Acórdão Nº 08047367220168205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 27-03-2019

Data de Julgamento27 Março 2019
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo08047367220168205001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0804736-72.2016.8.20.5001
JUÍZO RECORRENTE: C I L COMERCIO DE INFORMATICA LTDA
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO
RECORRIDO: PROCON RN e outros
Advogado(s):

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONSUMIDOR. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO DO PROCON ESTADUAL. INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ILEGALIDADE. NULIDADE DO ATO. REEXAME OBRIGATÓRIO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas, ACORDAM os Desembargadores que integram a Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 9ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e negar provimento à remessa necessária, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal que concedeu a segurança impetrada por CIL COMÉRCIO DE INFORMÁTICA LTDA (NAGEM), para confirmar a medida liminar e “anular o Auto de Constatação nº 003945, da Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON/RN, no qual se decretou a interdição da filial da impetrante localizada na Av. Bernardo Vieira, nº 3775, LJ. 236B, Tirol, Natal/RN, por tempo indeterminado, sem se oportunizar o exercício da ampla defesa e do contraditório”.

Na inicial, a impetrante narrou, em síntese, que: a) é pessoa jurídica de direito privado com experiência no mercado de comercialização de produtos de alta tecnologia e foco em equipamentos e suprimentos de informática, software, material de escritório e papelaria; b) em 16/02/2016, conforme Auto de Constatação nº 3775, sua filial situada na Av. Bernardo Vieira, Tirol, Natal/RN foi interditada por fiscal do PROCON/RN, por tempo indeterminado, em razão de suposto descumprimento de normas do Código de Defesa do Consumidor; c) o referido Auto de Constatação atesta que tal infração teria se dado com base no relato do cliente Wilson Amaral de Souza, segundo o qual teria adquirido em 09/01/2016, naquela filial, um televisor que teria apresentado vício, por não acessar uma das funções da Internet; d) em 16/02/2016 o fiscal do PROCON/RN exigiu a troca direta do produto pela loja, alegando que o televisor seria um bem de caráter essencial, sem que o cliente houvesse submetido o produto previamente à análise pela assistência técnica do fabricante para identificação, apuração e resolução do problema; e) o cliente, mesmo ciente da impossibilidade de troca direta pela loja da impetrante, bem como orientado por esta a submeter o produto à análise da assistência técnica do fabricante, limitou-se a contatar a assistência por telefone, sem que fosse oportunizada a efetiva análise do produto; e f) além de autuar a loja, o fiscal fechou-a e lacrou-a, impedindo o acesso e funcionamento, por tempo indeterminado, até a troca do produto.

Pugnou pela concessão de medida liminar, em caráter de urgência, para desinterditar/reabrir o estabelecimento para o exercício de suas atividades comerciais. No mérito, pediu a concessão da segurança, para confirmar a medida liminar e declarar a nulidade do Auto de Constatação de nº 003945.

O pedido de concessão de medida liminar foi deferido (ID 2487250).

A autoridade apontada como coatora, em suas informações prévias, sustentou, em suma, que: a) o televisor é considerado bem essencial; b) ficou consignado no Auto de Constatação o número de protocolo da reclamação encaminhada à assistência técnica, procurada pelo consumidor, anteriormente à fluência do prazo de sete dias da compra efetiva e dos trinta dias estabelecidos pelo CDC; c) a assistência técnica, após testes orientados pelo telefone, confirmou que a imagem não era exibida no aparelho de TV, por defeito constatado, conclusão essa transmitida ao consumidor; d) o defeito oculto constatado pela assistência técnica não foi percebido no ato de entrega do produto na loja, tendo os testes sido realizados em uma TV similar, já que a unidade efetivamente entregue estava armazenada no depósito da impetrante; e) o consumidor não teria como levar o produto adquirido para análise de um técnico especialista, diante da constatação de defeito irreparável pela assistência técnica; f) a empresa impetrante é reincidente em práticas de inobservância do CDC, não havendo que se falar em autuação descabida e desproporcional, pois em sua ficha no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – SINDEC, do Ministério da Justiça, são pontuadas sucessivas reincidências, todas elas em sua filial de Natal/RN; e g) o pedido deduzido na inicial é juridicamente impossível, por inexistência de direito líquido e certo, devendo o processo ser extinto sem resolução de mérito.

