Acórdão Nº 08047909520228205108 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 01-11-2023

Data de Julgamento01 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08047909520228205108
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0804790-95.2022.8.20.5108
Polo ativo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): LARISSA SENTO SE ROSSI
Polo passivo
MARIA DO ROSARIO RIBEIRO SILVA
Advogado(s): MARIA DA CONCEICAO ROSANA CARLOS DANTAS, ANTONIO MATHEUS SILVA CARLOS

EMENTA: DIREITOS DO CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE SEGURO. AUSÊNCIA DE CONTRATO. DESCONTOS INDEVIDOS. ATOS ILÍCITOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. FORMA DOBRADA. ENGANO JUSTIFICÁVEL NÃO DEMONSTRADO. DANOS MORAIS. REDUÇÃO DE PROVENTOS. REPARAÇÃO. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO AO PARÂMETRO ADOTADO PELA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL DESTE TRIBUNAL. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em prover parcialmente o recurso, nos termos do voto do relator.

Apelação cível interposta pelo Banco Bradesco S/A, em face de sentença que julgou procedente a pretensão para: i) declarar a inexistência de débito a título de seguro sob a rubrica “PGTO COBRANCA BRADESCO SEG. RESIDU/OUTROS”; ii) condenar a parte ré a: ii.1) restituir em dobro os valores indevidamente descontados na conta bancária de titularidade da parte autora; ii.2) pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00; ii.3) pagar custas processuais e honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação.

Alega que “não houve um desconto realizado pelo banco na conta da parte recorrida, e sim um pagamento eletrônico realizado pela recorrida mediante sua senha pessoal. As cobranças objeto da lide foram pagas, pelo recorrido e não debitadas da sua conta corrente”. Esclarece que “o recorrido contratou formalmente o seguro referido, Apólice de Seguro Residencial Sob Medida Casa 640.104723 vigência 02/07/2022 a 02/07/2023 prêmio 10 prestações de R$ 39,85” e “em todo o tempo o recorrido esteve coberto com o referido seguro, não havendo o que se falar de fraude e/ou descontos indevidos, visto que tinha ciência plena da contratação, sendo inclusive feita via corretor”. Pondera que não há que se falar em reparação de dano material, visto que a contratação foi legítima. Defendeu a ausência de violação a direitos da personalidade. Impugna o quantum indenizatório. Pugna, ao final, pelo provimento do apelo para julgar improcedente a pretensão ou excluir/minorar o quantum indenizatório.

Contrarrazões pelo desprovimento do apelo.

A teor do disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pelos eventuais danos ou prejuízos que possam surgir na exploração de atividade comercial é decorrente do risco do empreendimento, cujo ônus deve ser suportado por quem a desenvolve e usufrui dessa exploração.

Sob a ótica da responsabilidade objetiva, cabe ao fornecedor do serviço responder, independentemente de culpa, pelos danos causados à parte autora. Basta a parte lesada comprovar o defeito no produto ou serviço e o nexo de causalidade entre a atividade da empresa e o dano produzido, para surgir a obrigação de indenizar.

A parte autora, pessoa idosa, relatou que o banco, unilateralmente, passou a realizar descontos mensais em seus proventos sob a rubrica “PGTO COBRANCA BRADESCO SEG. RESID/OUTROS”, serviço que em nenhum momento solicitou. Na origem, o banco não apresentou cópia do contrato supostamente firmado com a parte autora para contratação do seguro.

Nesta instância, a instituição financeira juntou a Apólice de Seguro Residencial Sob Medida Casa 640.104723 vigência 02/07/2022 a 02/07/2023 prêmio 10 prestações de R$ 39,85, que teria sido firmada pela parte autora. As informações da suposta apólice contratada, sem assinatura ou outra prova que demonstre a intenção da parte autora em contratar, não se presta a legitimar a contratação. O fato de constar no documento que os débitos foram autorizados por assinatura eletrônica com digitação de senha em nada comprova a contratação, tampouco a autorização dada pela autora, pois se trata de informação unilateral lançada no documento sem comprovação alguma de que efetivamente tenha sido realizado pela cliente.

