA DEMANDADA. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE CULPA EXCLUSIVA DOS CONSUMIDORES POR “NO-SHOW”. NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE OS AUTORES PEDIRAM A ANTECIPAÇÃO DAS PASSAGENS. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS ATRAVÉS DOS DOCUMENTOS JUNTADOS À INICIAL. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO. PERDA DO TEMPO ÚTIL DOS CONSUMIDORES, QUE FORAM OBRIGADOS A PERDER UM DIA DE VIAGEM NA TENTATIVA INFRUTÍFERA DE SOLUCIONAR O PROBLEMA DO CANCELAMENTO DO VOO, QUE OCORREU NO CONTEXTO DE VIAGEM INTERNACIONAL, EM LOCALIDADE DE DIFÍCIL COMUNICAÇÃO. NECESSÁRIA ANTECIPAÇÃO DA VIAGEM, COM PERDA DE PASSEIOS PROGRAMADOS E RESERVAS EM HOTÉIS. RECURSOS CONHECIDOS, DANDO-SE PROVIMENTO AO INTERPOSTO PELOS AUTORES, PARA MAJORAR A COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.

ACÓRDÃO

ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer dos recursos e dar provimento apenas ao interposto pelos autores, negando-se provimento ao interposto pela companhia aérea, tudo nos termos do voto do Relator.

Sem condenação dos autores em custas processuais e em honorários advocatícios, ante o provimento do recurso.

Condenação da TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES em custas processuais e em honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Participaram do julgamento, além do Relator, a juíza Sandra Simões de Souza Dantas Elali e o juiz Mádson Ottoni de Almeida Rodrigues.

Natal/RN, data do sistema.

RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO

Juiz Relator

I – RELATÓRIO

1. Recursos Inominados interpostos pela TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUES S.A. e por JAERTON DE LIMA E SILVA e LARISSA VERAS TAVARES contra sentença proferida pelo 5º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal/RN, que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, para condenar a a companhia aérea demandada ao pagamento de R$ 14.807,92 (quatorze mil, oitocentos e sete reais e noventa e dois centavos) a título de compensação por danos materiais, e de R$ 2.000,00 (dois mil reais), para cada um dos autores, a título de compensação por danos morais.

2. Na sentença, o MM. Juiz consignou que a companhia aérea não justificou, com provas reais, a necessidade de readequação da malha viária, nem a ocorrência da greve de aeroviários por si alegada, visto que, em sua defesa, apresentou apenas algumas capturas de tela sem o devido detalhamento sobre o motivo do cancelamento do voo.

3. Disse que caberia à demandada envidar todos os esforços necessários para realocar os passageiros em voo para a data requerida, ainda que mediante endosso dos bilhetes em companhia aérea congênere, o que não ocorreu. Assinalou, ainda, que a ocorrência de greve de funcionários é fato previsível, não podendo tal fato ser invocado como fortuito externo.

4. Destacou que, mesmo que a ré tenha conseguido realocar os passageiros para voo no dia 04/12/2022, não há provas de que houve tal disponibilização prévia, com ciência e aquiescência dos autores. Além disso, a antecipação da data de embarque não é oferta de adesão obrigatória, especialmente quando é sabido que os autores estavam em trânsito em país distinto (Turquia).

5. Registrou que houve falha na prestação do serviço prestado pela demandada, que cancelou voo em data de grande fluxo de passageiros (Copa do Mundo), impondo-lhes a difícil situação de adquirir bilhetes substitutivos para o retorno. Entendeu, por isso, justificada a condenação à reparação dos danos materiais relativos: a) aos trechos Istambul/Lisboa não utilizados; b) aos bilhetes aéreos Istambul/Natal adquiridos emergencialmente; e c) à despesa correspondente aos custos com ligações telefônicas.

6. Quanto ao pedido de compensação por danos morais, consignou que o cancelamento injustificado foi suficiente para causar aborrecimento e sofrimento desproporcionais, fixando o valor compensatório com base na demora para que os autores conseguissem contato com a empresa, pelo fato de estarem em outro país, pelo desgaste emocional em perder compromissos já agendados anteriormente e pelos gastos extras.