Com isso, pediu, ao final: a) a requisição, por meio da empresa impetrante, da gravação inserida no diálogo telefônico; e b) a improcedência do pedido, com a denegação da segurança e a revogação da liminar concedida.

Com o advento da concessão da segurança, a sentença foi submetida ao duplo grau de jurisdição, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009.

Com vista dos autos, a 9ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento da remessa necessária.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da remessa necessária.

A sentença remetida a reexame por esta Corte compeliu o PROCON estadual a desinterditar/reabrir o estabelecimento comercial do impetrante para o exercício de suas atividades e declarar a nulidade do Auto de Constatação de nº 003945, que havia determinado a interdição, por tempo indeterminado, da loja filial da parte impetrante, localizada na Av. Bernardo Vieira, nº 3775, Tirol, em decorrência de supostas práticas que afrontaram o CDC, quando da criação de obstáculos para resolução de problemática envolvendo a troca de uma Smart TV defeituosa.

Primeiramente, cumpre assentar a competência do PROCON para fiscalizar as relações de consumo e aplicar penalidades por infrações à legislação consumerista — inclusive interdição de estabelecimento —, a teor do disposto no Código de Defesa do Consumidor e do Decreto n.º 2.181/97.

Sobre a temática, assim dispõe o CDC em seu artigo 56, inciso X e parágrafo único, e artigo 59:

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

[…]

X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.

Art. 59. As penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão temporária da atividade, bem como a de intervenção administrativa, serão aplicadas mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando o fornecedor reincidir na prática das infrações de maior gravidade previstas neste código e na legislação de consumo. [grifos acrescidos]

Ainda sobre a competência do PROCON, o Decreto Federal 2.181, de 20 de março de 1997, que estabelece as normas disciplinadoras do processo de apuração das práticas infrativas e de aplicação das sanções administrativas no âmbito dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, em seus artigos 27 e 33, dispõe que:

Art. 27. Considera-se reincidência a repetição de prática infrativa, de qualquer natureza, às normas de defesa do consumidor, punida por decisão administrativa irrecorrível.

Parágrafo único. Para efeito de reincidência, não prevalece a sanção anterior, se entre a data da decisão administrativa definitiva e aquela a prática posterior houver decorrido período de tempo superior a cinco anos.

Art. 33. As práticas infrativas às normas de proteção e defesa do consumidor serão apuradas em processo administrativo, que terá início mediante:

I - ato, por escrito, da autoridade competente;

I - lavratura de auto de infração;

III - reclamação.

Conforme dispositivos legais acima transcritos, para a aplicação da penalidade de interdição de estabelecimento, o órgão fiscalizador, verificando tratar-se de fornecedor reincidente, deveria instaurar prévio processo administrativo para apuração regular dos fatos, oportunizando à impetrante o direito de exercer sua defesa quanto à reclamação dos consumidores, situação que não ocorreu na espécie.

Na realidade, a interdição imposta à impetrante foi determinada sem o contraditório, sem qualquer ajuste prévio de conduta, impondo-lhe pesados ônus, justificando-se, assim, o seu inconformismo.

A ausência do processo administrativo para a apuração dos fatos, tornou o ato de interdição do estabelecimento da impetrante, praticado pela autoridade, abusivo e ilegal, pois feriu o inciso LIV do art. 5º, da Constituição Federal. O referido dispositivo constitucional assegura a todos, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Como se não bastasse, o princípio da proporcionalidade também está violado. A medida adotada pela Administração Pública deveria considerar os meios mais adequados e menos gravosos para a satisfação do interesse público visado pela norma.

É preciso ponderar que o poder de polícia da Administração Pública deve ser exercido com racionalidade e à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Na lição de Fernanda Marinela[1]:

Princípio da razoabilidade: Tal princípio proíbe a atuação do administrador de forma despropositada ou tresloucada, quando, com a...

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