A mera disponibilização de um serviço bancário não solicitado e não utilizado pelo consumidor, notadamente em contexto de franca hipossuficiência, não se coaduna com as normas e diretrizes de proteção e de defesa instituídos no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, III, art. 39, IV e VI). Consequentemente, ficam caracterizados o defeito na prestação do serviço e o dano suportado pela consumidora, assim como o nexo de causalidade entre eles, nascendo daí o dever de reparar.

Sobre a repetição do indébito, a definição da forma dobrada não mais depende da demonstração de má-fé da conduta da instituição demandada, como costumeiramente se via exigir, na forma da jurisprudência mais antiga do STJ. Atualmente a tese foi revista e tornou-se consolidada no STJ que “a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo”.

Não mais recai sobre o consumidor a necessidade de demonstrar a má-fé do fornecedor, pois, ao contrário do que se exigia, caberá a este o ônus de demonstrar que a cobrança indevida se deu por engano, e que este erro ou equívoco da cobrança seria justificável, hipótese em que estaria afastada a referida sanção civil, a atrair a incidência da repetição do indébito na forma simples.

A instituição demandada não demonstrou que as cobranças ocorreram por engano justificável, o que motiva a aplicação da repetição do indébito na forma dobrada. As indevidas e repetitivas cobranças evidenciam condutas contrárias à boa-fé objetiva, porquanto não ficou comprovada a contratação do seguro.

O dano moral indenizável é aquele que pressupõe dor física ou moral e se configura sempre que alguém aflige outrem injustamente, em seu íntimo, causando-lhe dor, constrangimento, incômodo, tristeza, angústia. Alcança valores essencialmente ideais, embora simultaneamente possam estar acompanhados de danos materiais.

A própria narrativa das partes, associada aos documentos apresentados, são suficientes para configurar o dano moral suportado pela parte autora, pessoa de baixa renda e idosa, que teve descontado valor de sua conta salário sem qualquer amparo legal ou contratual.

Esta Corte já se manifestou em caso semelhante:

EMENTA: DIREITOS DO CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RELATIVOS À TARIFA NÃO CONTRATADA (CESTA B EXPRESS). DANO MORAL CONFIGURADO. FIXAÇÃO DE QUANTUM INDENIZATÓRIO CONFORME PARÂMETRO ADOTADO PELA 2ª CÂMARA CÍVEL DESTE TRIBUNAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO EM PATAMAR MÍNIMO. NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO. ADEQUAÇÃO AOS PARÂMETROS LEGAIS E AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. (TJRN, AC 0800709-86.2021.8.20.5125, Segunda Câmara Cível, Relator Des. Ibanez Monteiro, assinado em 20/07/2022).

O valor fixado a título de indenização tem o escopo de compensar a vítima pelo dano sofrido, bem como punir e educar o causador do dano, para que novas condutas lesivas sejam evitadas. O montante determinado deve ser razoável e proporcional ao prejuízo sofrido pela vítima e à conduta do recorrido, bem como deve ser levada em consideração a situação econômica de cada uma das partes, de modo a compensar os danos extrapatrimoniais sem gerar o enriquecimento ilícito ou injustificado.

Registro, por oportuno, que este Egrégio Tribunal, em casos semelhantes, tem adotado o valor de R$ 4.000,00 como forma de reparar o dano moral vivenciado pela parte lesada, por observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ante o exposto, voto por prover o recurso para minorar o valor da indenização por danos morais para R$ 4.000,00. Honorários não majorados em razão do entendimento já firmado na Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp 1539725/DF.

Consideram-se prequestionados todos os dispositivos apontados pelas partes em suas respectivas razões. Será manifestamente protelatória eventual oposição de embargos de declaração com notória intenção de rediscutir a decisão (art. 1.026, §...

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