7. Em suas razões, a TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S.A. alegou que a mudança nos voos ocorreu em virtude da necessidade de alteração na malha aérea, a qual foi comunicada com antecedência aos passageiros. Disse que tal alteração decorreu da greve dos pilotos, fato que configura culpa exclusiva de terceiro, excludente de responsabilidade da companhia aérea, nos termos do art. 14, § 3º, II, do CDC.

8. Afirmou que os passageiros pediram a alteração do voo para o dia 04/12/2022, pleito que foi devidamente atendido, mas eles não compareceram ao embarque e nem deram justificativa para o “no-show”, o que evidencia a culpa exclusiva dos consumidores, excludente de responsabilidade da companhia aérea, nos termos do art. 14, § 3º, II, do CDC.

9. Alegou, por fim, que não há dano, material ou moral, a ser indenizado, razão pela qual a pretensão autoral há de ser julgada improcedente. Requereu, subsidiariamente, a redução do “quantum” fixado a título de compensação por danos morais.

10. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso.

11. Em suas razões, os autores pediram a majoração do “quantum” fixado a título de compensação por danos morais, por entenderem que o valor não foi proporcional à violação aos seus direitos da personalidade.

12. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso.

13. É o relatório.

II – VOTO

14. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

15. Os autores têm razão.

16. Não merece prosperar a alegação, feita pela companhia aérea, de que o cancelamento do voo de Lisboa para Natal/RN, reservado para o dia 09/12/2022, se deu em razão de culpa exclusiva de terceiro, nos termos do art. 14, § 3º, II, do CDC.

17. A rigor, tal cancelamento, informado aos autores em 24/11/2022, quando eles já estavam no meio de viagem internacional (Turquia), se deu por suposta greve por parte do “staff” da companhia aérea.

18. Três motivos principais, contudo, impõem reconhecer a responsabilidade civil da demandada. Primeiro, não há comprovação do nexo causal entre a suposta greve do “staff” da companhia aérea com a necessidade de alteração da malha aérea. Para comprovar que a greve ocorreu, foram juntados apenas trechos de notícias da paralisação (Id. N.º 21235244 – Pág. 5), sem nenhuma explicação suficientemente clara sobre o seu real impacto nos trechos adquiridos pelos autores.

19. As notícias veiculadas dão conta de que voos atrasados com greve dos tripulantes somam mais de 100 em SP e RJ e tripulantes aéreos decidem manter greve nesta segunda-feira. Faltou à companhia aérea demonstrar, de forma específica, que a paralisação de 10% (dez por cento) do “staff”, como mencionado na contestação, deu causa à necessidade de alteração das passagens aéreas dos autores.

20. Segundo, mesmo que a greve tenha tido efetivo impacto nos trechos adquiridos pelos autores, o serviço de transporte aéreo poderia ter sido executado por terceiro (CC, art. 249). Desse modo, à companhia aérea incumbia o dever de realocar os consumidores em novo voo, mesmo que em empresa diversa, notadamente em razão de o contrato de transporte constituir obrigação de resultado, segundo o regramento da matéria no Código Civil, “In verbis”:

“Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”.

21. Por fim, a ocorrência de greve do “staff” da companhia aérea se configura como “fortuito interno” que, por sua natureza, não afasta a responsabilidade da fornecedora, seja nos termos do art. 735 do Código Civil, seja nos termos do art. 14, “caput”, do CDC.

22. A rigor, a ocorrência de greve de funcionários é circunstância previsível em qualquer empreendimento, sendo parte do risco do negócio assumido pelo fornecedor, que não pode, sob pena de responsabilização, simplesmente paralisar o cumprimento dos serviços adquiridos pelos consumidores.

23. Além disso, a alegação de “no-show” dos consumidores também não afasta a responsabilidade civil da companhia aérea. É que não houve prova de que a antecipação dos bilhetes aéreos, inicialmente previstos para 09/12/2022, para o dia 04/12/2022, tenha sido requerida pelos passageiros.

24. Soma-se a isso o fato de que a companhia aérea tinha obrigação (de resultado) de manter a prestação do serviço conforme inicialmente avençado pelas partes, não sendo lícito alegar, posteriormente, a...

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