Acórdão Nº 08047512120208205124 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 03-03-2022

Data de Julgamento03 Março 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08047512120208205124
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0804751-21.2020.8.20.5124
Polo ativo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):
Polo passivo
JOSEMAR LOURENCO DOS SANTOS
Advogado(s):

RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL N° 0804751-21.2020.8.20.5124

2º JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DE PARNAMIRIM

RECORRENTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ADVOGADO: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO

RECORRIDO: JOSEMAR LOURENÇO DOS SANTOS

DEFENSOR: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RELATOR: JUIZ JOSÉ MARIA NASCIMENTO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. COSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PACIENTE ACOMETIDO DE HEPATITE C CRÔNICA E CIRROSE DESCOMPENSADA. LAUDO CIRCUNSTANCEADO EMITIDO POR NUTRICIONISTA. FORNECIMENTO DO SUPLEMENTO ALIMENTAR FRESUBIN HEPA. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. FATOS CONSTITUTIVOS DEMONSTRADOS. URGÊNCIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DA PARTE DEMANDADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACORDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes que integram a Turma Recursal Provisória dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida pelos seus próprios fundamentos. Condenação da parte recorrente em honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido, a ser repassado para fundo público indicado pela Defensoria Pública Estadual.

Natal/RN, 22 de fevereiro de 2022.

josé maria nascimento

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA

Vistos etc.

Dispenso o RELATÓRIO na forma do artigo 38, da Lei nº 9.099/95.

Passo a FUNDAMENTAÇÃO para ulterior decisão.

DO MÉRITO

Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e dando início à formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e contestação, atento a prova produzida no decorrer da instrução processual, podemos chegar a uma conclusão que veremos mais adiante.

Nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil, o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito foi unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.

O contexto probatório aponta a desnecessidade de produção de outras provas, diante da matéria controversa estar pautada apenas no plano do direito, conforme se observa das peças processuais e documentos produzidos pelas partes nos autos. Tal situação autoriza o magistrado a julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 355, I do Código de Processo Civil.

Compulsando os autos, tem-se que a parte autora é portadora de grave enfermidade (CID 10 B18.2 + K74.6) necessitando, sob pena de forte agravamento de seu quadro já delicado, de tratamento de saúde concernente ao fornecimento dos medicamentos: suplementação alimentar tipo FRESUBIN HEPA, nas quantidades necessárias ao seu tratamento, em consonância com as prescrições médicas de Id. 55986335.

Nesse plano, o acesso aos meios de obtenção e preservação da saúde do indivíduo findou definido pelo legislador constituinte como um direito social, consoante a locução do caput do artigo 6º da Carta Política brasileira, corolário lógico e imediato da garantia fundamental à inviolabilidade do direito à vida, consagrado no artigo 5º, caput, desse diploma, e do cânon concernente à dignidade da pessoa humana, fundamento expresso da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III).

O Texto Constitucional destinou esse Ente, por seu turno, a promover o bem de todos, à luz dos seus objetivos enunciados no artigo 3º, IV, da reportada Carta.

Em seu bojo se detectam diretrizes normativas irradiadas desse núcleo principiológico, plasmadas, à guisa de exemplo, nos mandamentos insculpidos no seu artigo 7º, IV e XXII, artigo 23, II; artigo 30, VII e artigo 34, VII, "e", dentre outros.

O ápice da proteção dada ao direito em questão pela Lei Maior se encontra permeado na redação do seu artigo 196, cuja redação segue transcrita:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

A respeito desse ponto, eis o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo de Instrumento 817241/RS, de relatoria do Min. JOAQUIM BARBOSA, e julgado em 30/09/2010, assim se pronunciou:

O Estado não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à vida, de medicamento que não esteja na lista daqueles oferecidos gratuitamente pelas farmácias públicas, é dever solidário da União, do estado e do município fornecê-lo.”

Partilhando da mesma posição adotada pelo STF, alinha-se o Tribunal de Justiça potiguar, senão vejamos:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NÃO NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO, ORA PARTE AGRAVANTE. LIMINAR DEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. GARANTIA DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE. CIRURGIA NECESSÁRIA. DEVER DO ESTADO. ARTIGO 196 DA CF/88. DECISÃO CONFIRMADA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

- A Constituição Federal estabeleceu a responsabilidade solidária dos entes federativos pela prestação dos serviços de saúde, de modo que todos têm legitimidade para responder às demandas que visam ao fornecimento gratuito de tratamentos médicos.

- Restando suficientemente comprovada a insuficiência financeira alegada pela parte autora, devem o Estado ser compelido a realizar o procedimento cirúrgico postulado, com base no artigo 196, da Constituição Federal.

- A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." (Agravo de Instrumento com Suspensividade: AI 12697 RN 2010.001269-7 - Relator(a): Des. Vivaldo Pinheiro - Julgamento: 20/05/2010 - Órgão Julgador: 3ª Câmara Cível)

Emerge desse ideário a convicção da obrigatoriedade do Poder Público prestar todos os serviços necessários à mantença da saúde da população, seja quanto ao fornecimento de medicamentos e insumos, seja quanto à realização de procedimentos e exames médicos, uma vez que todos, sem distinção, integram as diligências atribuíveis ao Estado (lato sensu) para a concretização daquele direito da pessoa humana.

Quanto à alegação da ausência de legitimidade passiva suscitada pelo demandado, entendo que esta não merece guarida, seja por força do art. 23 da Constituição Federal, que prevê a solidariedade entre os entes públicos para o cuidado a saúde e assistência pública, seja pela já pacífica jurisprudência do STF sobre a temática. Vejamos:

“CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERADOS. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da Federação em promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente. 2. Ressalva da posição pessoal em sentido contrário, manifestada em voto proferido na 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 888975/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 22/10/2007). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”(ARE 803274 AgR, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe 28.5.2014)

Destarte, o dever de acolhimento do pedido autoral é medida a ser observada.

DISPOSITIVO

ISSO POSTO, ratifico a liminar deferida e ACOLHO o pedido formulado pelo autor nesta ação, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC) para CONDENAR o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e o MUNICÍPIO DE PARNAMIRIM/RN a custearem em favor de JOSEMAR LOURENÇO DOS SANTOS o fornecimento da suplementação alimentar tipo FRESUBIN HEPA, nas quantidades necessárias ao seu tratamento, em consonância com as prescrições médicas de Id. 55986335.

Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios (art. 55 da Lei nº. 9.099/95).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo a interposição do Recurso Inominado e a apresentação de contrarrazões, DETERMINO a remessa dos autos à E. Turma Recursal sem a análise do Juízo de Admissibilidade em razão do art. 1.010, §3º do CPC.

PARNAMIRIM /RN, data registrada no sistema.

FLAVIO RICARDO PIRES DE AMORIM
Juiz(a) de Direito
(documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)

RECURSO

Em razões, o ente público recorrente pugna pela reforma do julgado, aduzindo pela impossibilidade do fornecimento de tratamento não ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Defende a realização de perícia médica, diante da ausência de comprovação da eficácia do suplemento pretendido, em face da enfermidade que acomete a parte autora, assim como da ineficácia dos fármacos regularmente fornecidos pelo SUS.

CONTRARRAZÕES

Pugnou, em síntese, pela manutenção da sentença.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, necessário o conhecimento do recurso.

Verifico que não assiste razão ao ente público recorrente.

No caso vertente, é dever do Estado prestar a assistência necessária àqueles que necessitam de medicamentos, exames e suplementos alimentares, bem como dos demais procedimentos imprescindíveis ao tratamento de sua...

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